
O Governo de Montenegro quer por normas mais rígidas para a concessão de nacionalidade portuguesa, tendo apresentado recentemente propostas de alteração à lei da nacionalidade. E também quer apertar as regras de quem quer viver em Portugal, propondo mudanças à lei dos estrangeiros. Caso sejam aprovadas no Parlamento, estes novos diplomas podem afetar – e muito – os regimes de naturalização, atribuição e aquisição da nacionalidade portuguesa por parte de imigrantes. Neste guia preparado por especialistas legais para o idealista/news, explicamos com fundamento jurídico o que pode mudar para os imigrantes caso estas alterações legislativas entrem em vigor.
- Lei da nacionalidade: o que pode mudar para os estrangeiros?
- Prazos de residência mais alargados para pedir nacionalidade
- Ligação efetiva à comunidade portuguesa exigida – em especial para netos
- Mudanças na nacionalidade para filhos de estrangeiros
- Pena de prisão efetiva limita concessão de nacionalidade por casamento
- Outras mudanças à lei da nacionalidade propostas
- O que acontece se estas mudanças à lei da nacionalidade forem aprovadas?
- Quais são as alterações legislativas propostas para a imigração?
- Como e quando estas leis podem ser aprovadas?
Lei da nacionalidade: o que pode mudar para os estrangeiros?
Prazos de residência mais alargados para pedir nacionalidade
Entre as principais propostas à lei da nacionalidade, destaca-se o aumento dos prazos de residência legal exigidos para pedir a nacionalidade portuguesa por naturalização:
- de 5 para 10 anos para a maioria dos estrangeiros;
- para 7 anos para cidadãos de países de língua oficial portuguesa;
- e para 4 anos para apátridas que nunca tenham tido nacionalidade portuguesa ou que a tenham perdido e adquirido outra nacionalidade.
Outro aspeto importante é a nova fórmula de contagem do tempo de residência para pedir a nacionalidade, que passará a contar apenas a partir da emissão da autorização de residência, excluindo o período entre o pedido e a concessão (que na lei atual é contabilizado).
Ao analisar a proposta a pente fino, Sofia Batalim e Beatriz Lopes Tavares, advogadas da Lamares, Capela & Associados, destacam que “o Governo pretende que esta mudança se aplique, não só depois da aprovação da lei, como também de forma retroativa”. Ou seja, propõe-se que não se conte este tempo “mesmo para os processos já em curso ou que venham a ser iniciados ainda antes da entrada em vigor da lei agora proposta, e cujos interessados não tenham ainda o tempo de residência legal completo se considerado apenas o momento do deferimento da autorização de residência”. Tudo isto “levanta sérias dúvidas jurídicas quanto à coerência, constitucionalidade e aplicabilidade prática, pois a lei atual prevê expressamente que esse tempo conta”, admitem ao idealista/news.

Ligação efetiva à comunidade portuguesa exigida – em especial para netos
Há também um reforço das exigências de "ligação efetiva à comunidade nacional", sobretudo, em processos de naturalização e de atribuição de nacionalidade a netos de portugueses.
A nova proposta de lei propõe que passe a “ser necessário demonstrar conhecimentos sobre a língua portuguesa, cultura, valores, direitos e deveres fundamentais relativos à nacionalidade portuguesa, bem como sobre o sistema político português, através de provas que ainda vão ser regulamentadas. Os netos de portugueses continuam a obter a nacionalidade originária, mas a proposta faz questão de aproximar expressamente este regime à naturalização, o que deve ser acompanhado com atenção”, indicam as especialistas.

Mudanças na nacionalidade para filhos de estrangeiros
Também se prendem alterar os regimes aplicáveis a filhos de estrangeiros nascidos em Portugal. “Em vez de ser suficiente a residência legal (independentemente da duração), ou mesmo ilegal (por um ano), de um dos pais, passará a ser necessário comprovar 3 anos de residência legal antes do nascimento e declarar expressamente a vontade de adquirir a nacionalidade. Para os menores nascidos e a estudar em Portugal, filhos de estrangeiros sem nacionalidade portuguesa, os requisitos também se tornam cumulativos e mais exigentes: um dos pais deverá ter residência legal há, pelo menos, 5 anos e o menor deverá estar inscrito e a frequentar o ensino obrigatório”, analisam.
Pena de prisão efetiva limita concessão de nacionalidade por casamento
No regime de aquisição da nacionalidade por casamento ou união de facto com cidadão português, “deixa de ser possível adquirir a nacionalidade se o requerente tiver qualquer condenação por pena de prisão efetiva, mesmo que inferior a 3 anos (limite que até aqui ainda é aceite)”, acrescentam.
Outras mudanças à lei da nacionalidade propostas
Além destas alterações em destaque, o Governo do Montenegro propõe ainda mudar os seguintes aspetos da lei da nacionalidade, tal como apontam as advogadas da Lamares, Capela & Associados neste artigo preparado para o idealista/news:
- Extinção de vários regimes especiais de naturalização: descendentes de judeus sefarditas portugueses; ascendentes de portugueses originários com residência em Portugal; antigos portugueses que tenham adquirido outra nacionalidade; filhos de estrangeiros nascidos em Portugal e com 5 anos de residência (mesmo que ilegal);
- Introdução de uma pena acessória de perda da nacionalidade para naturalizados que sejam condenados por crimes graves, praticados nos 10 anos seguintes à naturalização, com proibição de novo pedido durante os 10 anos seguintes à condenação;
- Obrigatoriedade de qualquer pessoa comunicar ao Ministério Público factos que possam fundamentar a oposição à aquisição da nacionalidade;
- Alargamento do prazo para o Ministério Público se opor à aquisição da nacionalidade: de 1 para 2 anos;
- Possibilidade de aplicação indireta dos requisitos de conhecimentos de língua e cultura portuguesas e cívicos também à aquisição da nacionalidade por filhos menores e por casados ou unidos de facto com portugueses, uma vez que esses passam a fazer expressamente parte dos fundamentos de oposição à aquisição da nacionalidade.

O que acontece se estas mudanças à lei da nacionalidade forem aprovadas?
Caso sejam aprovadas, estas medidas vão tornar o acesso à nacionalidade portuguesa bem mais restrito e vão ainda dificultar os processos, especialmente, para muitos imigrantes que residem em Portugal há vários anos, mas ainda não reuniram os requisitos sob as regras atuais. Há também o risco de haver aplicação retroativa de normas mais exigentes a processos já submetidos, especialmente os iniciados depois de 19 de junho de 2025.
Sobre este ponto, as advogadas da Lamares, Capela & Associados alertam que a lei da nacionalidade surge com uma nuance para os processos de naturalização por tempo de residência:
- Pedidos submetidos antes de 19/06/2025: aplica-se a lei atual, mas apenas se todos os requisitos já estiverem reunidos na data da submissão dos processos;
- Pedidos submetidos a partir de 19/06/2025: aplica-se a nova lei, mesmo que ainda não esteja formalmente em vigor.
“O Governo justifica esta retroatividade como forma de evitar um aumento massivo de pedidos de nacionalidade antes da entrada em vigor da nova lei, mas é muito duvidosa a constitucionalidade desta pretensão, pois existem, de facto, legítimas expectativas por parte de quem cumpria os requisitos vigentes ou alterou de forma relevante a sua vida com base nas leis vigentes e no sentido que foi sendo caminhado pelo legislador nos últimos anos”, avisam Sofia Batalim e Beatriz Lopes Tavares.

Quais são as alterações legislativas propostas para a imigração?
As propostas de alteração à lei dos estrangeiros atualmente em discussão pelo Governo de Montenegro preveem mudanças significativas que podem vir a impactar diretamente quem pretende viver em Portugal, começando, desde logo, pelas novas regras de reagrupamento familiar.
Reagrupamento familiar: as restrições propostas
O reagrupamento familiar tem sido uma das formas mais utilizadas para permitir que familiares próximos de residentes legais em Portugal se juntem a eles no país. “Esta modalidade, não se deve confundir com o visto de acompanhante de requerente de visto de residência, na qual os familiares submetem o pedido de visto ao mesmo tempo que o requerente principal”, alertam as advogadas, sublinhando que para este último ponto, não foi sugerida qualquer alteração.
Estas são as principais alterações propostas em matéria de reagrupamento familiar, descritas pelas especialistas da Lamares, Capela & Associados:
- Exigência de dois anos de residência legal prévia em Portugal: atualmente, é possível solicitar o reagrupamento familiar logo após a concessão do cartão de residência ao aplicante principal. A proposta de lei n.º 3/XVII/1.ª, pretende impor um período mínimo de dois anos de residência legal antes que o residente principal possa pedir o reagrupamento dos seus familiares;
- Limitação do reagrupamento familiar em território nacional a filhos menores: o reagrupamento a cidadãos que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem, poderá vir a ser limitado apenas a filhos menores de idade, excluindo, por exemplo, filhos maiores em situação de dependência, ascendentes (pais/avós) e cônjuges em algumas situações;
- Exigências reforçadas quanto ao alojamento e meios de subsistência: passará a ser mais rigorosa a avaliação da capacidade do requerente para garantir condições adequadas de habitação e sustento aos familiares que pretende reagrupar. No que respeita aos meios de subsistência, a proposta de lei menciona a necessidade de comprovar rendimentos estáveis e regulares que sejam suficientes, não só para a própria subsistência, como também para a de cada um dos agrupados. Quanto ao alojamento, há a necessidade de assegurar adequados ao agregado familiar, assegurando-se as condições de segurança e salubridade;
- Introdução de medidas obrigatórias de integração: os requerentes e seus familiares poderão ter que comprovar a participação em programas de integração, nomeadamente a aprendizagem da língua portuguesa, conhecimento dos valores constitucionais e culturais de Portugal.

Necessidade de visto de residência para obtenção de autorização de residência CPLP
Atualmente, cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) podem obter autorização de residência com base em critérios facilitados. A nova proposta de lei do Governo poderá passar a exigir que os cidadãos da CPLP entrem em Portugal já com um visto de residência emitido no país de origem, tornando o processo mais complexo e burocrático. “Esta medida vem tirar qualquer vantagem ao cartão de residência CPLP, que não só não é reconhecido nos demais países do espaço Schengen, como tem um processo tão complexo como os vistos de residência comuns”, referem as advogadas.
Restrições ao visto de procura de trabalho
O visto de procura de trabalho, que tem permitido a entrada em Portugal, passará a ser restrito a cidadãos estrangeiros que pretendam converter aquele visto em autorização de residência altamente qualificada. Esta alteração, obriga a que trabalhadores que não sejam considerados como altamente qualificados a entrarem em território nacional já com contrato de trabalho.

Como e quando estas leis podem ser aprovadas?
As propostas de alteração à lei da nacionalidade e à lei dos estrangeiros seguem agora para discussão na Assembleia da República. O Governo não tem maioria absoluta, pelo que a aprovação depende do apoio de outros partidos, nomeadamente do Chega ou do PS.
Após votação final, a proposta é enviada para promulgação pelo Presidente da República e pode ainda haver necessidade de envio das propostas para o Tribunal Constitucional para averiguação da sua constitucionalidade. Se for aprovada, a nova lei deverá entrar em vigor no dia seguinte à sua publicação em Diário da República.
“A discussão parlamentar e as eventuais alterações à proposta poderão clarificar, agravar ou corrigir” várias medidas que tocam na vida dos estrangeiros e imigrantes que vivem ou querem viver em Portugal, concluem as especialistas.
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