Tom Archer e Tamara Curtis Archer fundaram um projeto focado em dar resposta à crise habitacional que Portugal enfrenta.
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Reabilitar casas em Portugal
Antes e depois de reabilitação de edifício no Barreiro Créditos: Divine Lavender

Uma fórmula aparentemente simples, mas transformadora: adquirir imóveis, reabilitá-los com empresas locais e arrendá-los a preços acessíveis a quem mais precisa — sem deixar de garantir sustentabilidade financeira. É esta a proposta da Divine Lavender, um projeto de habitação acessível criado por Tom Archer e Tamara Curtis Archer, um casal que juntou a experiência no setor imobiliário e no trabalho social para tentar ajudar a responder à crise habitacional e aos desafios de integração que encontraram em Portugal. Em entrevista ao idealista/news, os fundadores explicam quais são os objetivos e metas para o futuro, alicerçadas numa premissa: criar casas com propósito.

O modelo assenta em dois critérios principais: as rendas não ultrapassam 33% do rendimento do agregado familiar e situam-se entre 60% e 80% do valor de mercado. Destina-se a pessoas migrantes, refugiadas, estudantes e profissionais deslocados — como professores, médicos ou polícias — que enfrentam grandes dificuldades no acesso à habitação, mesmo com rendimentos estáveis. Os inquilinos são selecionados com o apoio de organizações como a JRS Portugal e a CRESCER, e acompanhados ao longo do tempo.

Depois de uma fase-piloto bem-sucedida na Grande Lisboa, com dois apartamentos arrendados entre 30% e 60% do preço de mercado, a Divine Lavender termina agora a reabilitação de um edifício no Barreiro, margem sul do Tejo, com dez quartos destinados a uma comunidade mista. O objetivo é criar não apenas casas acessíveis, mas também ambientes de coabitação equilibrados, onde diferentes perfis convivem com apoio e respeito mútuo — um conceito que será dinamizado com o apoio do Lisbon Project.

Com financiamento 100% privado até ao momento, o projeto quer atrair investidores a partir de 2026, mantendo o equilíbrio entre impacto social e retorno financeiro. A chave para isso, segundo os fundadores e Tiago Matos Alves - diretor de operações no país que se juntou ao projeto -, está na diversidade dos inquilinos, no rigor da seleção, na contenção dos custos de aquisição e reabilitação — e numa visão clara: provar que é possível, e urgente, investir numa habitação que cuida.

Casas a preços acessíveis
Antes da reabilitação do edifício no Barreiro Créditos: Divine Lavender



Como surgiu a ideia de criar o projeto Divine Lavender e que projeto é este? Por que é que escolheram Portugal para implementá-lo?

A Divine Lavender nasceu da vontade de unir aquilo que trazíamos das nossas experiências profissionais — no turismo e imobiliário por um lado (Tom), e no trabalho social por outro (Tamara) — para responder a desafios sociais concretos, que começámos a sentir de perto, depois de nos mudarmos para Portugal, em 2019. O projeto foi sempre pensado para ser algo prático, humano e financeiramente viável. Queríamos contribuir para a resolução da crise de habitação que víamos à nossa volta, mas também para a integração de pessoas migrantes e refugiadas que, como muito portugueses, muitas vezes enfrentam obstáculos enormes no acesso a uma casa digna. A Divine Lavender nasce dessa vontade de cuidar — de criar soluções estáveis, acessíveis e com impacto real na vida das pessoas.

"O projeto foi sempre pensado para ser algo prático, humano e financeiramente viável"

Como funciona este modelo de habitação acessível que propõem? É dirigido a quem?
Adquirimos imóveis e reabilitamo-los para arrendamento acessível, baseando-nos em dois critérios: as rendas não ultrapassam 33% do rendimento líquido do agregado familiar, e situam-se entre 60% e 80% do valor de mercado. O modelo é dirigido a pessoas migrantes e portuguesas em situação vulnerável, ou anterior situação vulnerável — com o suporte de associações como JRS e CRESCER — e também a profissionais deslocados (como professores, polícias, médicos) e estudantes universitários. Além disso, procuramos promover uma verdadeira integração comunitária, criando ambientes de coabitação equilibrada entre pessoas de diferentes origens e contextos e fá-lo-emos em estreita colaboração com o Lisbon Project, cuja missão e experiência consiste em construir uma comunidade que integre e capacite. 

Rendas acessíveis em Portugal
Depois da reabilitação do edifício no Barreiro Créditos: Divine Lavender

Fizeram um ‘teste piloto’ através da aquisição de dois apartamentos na Grande Lisboa, que foram arrendados a preços acessíveis (30% e 60% do valor real de mercado). Podem explicar melhor? E em termos de financiamento/investimento?
Adquirimos dois apartamentos — um no Barreiro e outro no Fogueteiro — com financiamento 100% privado. Foram arrendados a pessoas migrantes e refugiadas, tanto uma família, como indivíduos através de cohabitação, referenciados pela JRS. Esta fase piloto foi essencial para testar a viabilidade financeira, a dinâmica com os parceiros sociais, e perceber o nível de compromisso dos inquilinos — sem atrasos nos pagamentos, com estabilidade e respeito pelas regras. Este sucesso validou o modelo e mostrou que podemos avançar para algo maior.

Em que consistiu a parceria com a JRS Portugal?
A JRS é uma parceira essencial: faz a seleção dos inquilinos com base em critérios claros de estabilidade emocional, social e financeira. São pessoas que, embora vulneráveis no contexto habitacional, estão preparadas para uma vida independente e responsável. A JRS assegura ainda o acompanhamento social dos seus referenciados durante a duração dos contratos. Estamos também em contacto com outras associações que poderão encaminhar potenciais inquilinos e colaborar das várias formas acima mencionadas, mas a JRS continuará a ser um parceiro essencial e o principal encaminhador de inquilinos migrantes/refugiados. 

Reabilitar casas em Portugal
Depois da reabilitação do edifício no Barreiro Créditos: Divine Lavender

Para a fase de expansão decidiram avançar com o projeto para o Barreiro e replicar em maior escala. Quais são as expectativas para esta nova fase? 

No Barreiro - uma área há muito identificada como “em ascensão” - adquirimos um edifício com dois apartamentos — no total, 10 quartos. A nova fase será composta por cerca de 60 a 70% de inquilinos apoiados pelas associações JRS e CRESCER, e o restante por profissionais deslocados e um Community Coordinator do Lisbon Project que, em principio, viverá no edifício. Esta combinação permite um ambiente mais estável, integrador e enriquecedor. 

Importa também destacar que toda a renovação do edifício foi feita com empresas e trabalhadores locais do Barreiro, e que sempre que possível foram utilizados materiais e serviços adquiridos na região. É parte do nosso compromisso não só com a habitação acessível, mas também contribuir para cadeias locais e sustentáveis, para o desenvolvimento económico local, e a valorização da comunidade onde o projeto se insere.

"É parte do nosso compromisso não só com a habitação acessível, mas também contribuir para cadeias locais e sustentáveis"

Quando é que a obra ficará concluída e a quem serão destinadas as casas? Quais os critérios de seleção de inquilinos?

O edifício está agora praticamente pronto e os primeiros contratos de arrendamento vão arrancar nas próximas semanas. Os quartos serão destinados a pessoas selecionadas por JRS e CRESCER, a profissionais deslocados e a um Community Coordinator residente. Todos os inquilinos são selecionados com base em critérios de estabilidade pessoal e financeira, vontade de viver em comunidade e respeito pelas regras básicas do espaço. A diversidade dos perfis é um pilar essencial para promover uma verdadeira integração.

Oferta de casas para arrendar
Antes da reabilitação do edifício no Barreiro Créditos: Divine Lavender

O objetivo é começar a atrair investidores até ao final de 2025, para expandir o modelo. Como pensam fazê-lo? Isto é, qual o modelo financeiro que garante retorno seguro aos investidores e, ao mesmo tempo, rendas acessíveis?
A nossa prioridade agora é garantir que este novo edifício corre de acordo com o esperado, e que mais uma vez estamos prontos para dar o próximo passo, de forma sustentada e com foco na integração social. Só depois, em 2026, é que abriremos portas a investidores.

O equilíbrio entre diferentes tipos de inquilinos — com perfis e capacidades financeiras distintas — permite-nos gerar uma rentabilidade sustentável, mesmo com rendas abaixo do mercado. Acreditamos que esta combinação é a chave para manter a missão social e, ao mesmo tempo, garantir retorno a investidores que queiram alinhar impacto com segurança. Outro fator essencial para o sucesso do modelo é a aquisição dos imóveis a valores razoáveis, idealmente abaixo do valor de mercado que se pratica. 

Este ponto tem-se tornado cada vez mais desafiante, especialmente em zonas urbanas. Encontrar boas oportunidades de compra no mercado e empreiteiros com preços razoáveis — que permitam reabilitação e manutenção com qualidade, e permitindo aplicar rendas acessíveis — é uma condição fundamental para a viabilidade e escalabilidade do projeto.

"Iniciativas como a nossa mostram que é possível gerar impacto sem abdicar de sustentabilidade financeira"

Como veem o papel do setor privado na resolução da crise habitacional em Portugal?

O setor privado tem um papel essencial, especialmente quando colabora com associações e entidades públicas. Iniciativas como a nossa mostram que é possível gerar impacto sem abdicar de sustentabilidade financeira. O apoio do Estado seria, no entanto, um enorme reforço — permitir-nos-ia crescer de forma mais sólida e chegar a um maior número de pessoas.

Casas de renda acessível
Depois da reabilitação do edifício no Barreiro Créditos: Divine Lavender

E do lado do Estado, o que falta fazer? Temem que a instabilidade política possa agravar a situação? Até em termos da atração de investidores...

Falta um quadro legal e fiscal que traga confiança e estabilidade a quem quer investir na habitação acessível. Muitos programas, como o PAA, apesar de bem intencionados, não oferecem rendas suficientemente atrativas para viabilizar o envolvimento de investidores. E, sim, a instabilidade política e regulamentar pode afetar seriamente a confiança no setor — o que torna ainda mais urgente um plano nacional claro para a habitação.

Dito isto, pensamos que a atual instabilidade política torna mais importante, que algumas das soluções à crise da habitação, sejam construídas no seio da sociedade civil, para que possam desenvolver organicamente com resiliência e prontidão para se alinharem com novas iniciativas governamentais à medida que estas forem sendo implementadas. 

Além da Grande Lisboa, há outras regiões onde gostariam de replicar o projeto? Que critérios usarão para escolher novos imóveis para renovação?

Sim, acreditamos que o modelo tem potencial para ser replicado noutras regiões. No entanto, neste momento queremos consolidar a nossa atuação na Grande Lisboa, por ser onde se concentra a maior necessidade habitacional no nosso público-alvo e onde temos capacidade operacional para atuar com responsabilidade e proximidade.

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