A incerteza na economia mundial voltou a agravar-se desde o passado dia 7 de outubro, quando o grupo islamita palestiniano Hamas avançou com um ataque sem precedentes a Israel, que gerou uma reação israelita imediata, com o cerco da Faixa de Gaza. Os desenvolvimentos deste conflito no Médio Oriente têm sido acompanhados atentamente pelos organismos internacionais, desde o FMI, ao Banco Mundial, entre outros. A Comissão Europeia veio ontem anunciar que revê em baixa as perspetivas económicas e o Banco Central Europeu (BCE) admite mesmo haver riscos sobre a evolução da inflação na Zona Euro, por via do potencial aumento dos custos da energia.
Todo este cenário pode comprometer as metas do regulador europeu (2%), vendo-se assim obrigado a aumentar as taxas de juro diretoras, depois de ter feito uma pausa nas subidas em outubro. O idealista/news analisa agora qual é o possível rumo da inflação, dos juros do BCE e do comportamento do PIB, a par de outras variáveis, com a ajuda de especialistas e tendo por base dados oficiais.
Depois de anunciar a pausa na subida das três taxas de juro diretoras em outubro, que ficaram no patamar dos 4%, o BCE alertou os mercados para os riscos externos que podem condicionar a evolução da inflação na Zona Euro, que se fixou em 2,9% em outubro, o nível mais baixo dos últimos dois anos. Um deles tem a ver com os conflitos geopolíticos – a guerra na Ucrânia e no Médio Oriente – que trazem incerteza, nomeadamente por poderem fazer subir os preços da energia - com efeitos diretos na inflação, consumo e taxas de juro. A somar a este há ainda o risco da crise climática, que pode fazer subir os preços dos alimentos.
Todo este cenário tem potencial para afetar a evolução da inflação na Zona Euro, que, ao agravar-se, forçará o guardião do euro a elevar ainda mais as taxas de juro diretoras, tendo impactos no desenvolvimento da economia europeia, a qual pode arrefecer ainda mais. Claro está que tudo isto poderá afetar também o universo da habitação e do imobiliário, gerando incerteza aos investidores, aumentando ainda mais os juros nos créditos habitação, retraindo a compra de casas e aumentando os custos da construção (por via da subida dos preços do petróleo e dos custos de financiamento), tal como explicamos aqui.
E a escalada do conflito entre Israel e o Hamas, que pode levar ao arrefecimento da economia mundial, devido ao aumento do preço do petróleo e ao adiamento de investimento e consumo, afeta também Portugal, tal como explicam os especialistas.
Conflito em Israel tem impacto na inflação na Zona Euro?
Os dados mais recentes do Eurostat revelam que a inflação anual na Zona Euro deverá ter descido para 2,9% em outubro de 2023, o valor mais baixo registado em mais de dois anos. E, olhando para as diferentes componentes, salta à vista que os preços da energia desceram -11,1% no mês passado. Isto quer dizer que a política monetária restritiva do BCE tem dado resultados, reduzindo a inflação quase para o patamar em que é a assegurada a estabilidade dos preços, os 2% (que é o seu objetivo no médio prazo).
Acontece que há riscos geopolíticos que podem influenciar o rumo da inflação na Zona Euro, tal como destacou o Conselho do BCE: a guerra na Ucrânia e o escalar do conflito armado entre o Hamas e Israel poderão fazer “subir os preços da energia no curto prazo, enquanto tornam as perspetivas a médio prazo mais incertas”. E, recentemente, a presidente Christine Lagarde reforçou que o BCE tem de “monitorizar realmente o preço da energia daqui para frente”, reconhecendo que há a possibilidade de o conflito no Médio Oriente escalar, aumentando o preço do petróleo.
Esta preocupação do Banco Central Europeu sobre a evolução do conflito no Médio Oriente é partilhada pelos economistas e analistas de mercado. Em declarações ao idealista/news, o especialista em economia internacional Pedro Leão concorda que esta guerra representa um “risco grande” para a inflação na Zona Euro, “sobretudo se o conflito alastrar na região”, referiu o professor no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG).
“Um conflito que ocorre hoje num ponto do planeta acaba por se sentir por todo o mundo”, realça, por seu lado, Frederico Abecassis, CEO da Coldwell Banker Portugal, considerando, por isso, que “o BCE está correto ao apontar as tensões geopolíticas, como um risco para a inflação na Zona Euro”, muito embora hoje continue “satisfeito com os sinais de recuo na atividade económica e na procura que se traduzem numa pressão decisiva que faz com que os preços de bens e serviços continuem a descer, garantindo uma menor inflação”.
Afinal, “o atual conflito entre Israel e o Hamas poder-se-á agudizar e impactar negativamente a economia mundial se passar de um conflito confinado à Faixa de Gaza a uma guerra regional gradualmente mais ampla, arrastando diretamente países vizinhos para o conflito [como o Irão], afetando, desse modo, não só a produção de crude, mas sobretudo o transporte de petróleo no golfo pérsico por via do estreito de Ormuz“, um corredor energético onde passam diariamente 21 milhões de barris de petróleo, cerca de 20% do consumo diário global, explica ainda Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, citado pela Lusa.
O tema é de grande atualidade, e esta mesma quarta-feira, a Comissão Europeia (CE) veio alertar que esta "região alberga grandes produtores de petróleo e rotas marítimas cruciais para o petróleo e o gás natural liquefeito através do Golfo do Suez. Uma extensão do conflito ou das suas ramificações políticas a toda a região, que causasse perturbações no abastecimento de energia, teria um forte impacto nos preços da energia, na produção mundial e no nível geral de preços”.
Portanto, qualquer alteração do atual abastecimento de petróleo traria impactos para a economia europeia, nomeadamente ao nível dos preços da energia, uma vez que a Europa continua muito dependente dos combustíveis fósseis importados, apesar de ter reforçado o investimento na transição para energias renováveis, tendo em vista de atingir a neutralidade carbónica em 2050.
Para já, o impacto do conflito entre o Hamas e Israel nos preços do petróleo tem sido "modesto", diz Bruxelas. Mas o preço do gás europeu voltou a subir em meados de outubro (após uma tendência de descida pós-pandemia e pós-crise energética), devido aos receios de um conflito mais alargado. “Mais de um mês depois do início da instabilidade no Médio Oriente, os preços da energia mantiveram-se [praticamente estáveis]”, reforça Gonçalo Antunes, professor universitário na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCT-NOVA), ao idealista/news.
“A subida dos preços do petróleo e do gás constitui um risco fundamental para as perspetivas de uma descida gradual da inflação”, diz Bruxelas
Mas a CE também reconhece que a expansão do conflito no Médio Oriente, com efeitos nos preços da energia, pode impactar a inflação na Zona Euro, elevando-a em 1,2 pontos percentuais face ao cenário de referência para 2024, que coloca a inflação nos 3,2%. Para este ano, Bruxelas prevê que a inflação seja de 5,6% na área euro e de 5,5% em Portugal (em 2024 deverá cair para 3,2% no nosso país).
“Seja como for, um aumento nos preços da energia coloca sempre um maior stress nos orçamentos familiares, o que é um problema, ainda para mais quando se soma uma crise inflacionista”, recorda Gonçalo Antunes. “Os aumentos da eletricidade ou do gás são péssimas notícias para as famílias, que podem ser obrigadas a diminuir os consumos, o que pode acarretar uma significativa baixa do bem-estar dentro de casa, desde logo, por exemplo, porque parte substancial do nosso parque habitacional tem severas carências de eficiência energética. Ou seja, casas muito frias no inverno e demasiado quentes no verão, o que a maioria das famílias tende a resolver circunstancialmente com o consumo de energia”, avisa o professor na FCT-NOVA.
Há também outro cenário a ser considerado. Por outro lado, as tensões geopolíticas podem fazer com que “as empresas e as famílias se tornem menos confiantes e mais incertas quanto ao futuro”, reduzindo a procura. Portanto, “uma procura mais fraca – por exemplo devido a uma transmissão mais forte da política monetária ou a um agravamento do ambiente económico no resto do mundo num contexto de maiores riscos geopolíticos – aliviaria as pressões sobre os preços, especialmente no médio prazo”, explicou o Conselho do BCE. E a mesma hipótese é colocada por Bruxelas, explicando que o abrandamento do lado da procura causado pela elevada incerteza pode reduzir a pressão sobre a inflação, tal como os elevados níveis de restrição da política monetária.
Corte dos juros do BCE pode ser adiado com conflito no Médio Oriente
Para já, e tendo em conta as perspetivas de inflação e da transmissão da política monetária para as economias, o BCE está confiante que manter as taxas de juro diretoras no atual patamar dos 4% poderá ajudar a reduzir a inflação. “O nível [de taxas de juro] em que estamos neste momento, se o sustentarmos por tempo suficiente (…) dará uma contribuição significativa para trazer a inflação de volta à nossa meta de 2%”, disse recentemente Christine Lagarde.
Mas a presidente do BCE também já avisou que “se surgirem grandes choques, dependendo da sua natureza, teremos de rever a política monetária”. Isto quer dizer que se o conflito no Médio Oriente escalar para os países vizinhos e subir os preços do petróleo, pode haver novos aumentos das taxas de juro diretoras. O que parece claro é que “claramente prematuro" falar em reduzir os juros diretores, tal como sublinhou Luis de Guindos, vice-presidente do BCE.
Portanto, o BCE está de olhar atento sobre o desenvolvimento do conflito no Médio Oriente – e também da guerra na Ucrânia -, podendo optar por manter as taxas de juro elevadas por mais tempo que o esperado ou até voltar a subi-las caso haja um impacto destes conflitos na inflação na Zona Euro. O que também pode estar em causa é o adiamento da redução dos juros diretores no futuro, a preocupação central por parte dos especialistas contactados pelo idealista/news.
“Os fatores geopolíticos podem sempre afetar a inflação, seja por custos de energia ou de materiais, e por consequência as decisões do BCE no objetivo de controlar a mesma em torno dos 2%, nomeadamente o adiamento de redução das taxas de juro”, destaca Miguel Cabrita, responsável pelo idealista/crédito habitação em Portugal.
Também Frederico Abecassis, da Coldwell Banker Portugal, afirma que “o cenário geopolítico atual pode influenciar as previsões de alívio dos juros pelo BCE. A manutenção da paz e da estabilidade geopolítica é fundamental para a estabilidade económica, e quaisquer eventos imprevistos podem afetar as decisões e a implementação das mesmas por parte do BCE”, acrescenta ainda.
O mesmo entendimento tem o professor de economia internacional Pedro Leão, assumindo que o atual cenário geopolítico pode sim adiar os primeiros cortes nos juros do BCE que estavam previstos ocorrer entre a segunda metade de 2024 e 2025, segundo apontaram vários analistas de mercado.
Por outro lado, há quem mantenha as suas previsões quando aos primeiros cortes dos juros do BCE. O Goldman Sachs antecipa que “embora o aumento dos preços da energia aponte para algum risco de efeitos de segunda ordem, o crescimento moderado e o arrefecimento da inflação subjacente apontam para um grande obstáculo para outro aumento dos juros e mantemos a nossa previsão para uma taxa de depósito inalterada até ao primeiro corte no quarto trimestre de 2024”, referiu o banco citado pelo Jornal Económico.
Quanto ao futuro das decisões do BCE sobre os cortes nos juros, Gonçalo Antunes diz que “temos de esperar para ver”. “Embora o pior já possa ter passado, tal não é certo, e deve-se estar preparado para a manutenção da inflação, eventualmente até o seu agravamento episódico, e por consequência o aumento das taxas de juro, ou a sua manutenção acima dos 4% por um período mais alargado do que gostaríamos. Num clima de tão grande incerteza a palavra de ordem deverá ser prudência”, salientou o especialista em habitação e professor na FCT-NOVA.
Como fica a economia europeia? E a portuguesa? Há perigos à espreita
O BCE e o Banco Mundial já alertaram para os riscos desta guerra no Médio Oriente para o desenvolvimento das economias. A descida da inflação por via do agravamento dos juros está a arrefecer a procura e o investimento, enfraquecendo a economia da área euro. E o Conselho do BCE admite que “a economia deverá permanecer fraca durante o resto deste ano”, explicam. Também o presidente do Banco Mundial, Ajay Banga, alertou que a guerra entre Israel e o Hamas “terá um impacto grave no desenvolvimento económico”, considerando este um “momento muito perigoso”.
O que o BCE diz, para já, é que o “o crescimento [da economia europeia] será lento no resto de 2023, em virtude das condições de financiamento mais restritivas e de uma procura externa fraca. Com a descida da inflação, a recuperação do rendimento das famílias e o fortalecimento da procura externa, a economia da área do euro deverá registar um crescimento de 0,7% em 2023, 1,0% em 2024 e 1,5% em 2025”, tendo as previsões de setembro sido revistas em baixa face a junho. A Comissão Europeia (CE) aponta para um crescimento económico para a Zona Euro de 0,6% para 2023 e de 1,2% para 2024, pela perda de dinamismo e elevado custo de vida. E admite que o conflito no Médio Oriente pode levar a um recuo de 0,7 pontos percentuais no PIB da Zona Euro no próximo ano.
“Qualquer conflito tem um efeito prejudicial para qualquer economia. Produz quebras a nível de turismo, queda de investimento doméstico e estrangeiro, assim como ao nível do PIB [Produto Interno Bruto]. A economia europeia, já fragilizada, pode ser afetada negativamente, sendo que o mercado de trabalho [até agora robusto] também pode ser comprometido devido a possíveis desafios económicos”, explica o CEO da Coldwell Banker Portugal ao idealista/news.
Por seu turno, Gonçalo Antunes aponta que “alguns indicadores indicam que o crescimento [económico] de alguns países europeus pode cair para perto de 0% ou pode até iniciar-se um cenário de recessão. É um problema que se pode vir a instalar em 2024, mas teremos de esperar para ver se tal se confirma e com que intensidade”.
Para evitar que a economia europeia seja ainda mais afetada e inverter essa tendência, há que “incentivar a livre circulação de pessoas e bens dentro do espaço europeu e incentivar medidas que visem a captação de investimento estrangeiro, possibilitando a criação e a manutenção de empregos”, sugere Frederico Abecassis.
Importa não esquecer que o rumo das políticas do BCE, bem como as decisões da CE são importantes para dar credibilidade ao projeto europeu, que hoje tem gerando desconfiança sobretudo lá fora. Isto porque quatro em cada 10 pessoas fora da Europa acreditam que a União Europeia vai colapsar nos próximos 20 anos, segundo revelam os investigadores do 'think tank' European Council on Foreign Relations (ECFR), citados pelo Expresso. E esta opinião é ainda partilhada por um terço dos europeus (embora metade discorde). Isto revela que mundo não vê na Europa uma grande potência, muito embora continue a ser atrativa para viver, trabalhar e investir.
“O que é amplamente considerado que falta à Europa é o 'hard power' [poder coercivo] correspondente para proteger os interesses e valores europeus num mundo de grandes e médias potências que competem ferozmente e de guerras", cita o mesmo jornal. E o relatório vai mais longe dizendo ainda que "a própria credibilidade da UE está em jogo no resultado da guerra na Ucrânia”.
Impacto do conflito na economia europeia e portuguesa depende da sua expansão
O desenvolvimento da economia europeia e do mercado de trabalho – bem como estas previsões – podem estar comprometidos com a guerra de Israel, mas “apenas se o conflito no Médio Oriente se alastrar ao resto da região”, envolvendo outros países como o Irão, considera economista internacional Pedro Leão.
A incerteza sobre o perímetro e duração do conflito no Médio Oriente “pode ter um impacto direto de adiamento de decisões de investimento e de consumo, abrandando o PIB mundial”, Pedro Braz Teixeira, diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, citado pela Lusa. “A eventual utilização da arma energética (a região concentra os principais exportadores de petróleo), fazendo subir os seus preços, pode ter também um efeito negativo sobre o PIB, dificultar ou mesmo inverter a descida da inflação, e adiar a esperada descida de taxas de juro para 2024”, acrescentou ainda.
Isto quer dizer que uma escalada do conflito com impacto na produção e transporte de petróleo poderá traduzir-se em menos PIB, mais inflação e taxas de juros mais elevadas do que o esperado, conclui Pedro Braz Teixeira. Também estes efeitos logo se fariam sentir em Portugal afetando as exportações, o consumo privado, bem como o investimento. “Todos estes efeitos são negativos, restando saber a sua amplitude, que dependerá da intensidade da subida dos preços da energia (e também do gás natural)”, sublinhou ainda Pedro Braz Teixeira.
Segundo o Orçamento de Estado para 2024 (OE2024), o Governo estima que o PIB de Portugal seja de 2,2% em 2023 e de 1,5% em 2024 - sendo superior à média da área do euro. E a CE admite nas suas previsões económicas de outono que a economia portuguesa vai crescer 2,2% em 2023 e 1,3% em 2024.
“A economia portuguesa deverá desacelerar em 2024, num contexto marcado pela persistência de um elevado grau de incerteza geopolítica, bem como por uma política monetária restritiva cujos efeitos ainda não se materializaram em pleno”, explicam no documento do OE2024, acrescentando ainda que o crescimento do PIB em 2024 “assentará sobretudo na procura interna, num contexto em que se antecipa um menor dinamismo das exportações, particularmente de bens, fruto de uma conjuntura internacional mais adversa”.
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