Sustentabilidade: pensar em materiais locais, reduzir o impacto económico e ambiental e garantir que o edifício “deixa o mínimo de pegada possível”. Este é o conceito que o atelier Utopia, fundado pela arquiteta Susana Barros Vilela e pelo arquiteto Ricardo Cruz, traz para todos os seus projetos desde o primeiro dia. Tendência recente e crescente do imobiliário de luxo, esta é a filosofia de base há quase 20 anos.
Susana Barros Vilela fala num tom suave e discreto, exatamente como a arquitetura em que acredita: "É um diálogo entre quem projeta, quem vive e o que o rodeia. Quando esse diálogo é harmonioso, o espaço fala por si e envelhece bem."
Na conversa com o idealista/news, a arquiteta partilha o que aprendeu ao longo do percurso, desde o entusiasmo dos primeiros projetos até à vontade de continuar a desenhar para comunidades inteiras. Susana Barros Vilela mostra-nos que a verdadeira utopia está em construir com respeito: pelo território, pelo cliente e pelo tempo, e criar histórias que sabem conviver com o passar do tempo. Um "luxo" que ganha forma na criação de espaços que continuam a orgulhar quem os construiu e quem os vive.
Qual é a primeira memória que a fez perceber que a arquitetura podia ser o seu caminho?
Isso já foi há muito tempo (risos). Acho que ter experiências com espaços interessantes ajuda sempre a orientar o caminho. Mas mais do que isso, foi a vontade de enfrentar desafios. Esta profissão coloca-nos sempre à prova. Entrar numa faculdade conceituada já foi, por si só, um desafio, e o dia a dia da arquitetura é feito deles. Cada projeto é único, um verdadeiro quebra-cabeças. Temos um programa, um conjunto de necessidades do cliente, e temos de lhes dar resposta da melhor forma possível.
E onde começa esse desafio?
O terreno é essencial. É ele que dita muitas das decisões. Temos de resolver o programa, respeitar o lugar e garantir que o resultado envelhece bem. Daqui a dez anos, não podemos olhar para uma casa e pensar “isto correu mal”. O projeto tem de continuar a orgulhar-nos, porque está lá, diante dos nossos olhos.
Lembra-se do vosso primeiro projeto?
Lembro perfeitamente. A nossa primeira casa era uma casa enterrada, em Provisende, na zona do Douro. Era uma ruína, aproveitámos as pedras do local e reorganizámo-las. Foi um projeto muito pequeno, um T2, mas com uma grande preocupação: integrar-se na paisagem sem a estragar. Quisemos criar algo sustentável, com o menor custo possível, mas que durasse e tivesse um impacto reduzido.
E o conceito de sustentabilidade vai muito além dos materiais?
Exatamente. Sustentabilidade não é apenas usar materiais ecológicos, é também uma questão económica. As coisas têm de ser possíveis. Há a sustentabilidade do momento da construção e a do ciclo de vida do edifício. O ideal é deixar a menor pegada possível, integrando o edifício no ambiente e respeitando a sua envolvente.
Hoje em dia, há quem associe sustentabilidade a projetos mais caros ou a clientes com mais poder de investimento. Concorda?
É verdade que alguns materiais sustentáveis são mais caros. Por exemplo, o isolamento térmico em cortiça tem um custo superior, mas traz vantagens acústicas e uma maior resistência ao fogo. Ainda assim, não é só o material que importa. Com criatividade, é possível encontrar soluções económicas e sustentáveis. A orientação das janelas, a repetição de elementos, o desenho do volume, tudo isso influencia o conforto e a eficiência energética. Um bom alpendre, por exemplo, cria sombra e regula as temperaturas de forma natural.
Como gere essa relação entre estética e conforto térmico?
O vidro é maravilhoso pela relação que cria com o exterior, mas exige cuidado. No nosso clima, especialmente com os verões cada vez mais quentes, uma fachada totalmente envidraçada a sul pode transformar-se num aquário. A arquitetura tradicional no sul do país já tinha essa preocupação com os quadrantes solares. Hoje, com melhores materiais, devemos continuar atentos e equilibrar o calor e o frio de forma inteligente.
Mesmo com orçamentos limitados, é possível construir de forma eficiente?
Ter muito dinheiro facilita, mas não é condição obrigatória. Com atenção e bom senso conseguimos resultados excelentes. Pequenos detalhes, como uma pala bem posicionada ou uma janela recuada, podem fazer toda a diferença. O segredo está na observação e na simplicidade.
Entre tantos projetos, há algum que consideres particularmente marcante?
Todos são especiais, porque cada um representa uma relação com o cliente. O nosso trabalho começa sempre por ouvir, perceber como é que aquela família quer viver ou como aquela empresa quer funcionar. No fundo, acabamos por fazer parte da vida deles. Se algo corre mal, o cliente vai lembrar-se do arquiteto. Por isso, queremos que nos olhem com um sorriso, que gostem do resultado. Cada projeto é personalizado, feito à medida de quem o habita.
E quanto ao papel das mulheres na arquitetura, sente desigualdade?
Não. Pelo menos na minha experiência, na faculdade éramos quase metade mulheres, metade homens. E nas obras, o tratamento é igual. Há muitas diretoras de obra e engenheiras no terreno, e nunca senti falta de respeito. O respeito ganha-se com competência e com trabalho.
O que gostariam de fazer a seguir?
Museus. Já fizemos um, em Torres Novas, e foi uma experiência fantástica. Tratava-se do antigo prédio Alvarenga, um edifício abandonado que a Câmara quis recuperar. Mantivemos as paredes em adobo, como uma casca, e construímos um edifício novo atrás. Aproveitámos o declive natural do terreno e criámos um anfiteatro exterior, não estava no pedido inicial, mas sentimos que fazia sentido para o espaço e para a comunidade.
Essa relação com a comunidade é um desafio diferente.
Completamente. Quando o cliente é uma autarquia, o desafio é coletivo, estamos a criar para toda uma comunidade. É preciso entender o espírito do lugar e o que as pessoas esperam. No caso do prédio Alvarenga, apresentámos o projeto numa assembleia pública e foi muito bem recebido. As pessoas sentiram que respeitámos o edifício original, mas sem o prender ao passado. O objetivo não era fazer uma reabilitação “museológica”, mas dar-lhe uma nova vida e função. E quando sentimos esse reconhecimento, percebemos que o esforço valeu a pena.
Para poder comentar deves entrar na tua conta