Reabilitar casas de famílias carenciadas é a missão da Just a Change desde 2010. E o idealista/news foi descobrir a sua história.
Comentários: 1
Reabilitar casas por voluntários
Constança Vasconcelos Dias, do departamento de Comunicação e Fundraising da Just a Change Just a Change

Viver numa casa onde falta tudo é a realidade de muitos. Falta telhado, água canalizada, estruturas na casa de banho, esgotos, isolamento térmico…. Faltam condições para viver o dia a dia com dignidade. A privação severa das condições de habitação atingiu 3,9% da população portuguesa em 2020, aponta o Instituto Nacional de Estatística. E muitas vezes a única mão que lhes é estendida é a de voluntários que se dedicam à reabilitação destas casas. “O grande resultado das nossas intervenções é a reconstrução da vida, além da casa”, conta ao idealista/news Constança Vasconcelos Dias, do departamento de Comunicação e Fundraising da Just a Change, uma associação portuguesa que se dedica a combater a pobreza habitacional no país desde 2010.

Há milhares de famílias a viver em casas de baixa qualidade em Portugal. Os dados mais recentes do Eurostat – relativos a 2020 – espelham bem esta realidade, indicando que 25,2% da população portuguesa sofre com roturas no telhado. A dificuldade em manter a casa quente de forma adequada é também sentida por 17,5% das pessoas. E a falta de condições na casa de banho – isto é falta de sanita, base de duche ou banheira - abrange 0,4% das famílias no país. “A pobreza habitacional é uma pobreza muito escondida”, ficando muitas vezes em segredo dentro de quatro paredes, comenta Constança Dias na entrevista por escrito. E “a pobreza energética anda, muitas vezes, a par com a pobreza habitacional”, sublinha.

Viver com dignidade em Portugal
Antes e depois da cozinha de Mário em Torres Vedras Just a Change

Foi para combater esta realidade em Portugal que nasceu a Just a Change, que hoje reúne centenas de voluntários por ano para reabilitar casas de famílias carenciadas. E os números falam por si. Mesmo com os constrangimentos provocados pela situação pandémica, em 2020 a associação reconstruiu 33 casas e fez ainda sete intervenções em IPSS. E em 2021 reabilitaram 55 casas, apoiando um total de 112 beneficiários. Já chegaram a 20 concelhos do país e este ano pretendem ir ainda mais longe: “Estamos a planear reabilitar 65 casas em 2022, algumas delas em parceria com projeto Missão País” e “vamos também inaugurar protocolos em novos municípios”, avança ainda.

Mas qual é a história da Just a Change? Como chegam às famílias carenciadas? Que realidades encontram? E qual é o impacto das reconstruções das casas na vida das pessoas? Todas estas e outras questões foram respondidas por Constança Dias em entrevista ao idealista/news que te convidamos, agora, a ler.

Trabalho voluntário para reconstruir casas
Voluntários Just a Change Just a Change

Como é que avaliam o estado atual da habitação em Portugal? Melhorou ou piorou nos últimos dez anos?

A pobreza habitacional é uma pobreza muito escondida. Ficando dentro de casa das pessoas, não a vemos e não imaginamos que as condições de vida de um vizinho sejam tão más. Ainda assim, o tema da habitação, aliado à discussão da pobreza energética, tem ganho destaque na esfera pública nos últimos anos. E é um tópico cada vez mais debatido, com programas e propostas a surgirem de vários lados.

O Just a Change foi criado em 2010 para reconstruir casas de pessoas carenciadas em Portugal. Como é que surgiu a ideia? Que vazio vocês pretendem preencher?

A ideia surgiu de forma orgânica. Os fundadores do Just a Change começaram por ter uma missão um pouco diferente: angariavam fundos para alimentar pessoas em situação de sem-abrigo. Rapidamente perceberam que esse trabalho já era feito (e de forma melhor e mais estruturada) por outras associações e, por isso, procuraram outras necessidades que pudessem colmatar. Uma pessoa falou-lhes de uma senhora que vivia numa casa com poucas condições, que precisava de algumas reparações, limpeza profunda e uma pintura fresca. Ao fazermos este trabalho tão simples, percebemos que este problema era muito real, muito além da casa daquela senhora e que não tinha ainda resposta. Assim, mudámos o rumo e dedicámo-nos a este vazio.

Reabilitação de casas
Antes e depois da casa de Maria Teresa em Ferreira do Zêzere Just a Change

Qual é o balanço que fazem do vosso trabalho voluntário? O que é que vos move?

Os voluntários são a nossa grande força. O trabalho que fazemos ultrapassa a reconstrução da casa graças à alegria e energia que os voluntários levam aos beneficiários. O grande resultado das nossas intervenções é a reconstrução da vida, além da casa. Os jovens são caracterizados por terem uma enorme força e esperança. Encaram o trabalho nas habitações como uma missão, mais do que um trabalho, preocupando-se em estabelecer laços de amizade com quem é ajudado. É precisamente o contacto entre os jovens e o público alvo que gera um impacto positivo e uma força transformadora nestes que se encontravam tristes e desesperados, aproximando-os de novo à sociedade. Por outro lado, o voluntariado permite a redução de custos em mão de obra, tornando a solução mais eficiente e acessível.

Das centenas de casas que já reabilitaram, quais foram os projetos que mais vos marcaram? Porquê?

É impossível apontar só alguns casos que mais nos marcaram. Há alguns que nos marcam pelo desafio e dificuldade da reabilitação, outros por ser a primeira vez que fazemos algo (como o primeiro telhado, por exemplo) e outros que ficam na memória pelos beneficiários, mesmo quando a obra é menos exigente. Mas gostamos sempre de falar sobre o Sr. Álvaro, porque foi a primeira grande obra em que sentimos a mudança real na vida da pessoa, e não só na sua casa.

Como foi reabilitar as casas das zonas mais afetadas pelos incêndios de 2017? Quais foram os principais desafios? O que é que mais vos impressionou? Quantas famílias ajudaram?

Foi, sem dúvida, um desafio. As casas que reabilitámos não estavam nas listas prioritárias governamentais e, por isso, caso não tivéssemos ido, essas pessoas poderiam estar ainda a viver sem condições. Trabalhámos em quatro casas, algumas delas com histórias muito impressionantes sobre o dia do desastre. Tivemos a sorte de contar com muita ajuda local e de outras associações que estavam no terreno.

De que forma geral, como é que selecionam as casas a reabilitar? E como é que reagem as famílias ao saber que as suas casas vão ser intervencionadas?

Na grande maioria, atuamos através de protocolos que estabelecemos com Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia. As casas são-nos sinalizadas pelos departamentos sociais dos municípios onde atuamos. As casas a ser intervencionadas são selecionadas através de um cruzamento da necessidade com o financiamento e condições logísticas. Os beneficiários ficam sempre muito aliviados por saber que as obras - pelas quais esperavam anos muitas vezes - vão finalmente acontecer. Por vezes, ficam de pé atrás quando percebem que são pessoas inexperientes que o vão fazer, mas rapidamente mudam de ideias quando veem os nossos voluntários, que têm uma força de vontade que ultrapassa qualquer desafio.

Reconstruir casa em Portugal
Antes e depois da casa de Benjamim em Tondela Just a Change

Que tipos de problemas nas habitações mais vos chegam? Por exemplo, falta de saneamento, problemas de humidade, infiltrações, falta de eletricidade… E como é desenham um plano para resolver cada situação?

Encontramos de tudo um pouco. Estruturas fragilizadas (como o telhado e chão), inexistência de sistemas de canalização e saneamento e eletricidade, humidades, falta de conforto, etc. Para cada caso definimos um plano de obra, com todos os trabalhos a fazer, garantindo que as casas ficam com todas as condições básicas para se viver com dignidade.

Como avaliam as casas que reabilitam em termos de eficiência energética? Tornar as casas mais eficientes é um dos vossos focos?

Sem dúvida. A pobreza energética anda, muitas vezes, a par com a pobreza habitacional. Contamos com a EDP para combater este problema. Os técnicos da EDP fazem a medição energética de todas as casas em que intervimos, antes e depois da nossa intervenção, e disponibilizam equipamentos eficientes, como termoacumuladores, frigoríficos e sistemas de aproveitamento das águas, que contribuem para a eficiência energética das habitações. Além disso, as nossas reabilitações passam também pelo isolamento térmico dos telhados e pavimentos e pela troca e atualização de portas e janelas, o que contribui drasticamente para a eficiência energética ao nível da climatização das casas.

Pobreza habitacional em Portugal
Antes e depois da cozinha de Faustino em Óbidos Just a Change

Como funciona todo o processo para que as obras nas casas selecionadas vão avante? Desde o financiamento, recrutamento de voluntários, projeto de construção, recolha de materiais até à finalização da obra.

As casas são selecionadas depois de garantirmos financiamento e condições logísticas e materiais. É então feito um plano de obra, que distribui o trabalho a fazer pelos dias disponíveis. Os voluntários são recrutados para programas, onde normalmente reabilitamos mais do que uma casa de cada vez. Em cada casa é alocada uma equipa com cerca de 5 voluntários, 1 coordenador (voluntário experiente) e um técnico de obra profissional.

Qual é o feedback que vos chega das famílias que apoiam? E dos voluntários que participaram nas obras?

Muito bom! Procuramos sempre garantir o acompanhamento das famílias que apoiamos através de parceiros locais. Além disso, fazemos a medição do nosso impacto em várias áreas da vida dos nossos beneficiários um ano, dois anos e dez anos depois da nossa intervenção. A grande maioria dos nossos voluntários regressa e fala de nós aos amigos e família – no verão de 2021 tivemos 900 inscrições para 300 vagas em menos de meia hora! Por isso, acreditamos que gostam verdadeiramente do trabalho que fazem connosco e acreditam plenamente no impacto que têm.

Casas em condições dignas
Antes e depois da casa de banho de Mário em Torres Vedras Just a Change

Sentiram o impacto da pandemia na atividade da Just a Change? De que forma?

Sentimos, claro. Como grande parte das empresas que trabalham no terreno, tivemos que cessar toda a atividade em março de 2020 e repensar o nosso modelo de ação para garantir a segurança dos nossos voluntários e beneficiários. Acabámos por aproveitar esta pausa para revisitar beneficiários antigos e perceber se tinham alguma necessidade de manutenção. Assim que conseguimos, voltámos a ter voluntários no terreno. Naturalmente, com todos os cuidados necessários. Conseguimos, ainda assim, reabilitar cerca de 40 casas em 2020.

Como correu o ano de 2021? Chegaram a quantas famílias? Há algum caso concreto que queiram destacar?

Reabilitámos 55 casas em 2021, apoiando um total de 112 beneficiários. Atuámos pela primeira vez em 4 novas localidades – Portimão, Lagoa, Loulé e Faro – chegando assim às 22 localidades em Portugal. Vão poder ver, muito em breve, as histórias e reabilitações de 4 destas casas no nosso canal de Youtube.

Voluntariado para reabilitar casas
Voluntários Just a Change Just a Change
Onde esperam chegar em 2022? E daqui a 5 anos? Têm algum projeto na manga que preveem pôr em marcha num futuro próximo?

Estamos a planear reabilitar 65 casas em 2022, algumas delas em parceria com projeto Missão País. Vamos também inaugurar protocolos em novos municípios, difundindo ainda mais a nossa presença pelo país. Queremos assim, voltar aos números de impacto que estávamos a ter pré-pandemia e continuar a crescer exponencialmente daí para a frente. Sonhamos ter novos polos espalhados pelo país, para que possamos atuar o ano inteiro em várias localidades em simultâneo, multiplicando o impacto que temos.

Obras em casas de famílias carenciadas
Antes e depois da casa de Maria Teresa em Ferreira do Zêzere Just a Change

Ver comentários (1) / Comentar

1 Comentários:

António
13 Janeiro 2022, 9:52

Grande projeto! Parabéns!

Para poder comentar deves entrar na tua conta