Mesmo a fechar o ano de 2021, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, deu luz verde à realização de escrituras de imóveis à distância, tendo promulgado o diploma do Governo que permite a realização por videoconferência de atos autênticos, como por exemplo escrituras públicas ou divórcios. O regime estará em vigor durante dois anos a título experimental, arrancando no dia 4 de abril de 2022. Com o objetivo de ajudar a garantir que tudo corre bem com todas as partes envolvidas, explicamos, com a ajuda de especialistas jurídicos, como funcionará todo o processo, nomeadamente a realização das videoconferências.
“No dia 30 de dezembro de 2021 foi aprovado o há muito aguardado regime jurídico que permitirá a prática, à distância, através de videoconferência, de atos autênticos, termos de autenticação de documentos particulares e reconhecimentos. Esta nova ferramenta poderá ter um impacto significativo no comércio jurídico, facilitando a prática de atos de cidadãos e empresas que até agora se encontravam dependentes de deslocações que dificilmente se justificam face aos meios informáticos à disposição do publico em geral”, começa por esclarecer a Belzuz Abogados* neste artigo preparado para o idealista/news.
Em causa está o Decreto-Lei n.º 126/2021, o diploma que estabelece o regime jurídico temporário aplicável à realização, através de videoconferência, de atos autênticos, termos de autenticação de documentos particulares e reconhecimentos, o qual entrará em vigor a 4 de abril de 2022.
Regime em vigor dois anos, para já
Numa primeira fase este regime irá vigorar por dois anos, findos os quais será objeto de avaliação por forma a ser aferido o nível de implementação e o âmbito de aplicação e sustentabilidade do modelo que será agora testado.
Assim, o decreto-lei irá abranger os atos autênticos, termos de autenticação de documentos particulares e reconhecimentos que requeiram a presença dos intervenientes perante:
- Conservadores de registos;
- Oficiais de registos;
- Notários;
- Agentes consulares portugueses;
- Advogados;
- Solicitadores.
Relativamente aos atos a realizar por notários, agentes consulares portugueses, advogados ou solicitadores, encontram-se abrangidos por este regime todos os atos da sua competência. Contudo, em relação aos atos relativos a factos sujeitos a registo predial, apenas estão abrangidos:
- Factos jurídicos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição, a modificação ou a extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão;
- Factos jurídicos que determinem a constituição ou a modificação da propriedade horizontal;
- Promessa de alienação ou oneração de imóveis, se lhe tiver sido atribuída eficácia real, ou a cessão da posição contratual emergente desse facto;
- Hipoteca, sua cessão, modificação ou extinção, a cessão do grau de prioridade do respetivo registo e a consignação de rendimentos.
Os testamentos e atos a estes relativos, encontram-se igualmente excluídos do novo regime.
Relativamente aos atos a realizar por conservadores de registos e oficiais de registos, apenas estão abrangidos os relativos:
- Ao procedimento especial de transmissão, oneração e registo imediato de prédios em atendimento presencial único;
- Ao processo de separação ou divórcio por mútuo consentimento;
- Ao procedimento de habilitação de herdeiros com ou sem registos.
Como “usar” a videoconferência?
Assim, e apenas quando os intervenientes o pretendam, os atos autênticos, termos de autenticação de documentos particulares e reconhecimentos supramencionados poderão ser realizados através de videoconferência, mediante a utilização de uma plataforma informática disponibilizada pelo Ministério da Justiça e gerida pelo Instituto dos Registos e do Notariado, I. P. (IRN, I. P.), através da qual será facultado o acesso às sessões de videoconferência.
A realização dos atos já referidos depende de prévio agendamento, cabendo ao profissional (advogado, solicitador, etc.) agendar o ato na plataforma informática, indicando o dia, hora e duração prevista para a sua realização e identificando as pessoas que nelas intervenham. Os intervenientes receberão posteriormente um email, contendo a confirmação do agendamento do ato e a hiperligação que permitirá aceder, no dia agendado, à sessão de videoconferência.
Caberá ainda ao profissional a responsabilidade de conduzir as sessões de videoconferência, assegurando o cumprimento das formalidades legalmente impostas para a prática do ato, tais como, por exemplo, confrontar os elementos de identificação dos intervenientes recolhidos pela plataforma informática com a imagem facial da pessoa e com as respostas dadas por esta.
É possível recusar os atos autênticos?
Sem prejuízo da adoção de quaisquer outras medidas que no seu entender sejam adequadas para se certificar de que os intervenientes agem de livre vontade, o profissional deverá solicitar aos intervenientes que mostrem o espaço em seu redor, tendo o dever de recusar a prática do ato caso tenha duvidas sobre:
- A identidade dos intervenientes;
- A livre vontade dos intervenientes;
- A capacidade dos intervenientes;
- A genuinidade ou integridade dos documentos apresentados;
- Ou caso entenda não estarem reunidas as condições técnicas necessárias.
Importa igualmente salientar que os intervenientes não podem desativar, em circunstância alguma, a captação de imagem ou som durante a sessão de videoconferência, sob pena de o procedimento ser interrompido pelo profissional e não haver lugar à conclusão do ato.
Como se realizam os processos virtualmente?
Por fim, o decurso dos trabalhos será bastante similar à forma como estes decorreriam caso as partes estivessem reunidas presencialmente: o profissional partilha no ecrã os documentos que for lendo, explicando em voz alta e na presença, simultânea ou não, de cada um dos intervenientes, com a particularidade de que a leitura, explicação e assinatura dos documentos devem ser realizadas no mesmo dia, sob pena de nulidade.
Embora estejamos certos que será necessário um período de adaptação por parte de todos os intervenientes e que os primeiros atos praticados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 126/2021 serão marcados por algumas dificuldades e falhas quer da plataforma informática, quer dos profissionais que a utilizam, acreditamos que este é um passo na direção certa e que o futuro passará necessariamente pela utilização das ferramentas informáticas que atualmente já se encontram à disposição de todos os profissionais e interessados.
*Ricardo Pires Jordão, departamento de Direito Imobiliário da Belzuz Abogados S.L.P. – Sucursal em Portugal
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