É impossível não reparar na fachada da Casa do Arco, em Ílhavo, Aveiro, mesmo às portas da emblemática Vista Alegre. Simples e perfeita como um desenho de criança. Quando a arquiteta Maria João Fradinho Ribeiro abre a porta daquele que é o refúgio da sua família, o encanto é ainda maior: enormes janelas de vidro inundam o espaço de luz, mesmo num dia escuro de chuva.
Enquanto arquiteta, Maria Fradinho assume a sua paixão pela habitação, o espaço que "potencia o crescimento do ser humano" e “onde se criam as melhores memórias”, tal como explica nesta entrevista ao idealista/news para a rubrica “Em casa do arquiteto”. Abriu as portas do seu lugar, do lugar da sua família, para falar da beleza da arquitetura e o que tanto a apaixona neste mundo.
Depois de ter estudado no Porto e feito o estágio à Ordem dos Arquitetos Portugueses em Amesterdão, escolheu Aveiro para viver e localizar o seu atelier Frari – architecture network. Dias depois da nossa conversa, o atelier Frari ganhou dois prémios, a nível nacional e internacional, o Margres Architecture Award e o Future House Award, ambos com o projeto da Casa 109, em Vagos.

Porque é que a habitação continua a ser tão importante na arquitetura?
A habitação continua sempre foi e sempre será o palco onde mais memórias se criam, as mais importantes porque são as memórias familiares, as memórias da raiz do ser humano. E, apesar de hoje passarmos muito tempo fora de casa em trabalho, é em casa que sentimos o refúgio, é em casa que podemos ser nós próprios, andarmos confortáveis em pijama, podemos ter momentos íntimos.
A habitação ajuda-nos a construir o nosso eu, na medida em que faz parte da nossa construção pessoal, porque ali, naquele espaço, nós a aprendemos desde crianças a sermos quem somos e aprendemos todo o tipo de valências.
A arquitetura vai potenciar a utilização da casa. Ajudar o ser humano na sua felicidade, eu acho que é essa a beleza da habitação. Não enquanto objeto arquitetónico, mas enquanto espaço que potencia o crescimento do ser humano.
Esta é a sua casa, a casa da vossa família. O que é que foi mais importante quando idealizou este espaço?
Há várias coisas. Primeiro, é uma casa autobiográfica, porque traz as recordações daquilo que é a minha infância, o lugar da Vista Alegre, porque a minha mãe era pintora de cerâmica da Vista Alegre, mas também a influência dos materiais metálicos pelo meu pai, serralheiro mecânico.
Esta casa, e a maneira como ela se foi construindo, fala muito de mim, da minha história de vida, de quem de quem eu sou, dos materiais com que que me identifico. Portanto, houve esse egoísmo, em detrimento do meu marido.
Mas depois há uma componente muito social que foi fundamental para o desenho a pensar na família. É uma família que ainda não existia. Só existia eu e o meu marido. Eu imaginava uma casa com crianças como hoje acontece, que pudesse ser explorada, ser vivida, que pudesse ter relação visual entre os vários espaços para estarmos sempre em comunhão, estarmos sempre todos juntos.

E de facto esses são os principais critérios da casa. Eu poderia estar aqui, como arquiteta, a falar sobre a questão estilística ou opções técnicas, mas a opção humana é sempre mais importante, é o que está na origem do projeto e aqui não foi exceção.
Acho que é por me identificar muito com o projeto e por ter sido feito a pensar na família que aqui habitaria, que nos sentimos muito confortáveis aqui.
Depois da obra concluída, o que mais gosta neste projeto? Esta parte tão interessante da garagem ser uma parte integrante da casa?
Fiquei muito satisfeita com a solução, que foi difícil porque implicava muita coisa. Efetivamente permite-nos, não só ampliar a área da casa em momentos de festa, quase duplicar a área social, como fazer o atravessamento sempre que é necessário chegar ao logradouro. Esse é um aspeto bem sucedido mas não é o que eu mais gosto. O que eu mais gosto é mesmo este envidraçado porque permite duas coisas que eu acho que são fundamentais. Por um lado, a entrada da luz de uma forma muito privada (porque eu não consigo viver sem luz). À noite permite-me usufruir um bocadinho de paz. Consigo contemplar as estrelas sem sair de casa, consigo mesmo em dias de mau tempo ver os relâmpagos, é algo que é extraordinário.
Consigo ter essa magia da contemplação do céu dentro de casa, que é algo que eu valorizo muito. Todos os dias quando saio do quarto, recebo a paisagem.
Ter uma moradia e não conseguir usufruir do espaço exterior, para mim, não faria sentido. Eu gosto muito de ar livre, gosto muito da natureza. Poder fazer com que a natureza entre em casa mesmo quando está mau tempo é algo que eu me sinto orgulhosa por ter conseguido para mim mesma.
Falou na questão de ter tido a primeira filha quando estava a construir esta casa. Ainda é diferente ser mulher no mundo da arquitetura?
Eu não diria que é por ser mulher. Eu, enquanto mulher, sou tão ou mais capaz do que um homem no desempenho das minhas funções. Ser mãe faz toda a diferença. Porque mãe é mãe e quer estar presente, é a mãe a dispor do seu tempo para ir ao pediatra, é a mãe que é o encarregado de educação, é a mãe que vai deitar, que dá aquele momento de carinho final do dia. Há muito tempo que se tem que abdicar da área do tempo profissional para essa grande função de ser mãe.

Faz toda a diferença, e já me aconteceu dizer não a alguns desafios profissionais, sobretudo no que toca aos desafios internacionais. Eu tenho que dizer não porque a minha prioridade é ser mãe e, sobretudo enquanto elas forem novas, têm que ter uma mãe mais presente possível. Portanto, não temos as mesmas oportunidades.
Em termos da valorização da arquitetura em Portugal, começa a haver cada vez melhor arquitetura e tem sido mais fácil perceber qual é o papel do arquiteto. Temos dado passos gigantes na perceção de qual é a diferença de ter um arquiteto a trabalhar.
Quais os projetos mais marcantes?
Vou falar de um projeto que gostei muito, e que liga um bocadinho com esta casa por fazer arquitetura num espaço limitado – a Casa Peixinho. A Casa Peixinho, no centro de Aveiro, está num lote muito, muito, muito pequenino e foi um grande desafio por dois motivos, não só pela dimensão da do terreno, mas também pela ambição do cliente que era contrário à dimensão do terreno, uma ambição muito grande, uma perspetiva muito clara daquilo que quer. O próprio cliente pedia que fosse algo diferenciador.

Há vários projetos que são marcantes por vários motivos, mas se calhar falava num que é recente e que ainda não é conhecido, mas que me está a dar muito gozo fazer por ser fora do âmbito tradicional. Nós trabalhamos essencialmente habitação e assim continuaremos a fazer, porque é a minha grande paixão. Estamos a fazer uma clínica de saúde mental, com alguma dimensão no centro da cidade de Aveiro e, não só pela temática dos serviços que é muito diferenciada habitação, tem uma particularidade que eu acho muito interessante porque temos no nosso edifício uma parte da muralha medieval de Aveiro, vamos ver agora o que é exatamente com os estudos arqueológicos.

Como é viver em Aveiro?
É muito bom. Eu já vivi em outros países e outras a nível nacional, e considero que é das cidades mais confortáveis para se viver. Por um lado, temos a questão da mobilidade, é muito fácil irmos à praia da Barra, ou irmos a Sever do Vouga. Temos grandes zonas florestais, temos praias lindíssimas e temos as zonas da Ria que são extraordinárias. É tudo muito perto e temos bons acessos. E também estamos relativamente perto de outras grandes cidades, como o Porto.
Por outro lado, é uma cidade pequena, mas tem muita vida e tem muitas ofertas a vários níveis, nomeadamente a nível cultural. Portanto conseguimos ter vários tipos de palcos para vivências muito diferenciadas ao longo do ano.
Depois temos outra particularidade que é extraordinária a nível europeu, somos das cidades mais equilibradas em termos de clima. Somos das cidades mais quentes a nível nacional no inverno e das mais frescas no verão, isto atualmente, com as alterações climáticas, é algo extremamente valioso. A gastronomia é extraordinária.
O facto é que voltei para cá e foi aqui que decidi abrir um atelier e residir, porque de facto é muito confortável.
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