Projetos da Contaminar privilegiam os materiais autênticos e a criação de obras sensoriais e táteis.
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Pedro Gois (Colaborador do idealista news) ,
Joana Malaquias (Colaborador do idealista news)

Joel Esperança recebeu-nos numa casa especial. A Quinta do Rei será sempre um pouco sua e do atelier Contaminar, apesar de já estar habitada pelos proprietários. “Foram 13 anos, desde o primeiro rabisco até agora”, confidencia o arquiteto. E mesmo depois da obra entregue, existe uma permanente preocupação, tal como explica em entrevista ao idealista/news para a rubrica “Em casa do arquiteto”.

Fundada em 2005, a Contaminar, sediada em Leiria, tem quatro sócios, Joel Esperança, Ruben Vaz, Eurico Sousa e Joaquim Duarte. A equipa é composta no total por seis arquitetos que trabalham com projetos que pretendem que sejam “sensoriais” e que alcancem os cinco sentidos. 

“O único vírus consciente que a Contaminar quer propagar é uma arquitetura com história, adaptada tanto ao terreno como às vivências dos seus clientes”, explica.

“Arrisco dizer que todas as pessoas em Leiria sabem onde fica o imponente edifício de betão que, no seu interior, é uma acolhedora casa de família, com uma piscina no rooftop e uma vista de cortar a respiração. Objetivo de contaminação alcançado”, diz.

O vosso trabalho é muito caracterizado pela valorização dos materiais?

Costumamos dizer que cada obra deve ter o seu próprio grão, a sua própria matéria. Neste caso, aqui os materiais de eleição foram o betão e a madeira. Os materiais são temáticas que nós gostamos muito de explorar, de transformar. Gostamos que as obras sejam muito sensoriais, muito táteis.

Já tínhamos obras com a utilização da cortiça (Casa da Árvore), que é um material muito português. É muito engraçado porque a cortiça é um material, para alem de tátil, com olfato. Espetacular! Percebe-se a estação do ano no próprio material. Há cada vez mais estas questões da temática dos materiais, e temos materiais cada vez mais sustentáveis.

Contaminar
Contaminar

O que mais privilegia nos materiais?

Para nós é importante que os materiais sejam autênticos, especialmente para quem depois percorre as casas e para quem as vive. Cada material é vivido de uma forma diferente, porque tem o seu próprio som, a sua própria textura.

Existem materiais sintéticos que cada vez mais começam a trabalhar essa sensação, mas não há nada como material, vamos dizer, verdadeiro. Se pudermos trabalhar com material autêntico, preferimos.

Sempre quis ser arquiteto?

Sim, eu disse muito novo “quero ser arquiteto”, e não tenho ninguém da família nesta área. Tenho registado mentalmente a entrega de uma caixa de lápis Caran d’Ache quando tinha 4 ou 5 anos. Lembro-me dessa prenda de Natal da minha madrinha. Depois fui tendo várias paixões, a canicultura, medicina veterinária...

Um pouco antes da entrada na universidade já fazia trabalho de férias numa área que viria a ajudar muito. Leiria é uma zona onde a área dos moldes tem muita força e, por incrível que pareça, a área dos moldes e a área de arquitetura não estão assim tão distantes. É preciso muito rigor no desenho. Na habitação é mais ao centímetro, mas tem que haver sempre uma forte componente com todas as especialidades numa fase inicial. É importante pensarmos de uma forma inicial como vamos resolver os possíveis problemas que aquela obra, com as suas características vai ter.

Ou seja, fui fazendo um percurso em que, de alguma forma, os trabalhos temporários fossem um complemento à própria arquitetura.

Contaminar
Contaminar

Quais os projetos mais marcantes do seu percurso?

Temos várias obras de referência, como a Casa da Árvore, mas como atelier não nos podemos esquecer da nossa primeira obra há mais de 15 anos. Esta formação do atelier foi aquilo que também tornou possível todo este percurso. Logo na altura também pensámos um bocadinho fora da caixa.

No mercado residencial o cliente traz ideias, mas temos tido liberdade para criar, considerando o modo como cada pessoa vive a casa.

Por exemplo, esta casa (Quinta do Rei 18) tem uma forma de viver muito peculiar, é uma casa de cariz muito urbano, uma obra muito “levitante”, onde estamos sempre a ver a copa das árvores, a relação da casa com a envolvente não é tanto tátil ao nível dos pés.

A forma como o cliente quer habitar a casa é por onde começamos a desenhar, começamos até a montar uma história. Como é que ele acorda de manhã? Onde quer por o carro? Como tem que ser a sua relação com algumas situações?

Contaminar
Contaminar

Nós apresentamos aos nossos clientes três propostas, é como se fossem três ateliers diferentes a fazer propostas para a casa dele. Ele pode escolher o caminho que é mais correto para ele. Como temos a possibilidade de fazer mais que uma proposta vamos ter sempre algumas sugestões: “e se vivesse dessa forma?"

Há clientes que gostam pouco desse desafio, outros escolhem a hipótese menos provável e dizem “eu vou escolher aquela proposta porque, quando escolhi o vosso atelier, era para me mostrarem uma forma de habitar a casa diferente”.

Se apresentássemos uma única maquete, uma única proposta, apresentaríamos aquela que o cliente não escolheu, aquela que todos pensávamos que iria escolher. Os clientes também nos desafiam!

Sei que gosta muito da sua cidade: Leiria.

Eu gosto muito da dimensão de Leiria. Estive recentemente em Barcelona, onde já não ia há muito tempo, senti-me sufocado. Senti uma falta de identidade, senti que estava um bocadinho a mais relativamente à cidade.

Por isso fascinam-me cidades onde a relação humana é muito mais presente, porque mesmo que seja uma cidade média vamos conhecendo uma série de pessoas, as caras começam a ser familiares. Agrada-me ser acolhido pela própria cidade, sentir que a cidade está a interagir um bocadinho comigo.

Como viagem interessa-me outro tipo de experiências, como Fez (Marrocos). Se calhar porque o carro não consegue entrar, onde a própria pessoa, para viver ali, precisa deslocar os mantimentos. São sociedades muito sensoriais. Ouve-se rezar. Tem um odor muito particular. Estão milhares de pessoas. Aquilo é estar vivo!

Pronto, se calhar, procuro cidades muito mais sensoriais, mesmo que não sejam tão conhecidas ou que não tenham determinado tipo de arquitetura.

Contaminar
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Como é ser arquiteto em Leiria, fora da capital?

Tem muitas coisas boas e muitas coisas más, como tudo. As capitais têm uma concorrência muito mais feroz. Todos os arquitetos de referência estão em Lisboa, Porto,  Algarve. Num país tão pequeno, existem distinções enormes, seja das capitais para outros territórios um bocadinho mais deslocalizados, como do litoral para o interior, existem realidades muito distintas.

Se estivesse em Lisboa, era um bocadinho mais complexo porque a concorrência era muito maior do que relativamente a Leiria. Não quer dizer que em Leiria não existe, mas existe muito mais liberdade nesse aspeto. Outra realidade está relacionada com os honorários, que é uma coisa matemática muito presente nos arquitetos. Uma coisa é a realidade em grandes centros, outra são os valores de uma realidade mais periférica.

Contaminar
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É difícil ter um atelier de arquitetura?

Na atividade da arquitetura tem que ser uma grande dose de resiliência. Costumo dizer que são maratonas. Nos desafios, vou ser um bocadinho mais transversal: o arquiteto, o designer, o jornalista, os prestadores de serviço em Portugal têm grandes desafios.

Nas universidades fazem um caso de estudo: como é que determinada multinacional é gerida? É colocar mais um cêntimo e facilmente se consegue gerir uma empresa destas. Agora, numa prestação de serviços, como num atelier de arquitetura, não existe uma entrada de caixa semanal, nem muitas vezes mensal.

Isto são situações que, quanto mais as faculdades puderem dar um apoio a quem está na prática e serem casos de estudo reais e não serem coisas fictícias, seria uma enorme ajuda. No nosso caso teria dado uma enorme ajuda.  Quando iniciámos tivemos que bater muitas vezes com a cabeça. Quem vai estar a iniciar a atividade hoje vai ter exatamente os mesmos problemas. Este problema vai ser recorrente, era há 20 anos quando começámos, e agora vai ser daqui a 10 ou 15 anos com outras temáticas.

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