Quase metade das famílias com menos rendimentos deverá ter taxas de esforço superiores a 50% no final de 2023, alerta BdP.
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Incumprimento no crédito habitação
Mário Centeno, governador do Banco de Portugal Getty images

A inflação em Portugal está a descer, embora permaneça ligeiramente acima do objetivo dos 2%. E o mercado de trabalho continua robusto, o tem “contribuído positivamente” para o rendimento das famílias num cenário de abrandamento da atividade económica. Mas num contexto de inflação ainda elevada, de taxas de juro mais altas e de potencial agravamento da taxa de desemprego, o Banco de Portugal (BdP) considera mesmo que há um maior risco das famílias mais vulneráveis com crédito habitação entrarem em incumprimento. Há, também, vários fatores que ajudam a mitigar este cenário, como os apoios dados às famílias para fazer face às elevadas prestações da casa.

Um dos principais riscos e vulnerabilidades para a estabilidade financeira que o BdP identificou passa mesmo pelo “o aumento do incumprimento das famílias mais vulneráveis, num contexto de inflação ainda elevada, de taxas de juro de curto prazo mais altas e de potencial agravamento da taxa de desemprego”, destaca no Relatório de Estabilidade Financeira de novembro de 2023, publicado esta quarta-feira, dia 22 de novembro.

“Uma vez que cerca de 85% do stock de empréstimos à habitação é com taxa variável, a subida das taxas de juro interbancárias tem-se traduzido num aumento dos encargos com a dívida”, explica o regulador português. E verifica-se que 45,6% das famílias com o nível mais baixo de rendimentos tem taxas de esforço médias superiores a 50%. Isto quer dizer que as prestações da casa representaram mais de metade dos rendimentos disponíveis destes agregados mais vulneráveis em agosto de 2023.

Taxa de esforço no crédito habitação
Foto de Thirdman no Pexels

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Taxas de esforço das famílias vão subir até ao final do ano - e descer em 2024

O que o relatório do BdP também diz é que o encarecimento das prestações da casa afetou todos os créditos habitação de uma forma geral em Portugal, uma vez que “todos os contratos com taxa variável já registaram um aumento do indexante [a Euribor]”. Os encargos mais elevados com o serviço da dívida dos empréstimos à habitação contribuíram para a subida da taxa de esforço média – medida pelo Loan service-to-income (LSTI) - em 4,9 pontos percentuais (p.p.) entre junho de 2022 e agosto de 2023, para 21,6%, aponta ainda o documento.

Ao que tudo indica, as taxas de esforço das famílias com crédito habitação de taxa variável deverão subir em dezembro de 2023 e descer em 2024, tendo em conta a evolução esperada para os rendimentos médios dos trabalhadores e das taxas Euribor a 3, 6 e 12 meses até dezembro de 2024:

  • Taxa de esforço média nos créditos habitação deverá “aumentar ligeiramente” para 22,2% em dezembro de 2023. Durante o ano de 2024 deverá cair para 20,4%;
  • Taxa de esforço igual ou inferior a 30% (a recomendada): deverá abranger cerca de 76% dos contratos em dezembro de 2023 (80% em dezembro de 2024);
  • Taxa de esforço superior a 50%: deverá aumentar de 8,1% em agosto para 9% em dezembro de 2023 e cair para 6,8% em dezembro de 2024. “Esta percentagem deverá ser de 48% no caso dos empréstimos no primeiro quintil de rendimento [o das famílias com menores rendimentos], e 41% em dezembro de 2024", refere ainda.
Taxa de esforço na compra de casa
Foto de cottonbro studio no Pexels

Sistema bancário português tem “exposição significativa” ao mercado residencial

“O sistema bancário português tem uma exposição significativa ao mercado imobiliário residencial”, refere o BdP. No crédito a particulares, o rácio de non-performing loan (NPL) bruto aumentou para 2,4% “devido à subida dos empréstimos não produtivos” e resultou “do acréscimo dos novos NPL líquidos de curas no segmento da habitação e no do consumo e outros fins”, avisa o regulador.

Mas “uma desvalorização do colateral dos empréstimos à habitação, decorrente de uma eventual queda dos preços do imobiliário residencial, seria mitigada pelo facto de a carteira de crédito à habitação apresentar uma percentagem baixa de crédito com rácios LTV elevados” – só 8,1% do total de créditos tinham taxas de esforço acima de 50% e apenas 7,4% tinha taxas de esforço entre 40 e 50% em agosto de 2023.

Além disso, os bancos a operar em Portugal vão ter de criar uma almofada de capital para se protegerem de uma eventual crise imobiliária. “A implementação de uma reserva de fundos próprios para risco sistémico setorial complementa a recomendação macroprudencial existente, que foi recentemente revista. A nova reserva reforça a resiliência a uma potencial inversão do ciclo económico e/ou a uma correção significativa e inesperada dos preços do imobiliário residencial. Trata-se de uma medida de precaução destinada a fazer face a um potencial risco de cauda, que promove maior resiliência do setor bancário, e que é introduzida num período em que o setor apresenta maior robustez”, explica ainda o BdP.

Riscos do incumprimento para os bancos
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Há fatores que mitigam risco de incumprimento em Portugal

Além de os bancos ficarem mais protegidos dos riscos de uma eventual crise imobiliária com a reserva de capital, o BdP identifica também um conjunto de fatores que mitigam o risco de incumprimento do crédito habitação em Portugal:

  • Medidas de apoios às famílias (como a bonificação dos juros ou a fixação da prestação da casa) ajudam os agregados a fazer face ao aumento do custo de vida e ao aumento das prestações do crédito habitação;
  • Stock de crédito habitação concentra-se em famílias de rendimentos mais elevados. O peso das famílias com rendimentos mais baixos no total de créditos é baixo em Portugal;
  • Rácio de endividamento é inferior ao da média da área do euro. A redução observada foi transversal a todas as classes de rendimento, mas mais acentuada nas famílias de menor rendimento;
  • Melhoria do perfil de risco dos novos mutuários em consequência da recomendação macroprudencial introduzida em 2018 relativa aos novos créditos habitação;
  • Crédito ao consumo está “relativamente mais concentrado em famílias de rendimento mais elevado” e é dominado por contratos a taxa fixa;
  • Taxa de desemprego com subida limitada, devido à escassez de mão de obra no mercado de trabalho.
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