Alegações finais do processo já terminaram, e a juíza Mariana Machado apontou a data de 20 de abril para a leitura da sentença.
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Cartel da banca
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O processo de troca de informação sensível conhecido como cartel da banca promete continuar a dar que falar. Esta semana foi conhecida a posição de vários bancos em relação às coimas atribuídas pela Autoridade da Concorrência (AdC), que multou bancos em 225 milhões de euros por troca de informação durante mais de 10 anos. As alegações finais do processo concluíram-se esta quarta-feira (2 de março de 2022), tendo a juíza Mariana Machado apontado a data de 20 de abril para a leitura, advertindo de que poderá ser antecipada.

BES pede absolvição

O BES pediu ao Tribunal que não lhe aplique qualquer coima no processo. Nas alegações finais, no julgamento dos recursos interpostos por 11 bancos às coimas de cerca de 225 milhões de euros aplicadas pela AdC por partilha de informação sensível durante mais de 10 anos, que decorre no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, a mandatária do BES afirmou que, para a multa de 700.000 euros, “a mais gravosa em termos percentuais” (9,7%), a AdC considerou um volume de negócios “ficcionado” (em 2018 já o banco estava insolvente) e não teve em conta que a massa insolvente se destina a pagar aos credores, únicos prejudicados caso venha a ser condenada, escreve a Lusa. 

Lembrando a prática que tem vindo a ser adotada nas várias coimas aplicadas ao BES, a advogada considerou que, caso não haja absolvição, seja suspensa na sua totalidade, já que não se coloca a necessidade de prevenção especial porque o banco jamais voltará a ter atividade, como está impedido desde a resolução, em agosto de 2014.

Salientando que a alteração que ocorreu no BES “é profunda e irreversível”, equivalendo “à morte da pessoa coletiva”, lamentou que esse facto tenha sido “ignorado” pela AdC, que meteu o banco “no mesmo cesto dos demais, desconsiderando de forma gritante a situação jurídica e económica, em prejuízo dos credores”, o que pediu ao tribunal para ter em conta, não aplicando qualquer coima.

Caso o TCRS entenda existir algum interesse de prevenção especial, pede, então, que opte por mera admoestação, ou, como defendeu o procurador do Ministério Público nas suas alegações, uma coima “meramente simbólica” e suspensa na sua execução, por necessidade de “proteção máxima dos lesados” do BES.

BPI pede nulidade da decisão da AdC 

Já o BPI pediu ao Tribunal que anule e devolva a decisão da AdC, defendendo não ter sido provado que praticou a infração. Os mandatários do BPI pediram que a decisão administrativa seja considerada nula, por deficiências e erros, e devolvida para nova deliberação, nas alegações finais, no julgamento dos recursos interpostos por 11 bancos às coimas de cerca de 225 milhões de euros aplicadas pela AdC.

Seguindo o alegado pelas outras defesas dos recorrentes, o BPI insistiu na falta de fundamentação quanto ao montante da coima aplicado a cada um dos bancos visados e procurou demonstrar não ter ficado provado, nem na decisão nem durante o julgamento que decorre desde 6 de outubro de 2021 no TCRS, que o banco tenha praticado qualquer das infrações que lhe foram imputadas, pedindo a absolvição.

Os mandatários do BPI concluíram que a coima de 30 milhões de euros aplicada ao banco, correspondente a 3% do seu volume de negócios global em 2018 (ano anterior à decisão da AdC), foi “injusta e desproporcionada”, não tendo sido ponderada nem a gravidade da infração nem o grau de participação da instituição.

Como exemplo, compararam com a coima aplicada ao Santander (35,65 milhões), correspondente a 2% do seu volume de negócios, sem que tenha sido provada uma participação superior do BPI na infração, tendo, nomeadamente, referido que, dos mais de 90.000 emails apreendidos, só 77 se referem ao banco.

A haver aplicação de coima, os advogados pediram à juíza Mariana Machado que tenha em conta as alegações do procurador do Ministério Público, o qual valorizou as declarações “frontais, verticais e sem reservas” feitas pelo presidente do Conselho de Administração, Fernando Ulrich, para admitir uma redução da coima, “ainda que marginal”.

As críticas à decisão da AdC incluíram as “considerações genéricas” sobre as coimas aplicadas, sem qualquer ponderação sobre o grau de participação de cada banco na infração, e a determinação “arbitrária” de cada valor, em desrespeito pelas próprias linhas de orientação do regulador, o que, para o BPI deve ditar a remessa à AdC para nova decisão que respeite os requisitos legais.

Para os advogados, a forma como a AdC “tentou” nas suas alegações mostrar como foi feito o cálculo das coimas, exibindo, “por momentos", um slide com “uns números e percentagens”, é demonstrativo da consciência da falha da decisão.

Cartel dos bancos
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Montepio indignado com pedido de agravamento da coima

O Montepio mostrou indignação com o pedido da AdC de agravamento da coima de 13 milhões de euros aplicada no processo, em que beneficiou do regime de clemência. A Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) salientou a colaboração que teve em todo o processo, contestando que a sua postura tenha sido “censurável”, como disse a AdC, numa “visão profundamente distorcida do regime da clemência”.

O mandatário da CEMG disse ter ficado “perplexo” com as alegações da AdC, pedindo o agravamento de uma coima que representa “mais do dobro” da imputada a outras visadas por factos semelhantes e ignorando que lhe concedeu a redução de 50%, a máxima permitida por ter secundado o pedido de clemência do Barclays, que deu origem ao processo, por preencher todos os requisitos legalmente exigidos.

A atitude da AdC, disse, deveu-se ao facto de o Montepio ter contestado a existência de infração de restrição da concorrência por objeto, como afirma a condenação, e de o seu representante legal não ter reconhecido, no depoimento prestado no TCRS, que existiu troca de informação ilícita.

Afirmando ser falso alguma vez ter acompanhado os restantes recorrentes na invocação da nulidade da prova, o mandatário salientou o facto de a CEMG ter, depois de secundar o pedido de clemência, juntado 658 documentos na fase administrativa, 499 dos quais ainda não eram conhecidos do regulador, numa “cooperação ativa e voluntária”, mantida na fase de inquérito.

Referiu que a prova feita em julgamento demonstrou que a participação da CEMG na troca de informação sobre preços e outras condições apenas pode ser reportada ao período de 2007 a 2013, “pouco mais de seis anos em vez dos 11” (2002 a 2013) da condenação administrativa, o que, só por si, deverá ditar uma redução da coima pelo TCRS.

A exemplo dos outros recorrentes, também a CEMG apontou “falta de fundamentação” no doseamento das coimas por parte da AdC, classificando como uma “novela” a introdução de novos elementos, como um cálculo aritmético apresentado apenas de forma "fugaz" nas alegações finais, os quais, frisou, têm de constar “forçosamente”, o que não acontece neste processo.

Para o Montepio, a ausência de “uma única palavra” sobre a forma como a AdC fez os cálculos é uma “omissão insuperável e insanável”, suficiente para ditar a nulidade da decisão.

Salientando que a coima, antes da redução no âmbito da clemência, era de 26 milhões de euros (correspondendo a 4,9% do volume de negócios), “excessiva, desproporcionada e injusta”, o Montepio defendeu que a colaboração reconhecida na decisão administrativa deve levar à sua anulação ou redução “significativa”.

Cartelização da banca
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UCI pede absolvição

A Union de Créditos Inmobiliarios (UCI) pediu a absolvição no processo, considerando que uma condenação da instituição seria uma “bizarria”. A UCI, multada pela AdC em 150.000 euros, alegou ter sido provado que a entidade administrativa não demonstrou a existência de qualquer efeito nocivo da alegada troca de informação sensível entre concorrentes.

Enquadrando o que distingue a UCI dos restantes visados, por não ser um banco, mas uma instituição de crédito que apenas concede empréstimos à habitação e seguros associados e exclusivamente no canal da mediação imobiliária, a advogada salientou a dificuldade em alterar as condições comerciais, como os spreads, numa entidade que é uma sucursal da UCI Espanha, como implicaria o alegado conluio em causa no processo.

Reconhecendo que as trocas existiram, salientou que eram usadas para complementar informação que a instituição já tinha, a partir daquilo que era público ou de estudos encomendados, nomeadamente com recurso a “clientes mistério”, e que não foi provada qualquer nocividade.

A advogada apontou exemplos de outros setores em que a troca de informação passada é considerada favorável à concorrência, citando casos em que a AdC teve o mesmo entendimento, arquivando processos como o da ASFAC.

A UCI salientou o facto de ter vindo ao tribunal reconhecer que as trocas de informação ocorridas, no seu caso residuais e apenas relativas a dados de produção, “podiam ser más práticas”, tendo passado a classificá-las internamente como tal.

Acusando a AdC de imputar as infrações “por atacado”, com uma “descrição genérica”, sem considerar os “contornos especiais” da UCI, ao contrário do que fez o Ministério Público nas suas alegações, a advogada salientou a “presença muito esporádica, limitada e sem grande continuidade” de referências à instituição em todo o processo.

Cartel dos bancos no crédito habitação em Portugal
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O processo à lupa

O processo, em que está em causa a prática concertada de troca de informação comercial sensível, entre 2002 e 2013, nomeadamente com partilha de tabelas de spreads a aplicar aos créditos a clientes (habitação, consumo e a empresas) e de volumes de produção, teve origem num pedido de clemência apresentado em 2013 pelo Barclays.

A AdC condenou a CGD ao pagamento de 82 milhões de euros, o Banco Comercial Português (BCP) de 60 milhões, o Santander Totta de 35,65 milhões, o BPI em 30 milhões, a CEMG em 13 milhões (coima reduzida em metade por ter aderido ao pedido de clemência), o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria em 2,5 milhões, o BES em 700.000 euros, o Banco BIC em 500.000 euros, o Deutsche Bank (cuja infração prescreveu em outubro de 2020) e a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo em 350.000 euros cada um, a UCI em 150.000 e o Banif (que não recorreu) em mil euros.

O Abanca, também visado no processo, viu a infração prescrever ainda na fase administrativa e o Barclays, que apresentou o pedido de clemência, viu suspensa a coima de oito milhões de euros que lhe foi aplicada.

As alegações finais, iniciadas no passado dia 23, concluíram-se esta quarta-feira (2 de março de 2022), tendo a juíza Mariana Machado, que entrou em exclusividade na segunda-feira para proferir a sentença deste processo, apontado a data de 20 de abril para a leitura, advertindo de que poderá ser antecipada.

*Com Lusa

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