
Transforma edifícios e espaços habitados em histórias visuais que combinam técnica, sensibilidade e narrativa. Desde a infância, rodeado pelo universo da publicidade, desenvolveu uma profunda paixão pela estética e pela criatividade. Depois do fotojornalismo, Ivo Tavares encontrou na fotografia de arquitetura a sua verdadeira expressão artística. Em entrevista ao idealista/news, destaca o papel fundamental da luz como ferramenta narrativa na criação das suas imagens. "A narrativa, na fotografia de arquitetura, é o fio condutor que dá significado ao espaço", defende.
Para Tavares, cada fotografia é uma memória, refletindo não apenas a visão do arquiteto, mas também as histórias das famílias que habitam os espaços. "A luz revela o lado mais bonito de cada espaço”, explica, sublinhando que o seu trabalho vai além de uma representação técnica, ao procurar captar a emoção e a vivência das casas e de outros lugares.
Ivo Tavares destaca ainda a importância da relação de cumplicidade entre fotógrafo e arquiteto. Segundo o fotógrafo, compreender a intenção e o processo criativo do arquiteto é essencial para registar de forma genuína a essência de cada projeto. Apesar dos desafios técnicos e logísticos, como as variáveis climáticas e as limitações de tempo, vê na sua arte uma oportunidade para perpetuar a arquitetura portuguesa, à qual se dedica com paixão.
Ao longo da entrevista, Ivo Tavares reforça a importância de equilibrar realidade e estética na fotografia de arquitetura, mantendo a fidelidade ao momento vivido no espaço. A sua abordagem sensível não apenas capta a arquitetura, mas também imortaliza a relação emocional das pessoas com os lugares que chamam de casa.

O que inspirou o Ivo a seguir a fotografia de arquitetura e como é que essa paixão se desenvolveu ao longo do tempo?
A minha paixão pela fotografia de arquitetura foi um encontro de caminhos improváveis. Cresci rodeado pelo mundo das artes. Os meus pais trabalhavam com publicidade numa época em que cada letra pintada numa montra ou cada figura ilustrada num painel era feita por pintores. Conviver com eles e testemunhar a magia desse fazer artístico sempre me fascinou. Era um menino que se sentava ao lado deles, tentando imitar os desenhos e absorver a criatividade que pairava no ar.
O meu amor por linhas, formas e espaços foi sendo construído de forma quase imperceptível.
Quando cheguei ao secundário, fui naturalmente para Artes. O que solidificou o meu fascínio pela arquitetura foi um exercício proposto por um professor que trazia o olhar das Belas-Artes para a sala de aula. Ele desafiou-nos a desenhar as fachadas de uma rua perto da escola. Admito que a preguiça de ficar horas sentado a desenhar levou-me a roubar a câmera panorâmica descartável do meu pai para capturar a rua e, mais tarde, desenhar em casa.
Naquela altura, seguir arquitetura parecia ser um destino óbvio. O meu amor por linhas, formas e espaços foi sendo construído de forma quase imperceptível. Contudo, o percurso nem sempre segue o plano inicial. Questões familiares e económicas impediram-me de seguir arquitetura, e, numa volta inesperada, encontrei na fotografia uma nova forma de expressão.

A transição para a fotografia de arquitetura não foi imediata, mas foi um reencontro com aquele sonho original. Comecei como fotojornalista, onde aprendi a capturar histórias e a observar o mundo com um olhar atento. Essa experiência encontrou o seu reflexo na fotografia de arquitetura, onde as formas, os espaços, a luz e a sombra se tornam personagens de uma narrativa visual rica.
Não foi fácil ganhar espaço num mercado dominado por arquitetos-fotógrafos, mas deixei o meu trabalho falar por mim. Comecei a fotografar para construtoras e hoje registo a arquitetura portuguesa para muitos arquitetos.
Qual é o papel da narrativa na fotografia de arquitetura? Como procura contar a história de um espaço ou edifício através das suas imagens? Houve algum momento específico em que percebeu que uma fotografia de arquitetura pode realmente contar a história de um espaço de maneira emocional?
A narrativa, na fotografia de arquitetura, é o fio condutor que dá significado ao espaço. Não se trata apenas de capturar paredes, linhas ou texturas, mas de interpretar a intenção do arquiteto e o potencial de vida que aquele lugar oferece. É como contar uma história: há sempre um protagonista — uma escada, uma janela ou até uma luz que se projeta no edifício. O meu trabalho é descobrir esse ponto central, captar a essência do espaço e criar algo que vá além de uma representação técnica. É sobre transformar o espaço em emoção.
A narrativa, na fotografia de arquitetura, é o fio condutor que dá significado ao espaço
O meu percurso no fotojornalismo foi, sem dúvida, um laboratório fundamental para esta abordagem. No fotojornalismo, a capacidade de sintetizar uma história em poucas imagens era essencial. Essa capacidade de síntese acompanha-me até hoje. Quando começo a fotografar um projeto, não começo logo a construir a história, preciso primeiro de perceber o que se destaca. Se for uma escada, por exemplo, não basta fotografá-la tecnicamente bem. A imagem tem de revelar o que torna aquela escada especial. Sem essa camada narrativa, por mais interessante que seja, uma escada será sempre uma escada. Mas, se a iluminar da forma certa, se adicionar um elemento humano ou brincar com as sombras, ela começa a contar algo mais.

É aqui que entra a dimensão emocional. Cada pessoa vê a fotografia de forma única, influenciada pela sua própria história. Alguém pode olhar para uma cadeira vazia numa imagem e sentir nostalgia, porque ela lhe recorda um familiar, enquanto outra pessoa vê apenas uma cadeira.
Ainda assim, o momento mais marcante para mim é quando, enquanto fotógrafo, sinto algo genuíno. Quando a experiência de estar naquele espaço, de ouvir o arquiteto e de ser acolhido pela família que o habita, me transforma. É nesse momento que a fotografia deixa de ser apenas técnica e se torna memória. Quando sinto que estou a criar um registo de um instante que, para aquela família, pode ser o início de muitas histórias naquele lugar.
O momento mais marcante para mim é quando, enquanto fotógrafo, sinto algo genuíno. Quando a experiência de estar naquele espaço, de ouvir o arquiteto e de ser acolhido pela família que o habita, me transforma.
Lembro-me de um projeto específico, em que um arquiteto confiou em mim para ir além do habitual. Propus integrar pessoas com características muito específicas, algo que normalmente não é tão explorado na fotografia de arquitetura. Foi um risco — para mim e para ele —, mas as imagens que resultaram trouxeram uma nova dimensão à casa. A arquitetura é feita de espaços para serem ocupados por pessoas.
Quais são os maiores desafios técnicos de fotografar edifícios ou espaços arquitetónicos?
Hoje em dia, acho que as câmeras já não são um problema, não há grandes dificuldades técnicas nesse sentido. As ferramentas estão tão desenvolvidas que, felizmente, tenho tudo o que preciso para materializar o que idealizo. Muitas vezes, o problema não é a técnica, mas a capacidade de ter tempo para explorar a obra mais do que um dia, principalmente em diferentes momentos do ano ou da sua vida. Eu gostava muito de fotografar uma casa nas várias estações, para captar as transformações que a luz e a paisagem oferecem, mas isso nem sempre é possível.
A meteorologia também é uma grande variável que afeta o meu trabalho, pois procuramos constantemente o dia perfeito para termos a melhor luz possível. Mas isso faz parte da realidade e da experiência de trabalhar com luz natural.

Contudo, acredito que esses desafios são ultrapassáveis. A minha experiência em fotojornalismo foi essencial para aprender a lidar com imprevistos e a encontrar soluções de forma ágil e eficaz. Essa capacidade de adaptação e resposta rápida tornou-se essencial na fotografia de arquitetura, onde os desafios do dia a dia exigem criatividade e decisões imediatas.
Como é que acha que fotografia de arquitetura pode influenciar a perceção do público sobre um projeto? Há uma preocupação em equilibrar realidade e estética?
A fotografia de arquitetura transforma a maneira como as pessoas veem um edifício, mas eu não acredito que a minha fotografia seja enganadora.
A fotografia pode revelar detalhes que de outra forma passariam despercebidos. Por exemplo, um ponto de vista de drone pode mudar completamente a impressão que temos de um edifício, oferecendo uma visão que o observador a pé não teria. A nossa capacidade de ver para além do óbvio influencia diretamente como as pessoas percebem aquele espaço.
A nossa capacidade de ver para além do óbvio influencia diretamente como as pessoas percebem aquele espaço.
O equilíbrio entre realidade e estética é uma preocupação constante na minha fotografia, algo que frequentemente discuto com os meus alunos. Quando olhamos para um edifício, a nossa visão já é influenciada pela nossa experiência e pelas nossas escolhas como fotógrafos. Destacamos o que consideramos mais relevante e minimizamos ou ignoramos aquilo que não está tão bem executado. Embora não seja uma mentira, o facto de focarmos nas qualidades positivas e de ocultarmos as imperfeições acaba por ser uma intervenção no projeto, alterando a sua percepção.

A luz é um dos principais aliados neste processo. Ela tem o poder de alterar completamente a perceção do ambiente. E isso também é uma questão de escolha em gerir o que se vê e o que se esconde, realçando os pontos fortes do projeto. Frequentemente utilizo a luz para suavizar falhas ou partes do edifício que não são tão importantes, sem recorrer a manipulação digital.
A minha fotografia busca refletir a verdade do espaço tal como ele é naquele instante, sem artifícios que alterem a sua essência.
Para mim, é essencial não adulterar a realidade. Se fotografo num dia cinzento, não vou adicionar um pôr-do-sol radiante, porque não foi isso que vivi naquele momento. A minha fotografia busca refletir a verdade do espaço tal como ele é naquele instante, sem artifícios que alterem a sua essência. E acredito que esse compromisso com a realidade, algo que aprendi no fotojornalismo, é fundamental para a minha prática, mantendo a fotografia fiel à experiência do momento e ao que queremos transmitir.
Prefere trabalhar em espaços habitados ou ainda vazios? Como é que a presença ou ausência de “elementos humanos” impacta a narrativa visual?
Sem dúvida que prefiro trabalhar em espaços habitados, e preferencialmente fotografá-los com os donos da obra. Quando há pessoas, há sempre uma história a ser contada.
Como é que a luz, seja ela natural ou artificial, influencia as suas escolhas ao compor uma fotografia?
Bem, de forma simples, a fotografia é luz, não é? Sem luz, não há fotografia.
Cada espaço, tal como cada pessoa, tem o seu lado mais bonito, e é a luz que o revela. Quando fotografo, procuro sempre a luz certa para destacar o que quero transmitir, seja evidenciando as qualidades do espaço ou despertando uma emoção.

Por isso, muitas vezes regresso ao mesmo espaço em horários diferentes, pois a luz muda constantemente, influenciando a atmosfera da fotografia. De manhã, a luz é mais dura e fria; ao final do dia, torna-se mais acolhedora, calorosa e convidativa, conferindo à imagem um outro calor, uma energia distinta.
Assim, resumo a luz em duas dimensões. Primeiro, como uma ferramenta narrativa, capaz de evocar emoções e contar histórias. E segundo, como um elemento essencial para realçar as características da casa. A luz certa permite-nos perceber a tridimensionalidade de um espaço, apreciar as suas texturas, volumes e formas com maior clareza.
Tem imensos projetos no seu portefólio e em diferentes setores do imobiliário. Mas a fotografia de projetos residenciais destaca-se. Há algum projeto que tenha marcado a sua carreira? Quais os desafios do residencial?
Fotografar uma casa começa com o desafio de convencer os proprietários a embarcar nas nossas "loucuras". Estamos a invadir a sua privacidade por várias horas, às vezes 10 horas, e precisamos que eles participem de coração no processo.
Sou uma pessoa emotiva e, por isso, se sinto tranquilidade e segurança num espaço, isso transparece nas fotografias. E se há alegria, como num encontro de família, essa também estará presente. Na minha visão, ao fotografar, sou também um observador das emoções e da vivência daqueles que habitam o espaço.

Um dos momentos mais marcantes para mim ocorre quando percebo que a minha fotografia teve um impacto real. Não apenas para as pessoas que viveram um dia único e singular, mas também para o arquiteto, que dedicou anos da sua carreira a proporcionar felicidade àquela família. E, de repente, sou eu quem vai fechar esse ciclo. Normalmente, o momento do registo fotográfico vem concluir essa etapa, mas, na verdade, o processo nunca termina. A imagem ganha vida própria, vai para além do que aconteceu naquele dia e, de alguma forma, perpetua um momento. E é aí que me sinto verdadeiramente grato por fazer parte desse elo de ligação, da continuidade e não do ponto final.
Como escolhe a perspetiva ou o ângulo para destacar as características únicas de um edifício ou ambiente? Existe um processo criativo envolvido?
Sim, claro. O processo começa logo no primeiro dia em que entro no projeto. A primeira etapa é conhecer a casa, geralmente através de uma visita guiada pelo arquiteto. Ele partilha tudo: o que correu bem, o que não correu tão bem, e o que mais o marcou. Quando os proprietários estão presentes, a dinâmica torna-se ainda mais rica, pois eles partilham as suas vivências. Pode ser algo tão simples como o local onde gostam de almoçar em família ou a forma como a luz é sentida num determinado espaço. Estas histórias e pormenores tornam-se parte integrante do meu processo criativo. Essa troca de informação permite-me captar a essência da casa e, mais importante ainda, compreender como as pessoas interagem com ela no seu dia a dia.
Quando os proprietários estão presentes, a dinâmica torna-se ainda mais rica, pois eles partilham as suas vivências
Após esta imersão inicial, entra em cena a minha experiência e o olhar técnico, ajustando a perceção da luz, da cor e das particularidades do projeto. A partir daí, vou afinando cada detalhe para criar um resultado visual que capture verdadeiramente a alma do espaço. É um processo exaustivo: durante uma sessão fotográfica, posso tirar mais de mil fotografias, das quais apenas 50 ou 60 serão selecionadas. A escolha é rigorosa, pois cada imagem deve representar fielmente tanto o trabalho do arquiteto ao longo dos anos como as emoções vividas pela família naquele momento.
Quais são os detalhes arquitetónicos ou elementos espaciais que considera mais importantes ao capturar um ambiente de maneira impactante?
Para mim, um dos aspetos mais fascinantes é a forma como a luz foi trabalhada pelos arquitetos. Mais do que elementos espaciais ou detalhes de design, o que realmente me interessa é como a luz entra nos espaços e como ela influencia a vivência da casa. Como a luz, seja ela natural ou artificial, incide e transforma os ambientes, criando uma atmosfera única para a família.

Trabalhou e trabalha com muitos arquitetos portugueses. Como é esta relação entre o arquiteto e o fotógrafo?
Sim, é verdade. Considero-me o fotógrafo da arquitetura portuguesa. Embora faça trabalhos fora de Portugal, o meu foco sempre foi destacar o que está a ser feito aqui. A arquitetura em Portugal está a viver uma fase de grande relevância, e eu gosto de fazer parte disso, colaborando com arquitetos portugueses.
A relação entre o arquiteto e o fotógrafo é uma relação de cumplicidade. Para mim, não se trata apenas de fotografar um espaço, mas de compreender a visão do arquiteto e o processo por trás do projeto. A minha tarefa é captar a essência do que ele pensou, a sua relação com o cliente, as soluções que encontrou. Quando conseguimos estabelecer essa cumplicidade, as imagens resultam de uma forma mais genuína e emocional.

Costumo fotografar cerca de 180 projetos por ano, percorrendo o país de norte a sul. Cada um desses projetos envolve muitas horas de dedicação, o que me permite conhecer profundamente o trabalho dos arquitetos e as histórias por trás de cada casa.
O arquiteto precisa de sentir que eu sou a pessoa certa para captar o seu trabalho, e eu também preciso acreditar no que ele fez. A fotografia de arquitetura é uma forma de perpetuar o projeto, e a confiança mútua é a base dessa colaboração.
Acompanha toda a informação imobiliária e os relatórios de dados mais atuais nas nossas newsletters diária e semanal. Também podes acompanhar o mercado imobiliário de luxo com a nossa newsletter mensal de luxo.
Para poder comentar deves entrar na tua conta