O contexto macroeconómico mundial é, hoje, desafiante. A Europa assiste a uma crise política em França e a um recuo da economia alemã, numa altura em que se aguardam efeitos concretos do acordo comercial com os EUA. Além disso, a guerra na Ucrânia e o conflito no Médio Oriente ganharam escala recentemente. Foi tendo em conta todos estes fatores, a par da estabilidade da inflação na zona euro, que o Banco Central Europeu (BCE) decidiu voltar a deixar as suas taxas de juro diretoras inalteradas na reunião desta quinta-feira.
Na reunião de política monetária, realizada esta quinta-feira (dia 11 de setembro), o regulador europeu liderado por Christine Lagarde decidiu manter os juros diretores inalterados pelo segundo encontro consecutivo, após um ciclo de reduções que durou mais de um ano. Assim, a taxa de depósitos permanece no intervalo “neutro”, entre 1,75% e 2,25%, no qual nem restringe nem estimula demasiado a economia. Assim ficam as taxas de juro do BCE:
- Taxa aplicada à facilidade permanente de depósitos fica em 2,00%;
- Taxa de juro das principais operações de refinanciamento continua em 2,15%;
- Taxa aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez situa-se em 2,40%.
“O BCE não se desviou do caminho esperado, mantendo as taxas inalteradas. Com esta decisão transmitiu uma mensagem de cautela diante dos riscos inflacionistas que podem aparecer no futuro e procurou evitar um corte no curto prazo que teria de ser revertido alguns meses depois”, comenta Miguel Cabrita, responsável pelo idealista/créditohabitação em Portugal.
Na visão de Konstantin Veit, gestor de portfólio da Pimco, esta foi uma forma de o BCE “preservar a margem de manobra para a política monetária convencional e procurar minimizar o risco de ter que reverter a política logo após atingir a taxa terminal".
Inflação, PIB e incerteza por detrás da decisão do BCE
Esta decisão do BCE já era amplamente esperada pelos analistas de mercado, especialmente considerando a estabilidade da inflação em torno do objetivo de médio prazo de 2% e o fraco crescimento económico da área euro, num contexto económico mundial incerto. Também houve pesos pesados da instituição, como a economista alemã Isabel Schnabel, a admitir que os cortes aplicados até agora ainda não foram totalmente refletidos na economia real.
A inflação na zona euro deverá fixar-se em 2,1% em agosto, ligeiramente superior à registada nos dois meses anteriores e acima da meta do BCE (2%). Embora este seja o nível mais elevado desde abril deste ano, os dados preliminares do Eurostat continuam a mostrar uma estabilização na evolução dos preços na área euro. O economista sénior da Generali AM, Martin Wolburg, considera que o processo de desinflação continua e espera que a inflação geral se estabilize abaixo de 2%.
"As mais recentes projeções elaboradas por especialistas do BCE apresentam uma imagem da inflação idêntica à avançada nas projeções de junho. Apontam para uma inflação global de, em média, 2,1% em 2025, 1,7% em 2026 e 1,9% em 2027. Relativamente à inflação excluindo preços dos produtos energéticos e dos produtos alimentares, indicam uma média de 2,4% em 2025, 1,9% em 2026 e 1,8% em 2027", lê-se no comunicado do BCE publicado após a reunião.
Por outro lado, a atividade económica na zona euro ficou praticamente estável no segundo trimestre de 2025 (em +0,1%), tendo desacelerado o crescimento observado no trimestre anterior (de +0,6%). Além disso, as duas maiores economias da zona euro estão a passar por um período conturbado: na Alemanha, o PIB recuou 0,3% e a França está a passar por uma crise política com a queda do Governo de François Bayrou, devido à falta de apoio para realizar cortes orçamentais de 44 mil milhões de euros, tendo em vista a redução da dívida pública.
"França deveria poupar mais do que o que Bayrou tinha estabelecido. Se a população e os políticos em França negarem estas realidades, será perigoso, também para o BCE", para a estabilidade do euro e a solvência da Europa, alertou Friedrich Heinemann, economista e professor na Universidade de Heidelberg. Por enquanto, a reação dos mercados tem sido contida, provavelmente porque preveem que o BCE irá intervir e comprar dívida soberana de França no mercado secundário, caso o prémio de risco francês dispare, apesar de o país ter um processo de défice em aberto.
Ainda assim, as projeções do BCE sobre a evolução económica melhoraram, estimando que o PIB "registe uma taxa de crescimento de 1,2% em 2025, o que representa uma revisão em alta face ao valor de 0,9% avançado em junho", refere o documento. Já "a projeção para o crescimento em 2026 é agora um pouco inferior, situando-se em 1,0%, enquanto a projeção para 2027 se mantém inalterada em 1,3%", acrescentam.
Além disso, o regulador europeu ainda aguarda efeitos concretos na economia perante o acordo comercial entre os EUA e a União Europeia (UE), que fixou tarifas em 15%. “As elevadas incertezas justificam uma postura de aguardar para ver, nomeadamente saber como o acordo comercial EUA-UE irá impactar a atividade económica no curto prazo, já que o impacto direto das tarifas em si pode ser compensado pela remoção da incerteza e pela renovada capacidade das empresas europeias planearem com antecedência”, comentam desde a Ebury.
Por outro lado, Lagarde também aguarda por decisões da Reserva Federal dos EUA (Fed) que se tem recusado a descer os juros apesar das pressões em sentido contrário de Donald Trump – a próxima reunião realiza-se para a semana, esperando-se um corte. Esta diferença entre os juros do BCE e da Fed ajuda a explicar o fortalecimento do euro face ao dólar, que está a dificultar as exportações para os países na zona euro, que já estão pressionados pelas novas tarifas.
A par de tudo isto, o BCE continua bem atento às incertezas económicas provocadas pelos conflitos mundiais. Nos últimos dias, a guerra da Rússia contra a Ucrânia intensificou-se depois do ataque à Polónia e também no Médio Oriente, depois do ataque de Israel ao território do Catar.
Haverá mais cortes de juros do BCE ainda em 2025?
Atualmente, não há uma opinião consensual sobre o futuro das taxas de juro do BCE. Há quem admita que as taxas deverão permanecer inalteradas durante os próximos meses, dando como encerrado o ciclo de cortes de juros. No entanto, há ainda quem admita um corte dos juros até ao final de 2025 ou até mesmo em 2026. Mas uma subida também é colocada em cima da mesa. Já o guardião do euro reforça apenas que "não se compromete previamente com uma trajetória de taxas específica", sendo as decisões tomadas de reunião em reunião consoante os dados económicos.
"Outra redução das taxas de juro já não é o cenário base, com os mercados a atribuírem menos de uma em cada cinco hipóteses de tal acontecer em 2025. Consideramos que a fasquia para uma maior flexibilização é demasiado elevada para ser ultrapassada entre agora e o final do ano", explicam desde a Ebury Portugal, que consideram, na verdade, que "o ciclo de cortes terminou".
Para que o BCE considere uma maior flexibilização da sua política monetária, "seria necessário haver provas de que as tarifas dos EUA estão a ter um impacto muito significativo na economia da zona euro", o que a Ebury considera "improvável, especialmente tendo em conta que o enorme programa de estímulo fiscal da Alemanha deverá impulsionar o crescimento no próximo ano".
Alguns analistas ainda vêem espaço para um corte de juros do BCE numa das duas reuniões do último trimestre do ano (realizadas em 30 de outubro e 18 de dezembro), embora o mercado já comece a colocar a hipótese de esta redução ser adiada para 2026 ou até nem acontecer.
“A possibilidade de novos cortes de juros no futuro continua a ser uma possibilidade, mas, ao mesmo tempo, acreditamos ser mais provável que o ciclo de cortes já tenha sido concluído com a taxa atual de 2%", refere Konstantin Veit.
Por sua vez, Luke Bartholomew, economista-chefe adjunto da Aberdeen Investments, defende que "o ciclo de descidas das taxas chegou ao fim e, se houver alguma mudança, a mais provável será uma subida e não uma descida, embora isso só venha a acontecer num futuro distante, quando a flexibilização orçamental da Europa começar a fazer-se sentir".
“A longo prazo, uma provável recuperação da inflação na zona euro, impulsionada por um maior crescimento dos salários, irá provavelmente forçar o BCE a aumentar a sua taxa de depósito de 2% para 3% a partir de meados de 2027”, antecipa Felix Schmidt, economista sénior da Berenberg.
*Com Lusa
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