O idealista/news esteve em Lagos, no Algarve, para conhecer os projetos e trabalho de arquitetura do MMA.
Comentários: 0
Pedro Gois (Colaborador do idealista news) ,
Joana Malaquias (Colaborador do idealista news)

Diz-se “arquiteto por acaso”, mas apaixonou-se perdidamente pela arquitetura. “Quando recebo um projeto para fazer e começo a fazer, é com o entusiasmo quase juvenil dos primeiros projetos. Ainda não perdi esse entusiasmo. Espero nunca o perder". 

Mário Martins nasceu em Lagos, e foi na cidade algarvia que desafiou o mercado e decidiu desenvolver a sua atividade desde 1988. Mesmo quando a opinião pública via a linguagem contemporânea como “mamarrachos”.

No ano 2000, criou o Mário Martins Atelier com a sua sócia e mulher, Maria José Rio. E hoje, em que o público já reconhece a importância do arquiteto, lamenta o peso do “labirinto burocrático”.

Faz questão de salientar que lidera uma equipa e que cada elemento é fundamental para cada projeto. Rejeita a palavra “grandiosidade”, e a ideia de arquitetura do “popstar” ou “arquiteto estrela”.

Na conversa com o idealista/news para a rubrica “Em casa do arquiteto”, mostrou a sua enorme preocupação face à questão da falta de água no Algarve. “O problema que nós temos da água não é só de falta de chuva, o que há aqui é uma evidente falta de planeamento a nível regional e a nível nacional.”

Mário Martins Atelier
idealista/news

A partir de momento percebeu que queria ser arquiteto? Sempre teve um lado artista?

Sou arquiteto por acaso. Não sou daqueles que, desde pequenino, sempre disseram que iam ser arquitetos, ou a família os levou para esse caminho.

Estudei normalmente até o 12º ano, em mecânica, e o caminho poderia nem sequer chegar à universidade, nem sequer era um objetivo. Alguns amigos andavam em arquitetura e eu pensava que era algo inacessível para mim, tinha desenho, tinha uma série de coisas que não conseguia lá chegar. Mas quando vi que alguns amigos o faziam, e até entusiasmados, disse-me “se calhar eu também consigo”. E acabei por ir, acabei por me entusiasmar e acabei por me apaixonar por arquitetura. É isso que faço. Aliás, fazer arquitetura sem paixão não faz qualquer sentido.

Quado cheguei à faculdade, que na altura era a Escola de Belas Artes, e transitei para a faculdade de Arquitetura, no primeiro ano tive a sorte de ter um professor de desenho fantástico, o professor Sá Nogueira, que era um pintor, e que tinha uma ideia do desenho muito mais livre e abstrata. Isso ajudou-me bastante, porque uma coisa que ele tentou fazer foi ensinar-nos a desenhar como crianças, que dizia ele que era a coisa mais difícil deste mundo.

A parte melhor disso foi libertar-me de preconceitos. Ele acabou, de certa forma, por mostrar àqueles que pensavam que sabiam desenhar que provavelmente não seria tal como pensavam, e àqueles que não sabiam desenhar acabou por ajudar, tal como eu, vamos desenhar cada qual à sua maneira.

Como escrever, há pessoas que têm a letra mais redonda, outras escrevem de forma mais escorreita e rápida. Há diferentes tipos de letra e também há diversos tipos de desenho, de expressão artística.

Nunca mais, a partir daí, eu disse que não sabia desenhar. Eu sei desenhar, desenho à minha maneira, o desenho é um meio que eu utilizo para expressar as minhas ideias. Adoro desenhar e utilizo bastante o desenho fora da arquitetura para desenhar outras coisas, até para me abstrair, e às vezes para me libertar até do peso do dia a dia da arquitetura e da vida.

Mário Martins Atelier
idealista/news

A arquitetura tem um lado muito pesado?

Sim, tem um lado muito duro, muito técnico, que é o cumprimento da legislação, o pagamento dos ordenados, o pagamento mensal do atelier. Somos mais de 20 pessoas. Temos o gabinete principal em Lagos, temos outro gabinete em Lisboa, dois gabinetes a funcionar em simultâneo.

Os dois gabinetes são ligados, agora tecnologicamente é fácil, aliás grande parte dos nossos clientes vivem no estrangeiro, os mais diversos países e culturas, diferentes países e culturas, e nós temos de estar ligados. Aliás, essa é a nossa vida, estamos sempre ligados. Eu desloco-me entre Lagos e Lisboa, mas sempre mais tempo em Lagos.

E como é estar sediado fora dos grandes centros?

Eu trabalhei em gabinetes muito interessantes. E, obviamente, não vim para Lagos por não ter trabalho em Lisboa. Foi uma decisão pessoal que fiz e que, aliás, me aconselharam a não o fazer porque, há 30 anos, tinha um peso muito grande na minha carreira - sair de Lisboa, sair do centro, onde tudo acontece culturalmente, arquitetonicamente, para vir para uma periferia, para uma terra que eu gosto muito, foi onde nasci.

Eu sabia que era muito mais difícil quando saímos do centro, a visibilidade era muito menor, não havia os meios de comunicação que há hoje, e era muito mais difícil fazer arquitetura, onde grande parte dos projetos nem sequer eram feitos por arquitetos. Foram tempos em que foi preciso, a pulso, conseguir fazer projetos, tentar fazer arquitetura contemporânea, com uma linguagem contemporânea.

Na altura, tudo o que fugisse daquela arquitetura estereotipada que havia, muito turística, chamavam-se logo “mamarrachos”.

Tenho várias publicações em jornais, de críticas acérrimas contra a arquitetura, e contra o que se fazia, porque não seguiam aqueles dogmas. Foi um caminho que se fez e que hoje, felizmente, em termos de linguagem, é muito mais aceite.

Mário Martins Atelier
idealista/news

Naquela altura era mais fácil fazer projetos em termos de legislação, mas era mais difícil para a opinião pública. Hoje é mais fácil para a opinião pública, é mais fácil aprovar em termos de linguagem, é mais difícil em termos do labirinto burocrático em que nós estamos metidos. O simplex tem que estar na cabeça das pessoas e dos burocratas que gerem tudo isto.

Que linguagem quer que seja comum aos vossos projetos?

Uma coisa que eu gosto sempre de marcar é que é um trabalho de equipa, um trabalho que envolve muita gente e não sou só eu e a arquitetura. Quero evitar essa imagem da arquitetura do “popstar” e do “arquiteto estrela”, é um trabalho de equipa, do qual eu sou responsável.

Quando digo que sou responsável, sou responsável por pagar a estrutura, sou responsável pelos termos de responsabilidade que emito. Acabo por ter mais visibilidade quando sou responsável, para as coisas boas e para as coisas más.

Uma das críticas positivas que mais me agradou foi de um colega, que eu estimo muito e que é um muito bom amigo, foi visitar uma nossa obra e que me disse: “Esta obra tem uma virtude, isto é arquitetura. Porque os arquitetos preocupam-se em fazer as casas e os edifícios parecer maior que aquilo que eles são, e esta casa é maior por dentro do que é por fora.” Isso é uma parte muito difícil da arquitetura. É uma crítica que a mim me agrada muito, é uma coisa que a mim é muito importante.

Não quero que os projetos sejam grandiosos, quero que eles sejam bons, que cumpram funcionalmente e informalmente, que sejam projetos feitos para as pessoas, com as pessoas, que lhes resolvam os problemas, e que sejam adequados aos sítios e aos lugares. Esse é o nosso principal propósito.

Como vê a questão da falta de água aqui no Algarve?

A questão da água é algo que me preocupa muito, não só como arquiteto, mas também, como cidadão e como habitante aqui e como habitante deste planeta. Porque isto que acontece aqui não é exclusivo do Algarve e é pena que se veja a resposta que se dá a isto. Isto é um problema anunciado, não é nada de novo. É um problema que se tem vindo a agravar progressivamente e que já devia ter sido resolvido.

Mário Martins Atelier
idealista/news

Nós temos uma barragem entre o Algarve e o Alentejo, que continua com um canal de regantes a deitar água para o mar consecutivamente. Eu não consigo perceber isto. Como é que os nossos governantes permitem que isto aconteça, num contexto de falta de água?

O problema que nós temos da água não é só de falta de chuva, o que há aqui é uma evidente falta de planeamento a nível regional e a nível nacional. Começando pelo nível local, onde grande parte dos municípios têm perdas de água na volta dos 40% a 50% nas suas redes. Acabam por culpar os golfes, mas é inadmissível que se deite água ao mar e não seja canalizada para os golfes e para outros grandes empreendimentos, para grandes jardins, para os jardins públicos.

Como o trabalho do arquiteto pode ser parte desta solução de planeamento?

O arquiteto entra nisto ao nível do planeamento e de participar no planeamento quando é chamado a isso, de alertar as pessoas para isso, na escala doméstica, ao nível do projeto. Por exemplo, temos discussões, mesmo ao nível de equipas técnicas, que não faz muito sentido ter cisternas nas casas porque dizem que é pouco eficiente, porque chove pouco e, ao chover pouco, recolhe pouca água. Eu tenho uma visão diferente e tento promover, sempre que possível, cisternas de reservatórios nas casas, retenção de água, porque toda a água que se possa recolher, toda essa não vai para o mar e é reutilizada. Ou quando nós propomos uma torneira, podemos propor uma torneira de jato contínuo ou de jato muito mais leve e se, em cada gesto, pouparmos, damos o nosso contributo para a poupança de água.

Depois há outras formas, ainda hoje de manhã tive uma reunião com paisagistas, falamos sobre os jardins exteriores de uma destas habitações, nós temos sempre um cuidado de utilizar espécies endógenas, espécies que estão adaptadas a este clima, e com muito menos necessidade de recursos hídricos, evitar as espécies exóticas que tenham a necessidade de muitos recursos hídricos e mesmo o a jardinar menos com relva, ter menos espaço de relva e ter soluções alternativas.

Cabe ao arquiteto intervir neste espaço. Agora, não podemos ter, e temos visto ultimamente, uma política de se há falta de água, então vamos cortar os espaços verdes e vamos criar mais zonas de empedrado, mais zonas de gravilha, soluções com menos verde. É preciso perceber que a água vem das plantas. Ao estarmos a fazer isto, estamos a acelerar a desertificação.

As pessoas são mal aconselhadas, devem ser aconselhadas e devem ser aconselhadas por técnicos, por pessoas que realmente estejam verdadeiramente preocupadas com esta situação e que tenham conhecimentos técnicos para que se resolva isto. Isto para mim é um assunto muito importante.

Acompanha toda a informação imobiliária e os relatórios de dados mais atuais nas nossas newsletters diária e semanal. Também podes acompanhar o mercado imobiliário de luxo com a nossa newsletter mensal de luxo.

Ver comentários (0) / Comentar

Para poder comentar deves entrar na tua conta