Uma casa pode ser o sonho de uma vida e o arquiteto Nuno Ladeiro reconhece a dificuldade e a responsabilidade de cada projeto.
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É fácil ficar horas a ouvir o arquiteto Nuno Ladeiro a falar sobre o seu percurso profissional, a prova de que existe um mundo dentro da capacidade de fazer um desenho. Herdeiro de um sentido estético intenso, por parte da mãe, e o pragmatismo dos números por parte do pai, Nuno Ladeiro estudou arquitetura em Portugal e rumou a Itália para um mestrado em design industrial. No regresso a casa é desafiado para ser coordenador da zona de intervenção da Expo 98 e juntar a escala do urbanismo à sua experiência. Na sua história cabe ainda a empresa de mobiliário Dimensão, um nome tão marcante em Portugal. "Tenho uma abordagem ao projeto de arquitetura não tanto técnica, mas mais na sua componente artística", confessa.

No desenho deste arquiteto já couberam pequenas cadeiras premiadas e enormes praças ou avenidas. Hoje, em Lisboa, no atelier em coautoria com Carmo Branco, nascem casas de luxo. "São sonho de uma vida", afirma o Nuno Ladeiro, que assume essa responsabilidade na vida dos seus clientes. "Os projetos não se limitam apenas à conceção exterior, mas também à integração harmoniosa dos espaços interiores, assegurando uma perfeita relação entre a arquitetura e o mobiliário".

As várias escalas em que já trabalhou continuam presentes. E uma certeza que torna o trabalho de Nuno Ladeiro especial: "um arquiteto só é realmente bom quando tem um bom cliente".

Villa Leticia & Rafael
Villa Leticia & Rafael

O que o levou a escolher arquitetura? Lembra-se das primeiras memórias relacionadas com o desenho de casas ou objetos?

Tive uma forte influência da minha família. A minha mãe foi uma das primeiras designers formadas em Portugal, numa época em que o design era algo pouco conhecido. Cresci num ambiente onde se falava muito de estética, espaços interiores e mobiliário. Lembro-me de, ainda em criança, passar horas a observar as sessões fotográficas dos catálogos de mobiliário que os meus pais criavam. Esse ambiente acabou por moldar a minha formação estética

Sempre gostei de desenhar, desmontar e reconstruir objetos, o que gerava curiosidade, mas também alguns castigos. A certa altura, os meus pais consideraram que a engenharia mecânica poderia ser um bom caminho para mim. No entanto, os testes psicotécnicos indicavam uma forte aptidão para áreas criativas. O design era uma possibilidade, mas, na altura, não existia como licenciatura. 

Assim, os meus pais sugeriram que eu seguisse arquitetura e, posteriormente, especializasse-me em design. O que veio a acontecer, na realidade, acabei por fazer arquitetura. E acabei por ter uma abordagem ao projeto de arquitetura não tanto técnica, mas mais na sua componente artística.

Conseguiu manter essa relação tão forte entre a arquitetura e o design?

Sempre mantive uma vertente muito artística no meu percurso. Depois de concluir o curso de arquitetura, fui para Itália fazer uma pós-graduação em design, o que me abriu completamente os horizontes. Quando regressei a Portugal, recebi um convite de um antigo professor para integrar a equipa de planeamento da Expo 98. Foi um desafio enorme, pois tinha apenas 23 ou 24 anos, mas permitiu-me trabalhar com grandes nomes da arquitetura, urbanismo e paisagismo.

Tive o privilégio de conhecer alguns dos ilustres, alguns deles infelizmente já desapareceram, quer da área do paisagismo, quer da área artística, quer do urbanismo, só para citar alguns nomes. Na área artística desde o Fernando Contudo, também o Ribeiro Telles, por exemplo, no paisagismo, o Nunes da Silva no urbanismo, o próprio Daciano da Costa, que estava com a área toda do equipamento urbano. Estas pessoas influenciaram-me a par do Troufa Real, o meu ex-professor e o diretor do plano que me fez o convite.

casa de luxo
Render

Apesar de parecerem distantes, há uma ligação muito próxima entre o design de objetos e o urbanismo?

Inicialmente, algumas pessoas questionavam o meu percurso, pois parecia contraditório regressar à arquitetura e, mais ainda, ao urbanismo depois de estudar design. No entanto, ambos os campos estão muito próximos. O meu professor, Troufa Real, disse-me que eu tinha uma característica essencial para o urbanismo: a preocupação com a escala humana. Ele acreditava que essa sensibilidade ao detalhe, ao pensar num banco de jardim ou num lancil de uma calçada, era fundamental para a conceção de espaços urbanos.

Como foi a experiência da Expo 98?

A Expo 98 foi esgotante. O dia em que me senti mais aliviado foi, sem dúvida, o dia da inauguração, pois trabalhámos até ao dia anterior. Após esse projeto, decidi seguir um caminho próprio e juntei-me a um colega para desenvolver projetos de urbanismo e arquitetura. Trabalhámos em equipamentos sociais, como lares de terceira idade, e também em projetos de requalificação urbana, como a remodelação de três praças em Cascais. Não se realizaram na altura, mas é curioso que hoje os outros projetos que se fizeram foram inspirados também naquele que nós desenvolvemos e tudo isso foi extremamente enriquecedor. Mais tarde, curiosamente, acabei por abraçar o projeto da família, que era a área do mobiliário e os interiores, e estive muitos anos dedicado à arquitetura de interiores.
 

Loja Dimensão Barcelos
Loja Dimensão Barcelos

 Então acabou por regressar ao design. Como surgiu essa mudança?

A empresa Dimensão foi criada pela minha mãe e, mais tarde, o meu pai juntou-se ao projeto, trazendo uma visão estratégica e financeira. A Dimensão chegou a ter uma marca "gémea", a Kit Market, voltada para um público jovem, com a ideia de fidelizar clientes desde cedo. 

Durante muitos anos, convivi com esta realidade e fui responsável pela área dos interiores dentro das lojas de Dimensão, não só no desenho das próprias lojas ou da expansão das lojas que foram construídas em todo o país, mas também no design de interiores de alguns ilustres, muitos deles políticos, que passavam pela Dimensão e que nós nos preocupávamos de desenhar todos os interiores desses espaços.

As edições de design de dimensão foi outro lado importante, porque me ligou mais então ao design industrial, que foi a faceta que eu tive em Itália, desenhando cadeiras, desenhando objetos e retomando um pouco aquela ligação que também foi importante. Eu tive com um mestre, que foi o meu segundo mestre a seguir ao Troufa Real, que foi o Marcello Morandini, que era um artista plástico, um construtivista, e que até me ofereceu uma escultura que ainda hoje me acompanha para todo lado, porque está, no fundo, na género do meu pensamento, que é a relação entre a arte e a arquitetura. 

Tudo aquilo que faço tem muito a ver com isso, quer seja ao nível do design, quando pensamos no pormenor, quer seja ao nível da arquitetura, quando penso na grande escala.
 

Casa Trebel
Casa Trebel

Juntamos tudo e chegamos ao presente, como é projetar uma casa de luxo?

Projetar a casa de alguém é extremamente difícil, e nós temos essa experiência porque este está a ser o nosso trabalho, principalmente nos últimos sete anos. Estamos a falar, na sua maioria, de casais, no nosso caso, que estão na casa dos 40, 50 anos, e que querem concretizar o sonho da sua vida. Muitas vezes trazem muitas referências, e o luxo, por vezes, traduz-se em elementos que têm realmente uma vertente luxuosa, mas por outras vezes o que é o luxo tem muito mais a ver com o conforto, a estética e aquilo que eles, no fundo, querem fazer mostrar a todos os seus amigos, querem que a casa possa espelhar a sua forma de pensamento, a sua forma de estar na vida. É o sonho de uma vida. Isso traz muita responsabilidade, e há momentos que quase que somos psicólogos, pois é raro um casal ter exatamente a mesma visão para a casa.

Há clientes que têm dificuldade em tomar decisões, e há projetos que se prolongam por três ou quatro anos, não por culpa das licenças, mas porque os próprios clientes não chegam a um consenso.

O que define, para si, o luxo na arquitetura?

O luxo está sempre associado à qualidade e ao detalhe. Muitas vezes, as pessoas associam luxo a elementos dourados ou a materiais caros, mas não é necessariamente isso. O verdadeiro luxo está na execução perfeita, na atenção aos pormenores. Para garantir essa qualidade, a nossa equipa inclui engenheiros, designers e especialistas em modelação 3D. Trabalhamos com um nível de detalhe que, por vezes, surpreende os parceiros, pois muitos não estão habituados a este grau de exigência.

Edificio Flor do Tejo
Edificio Flor do Tejo

Existe um lado pedagógico no trabalho do arquiteto com o cliente?

Sim, sem dúvida. Hoje em dia, os clientes estão muito mais informados. Recorrem ao Pinterest e ao Instagram para recolher imagens de referência, mas nem sempre sabem como conjugar os elementos ou têm noção dos custos envolvidos. Por vezes, imaginam que um projeto pode ser simples e rápido, sem perceberem que a conceção de um espaço bem pensado exige muitas horas de trabalho, ensaios e revisões.

No meio de tantos projetos e experiências, há algum sonho que ainda falta concretizar?

Já realizei muitos sonhos ao longo da minha carreira e tenho tido experiências muito diversas. Hoje, prefiro não estabelecer metas fixas, porque aprendi que os clientes nos conduzem a desafios inesperados. Muitas vezes, são eles que nos levam a concretizar sonhos que nem sabíamos que tínhamos. No fundo, acredito que um arquiteto só é realmente bom quando tem um bom cliente.

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