Para Duarte Morais Soares, a parte “mais bonita e divertida da arquitetura” são os materiais, a sua conjugação, como as texturas falam entre si. E por isso não tem dúvidas de que uma “casa 'bem arrumada' é uma casa que, para começar, leva tempo a ser desenhada”.
“Eu acho que o tempo do desenho obriga quase a tanta reflexão ou mais que o tempo da construção, ou seja, percebermos exatamente como é que temos um certo retângulo de um terreno para trabalhar e como é que conseguimos arrumar e maximizar esses compartimentos dentro dessa planta. É um trabalho de síntese e de depuração constante, deitar desenhos fora”, explica ao idealista/news, para a rubrica Em casa do arquiteto.
Duarte faz parte da terceira geração de arquitetos da família. Avô e pai deram início a este percurso, que culminou naquele que é hoje o gabinete Morais Soares Arquitectos, fundado em 2002.
Nestes mais de 20 anos de trabalho, Duarte, Raquel e Gonçalo desenvolveram projetos de urbanismo e de arquitetura nas mais diversas áreas: habitação, hotelaria, restauração, estabelecimentos de ensino, indústria, equipamentos desportivos, adegas vinícolas, equipamentos religiosos.
Não são um atelier que “anda à procura da próxima moda”. Essencialmente, querem “construir cidade e que essa cidade, logo mal o edifício comece a ser utilizado, seja praticamente um edifício que parece que sempre pertenceu à cidade”.
Como ser de uma família de arquitetos? Desde quando desejou ser arquiteto?
Na verdade, eu não queria tirar arquitetura. Queria tirar arquitetura naval, mas o meu pai, que era arquiteto, e a minha irmã, Raquel, mais velha, que também já estudava arquitetura, é que me obrigaram a ingressar em arquitetura, disseram “depois mais tarde fazes os barcos”. Coisa que, um dia, conseguirei fazer, se Deus quiser.
Mas, realmente, já vem de trás. O avô era arquiteto, o pai também é arquiteto, e tenho uma irmã, um irmão arquiteto, e a minha irmã mais velha é decoradora.
E o que o fez apaixonar-se pela arquitetura?
Não haja dúvida que a coisa mais divertida da arquitetura são os materiais com que trabalhamos. Desde o zinco na caleira, à madeira no soalho ou na secretária, ao botão armado, à pedra. É a parte mais bonita na conjugação do que são os materiais. Depois é a luz. Como se consegue ou não meter a luz dentro dos edifícios, como é que esses materiais e essas texturas falam, é, para mim, a parte mais bonita e mais divertida da arquitetura.
Há projetos mais marcantes neste percurso?
Há projetos marcantes, há projetos muito marcantes e, sobretudo, clientes que, quanto mais difíceis são, melhores são os projetos normalmente. Mas eu acho que não é possível escolher um projeto que seja mais ou menos interessante.
Às vezes, no princípio, é difícil percebermos se aquilo é um projeto que é o projeto que nós queríamos fazer, mas avançamos de coração aberto a tentar resolver os problemas que as pessoas nos lançam. Pode ser um restaurante, pode ser uma adega, pode ser uma igreja, pode ser uma indústria, tudo acaba por ser muito trabalhoso, é preciso fazer a síntese daquilo que é necessário e em qualquer vertente que seja, o projeto pode ser espetacular.
Existe uma linguagem comum nos vossos projetos?
Em primeiro lugar é sempre uma resposta ao desafio do cliente. Nós somos um atelier de terceira geração, portanto, temos algumas reservas quanto a grandes novidades na arquitetura. Não somos um atelier que anda à procura necessariamente da próxima moda. Essencialmente, a coisa que mais nos move é conseguirmos construir cidade e que essa cidade, logo mal o edifício comece a ser utilizado, seja praticamente um edifício que parece que sempre pertenceu à cidade. É talvez a coisa mais importante. Nós estamos no centro histórico e tentamos ser coerentes com esse centro histórico. Estamos na zona moderna da cidade, tentamos ser coerentes com isso.
Não temos propriamente a intenção de marcar o nosso cunho nessas fachadas, mas às vezes acontece, depois de ganharmos certos hábitos de ir resolvendo as coisas, começa-se a perceber que acabam pontualmente por ser nossas, mas não nos esforçamos muito por marcar isso num estilo.
Este projeto novo na Guerra Junqueira, quando terminado, sentem que faz parte da cidade? Quais são de facto as características mais marcantes daquele projeto?
O prédio de Guerra do Junqueiro é exatamente um prédio que tenta respeitar um bairro que tem algumas características modernistas muito engraçadas no Porto.
O bairro dos Poetas é um bairro que tem muitas casas de estilo Bauhaus e nós vamos tentar buscar essa racionalidade. Quando desenhamos este edifício, tentámos fazer um edifício moderno, verdadeiramente moderno, mais do que contemporâneo. Vínhamos de alguns anos onde fizemos muitos edifícios no centro histórico de Porto, e estávamos um pouco cansados de andar sempre no que é o “acidente da reabilitação”, porque por mais que desenhemos os nossos edifícios, não conseguimos controlar a escavação arqueológica que vai surgir, o levantamento topográfico não conseguiu ser completo. Depois planeamos um edifício e durante a obra tudo aquilo acontece de forma diferente e constantemente com acidentes.
Aqui era um exercício para conseguir fazer um prédio que fosse racional, que conseguisse ter um projeto bem arrumado.
O que é que é um prédio bem arrumado? Quais são os pontos fundamentais?
Uma casa bem arrumada é uma casa que, para começar, leva tempo a ser desenhada. Eu acho que o tempo do desenho obriga quase a tanta reflexão ou mais que o tempo da construção, ou seja, percebermos exatamente como é que temos um certo retângulo de um terreno para trabalhar e como é que conseguimos arrumar e maximizar esses compartimentos dentro dessa planta. É um trabalho de síntese e de depuração constante, deitar desenhos fora. E depois é respeitar aquilo que é o nosso dia a dia: respeitar um átrio de entrada, uma lavandaria, o que é que é as diferentes orientações que os edifícios têm e o que é o dia a dia normal das pessoas, que é igual há milénios, não vale a pena alterar. Dentro disso, conseguir criar as melhores condições de conforto para que as pessoas possam habitar os edifícios.
Num projeto completamente diferente, como é isto de um restaurante em que se pega de uma ponta à outra?
Entrar nas lojas, nos restaurantes é divertidíssimo, porque estamos a fazer quase que um take de um filme. Nós queremos ouvir o som, queremos sentir que as pessoas estão a comer aquela comida, gostamos de sentir toda a envolvência, desde o abajur, os talheres, como é que as pessoas vão comportar-se dentro daquele espaço. Como é um momento relativamente contido, é divertido pensar que vamos conseguir controlar isso.
É divertido porque entramos numa micro escala de desenho e acaba por ser muito absorvente. Nós conseguimos andar à volta disto um ano, um ano e meio.
E como é que é ser arquiteto no Porto?
Ser arquiteto no Porto é ótimo, porque há muita gente no Porto que é muito exigente em arquitetura. Nós estamos a tentar dar o nosso melhor e temos imensos companheiros e colegas que estão a fazer tanto melhor do que nós.
É muito engraçado, nós andarmos pela cidade e percebemos, pelos edifícios que vão crescendo, e a maior parte deles nós até vamos conhecendo as pessoas que o fazem e, sendo técnicos do que estamos a fazer, compreendemos quais foram as dificuldades deles e que bem que eles resolveram a maior parte das vezes isso.
É espetacular porque realmente há muita competência, há muita gente a fazer coisas muito bem feitas aqui nesta cidade.
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