
As famílias que procuram, hoje, uma casa para viver na Grande Lisboa deparam-se com um mercado residencial mais caro. Os preços das casas para comprar e para arrendar subiram a um ritmo mais elevado do que os rendimentos disponíveis nos últimos anos. E, em resultado, a maioria das famílias que tiverem de recorrer ao mercado residencial da Área Metropolitana de Lisboa (AML) não vão encontrar casa sem despender mais de 40% do seu rendimento em encargos com a habitação, encontrando-se, por isso, em situação de inacessibilidade habitacional, conclui o estudo que diagnosticou as condições habitacionais indignas na AML.
O mercado de compra de venda de habitações está mais caro na Grande Lisboa. Só nos últimos três anos, o valor mediano das vendas por m2 de habitação na AML aumentou 38,4%, fixando‐se nos 1.986 euros/m2. No que diz respeito às casas para arrendar, o valor mediano das rendas por m2 subiu 53% nos últimos 4 anos e meio, situando-se nos 9,29 euros/m2. Em ambos os mercados, a subida de preços foi mais intensa na AML Sul.

Isto quer dizer que há “um alastrar do aumento dos preços dos municípios centrais da AML para os mais afastados da capital, tanto ao nível da venda como do arrendamento habitacional”, conclui o estudo “Diagnóstico das Condições Habitacionais Indignas da Área Metropolitana de Lisboa”, elaborado por uma equipa da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, coordenada por Ana Pinho, Luís Carvalho e David Vale, por iniciativa da AML, que contou com a colaboração dos seus 18 municípios.
Como a evolução dos salários das famílias não acompanhou a subida dos preços das casas, o estudo estima que 62% (942 mil) dos agregados com residência fiscal na AML encontram‐se em situação de inacessibilidade habitacional, ou seja, se tiverem de recorrer ao mercado, não encontrão no seu município de residência uma habitação adequada sem ter de despender mais de 40% do seu rendimento em encargos com a habitação, seja por via da aquisição seja por via do arrendamento. Olhando à escala nacional, verifica‐se que na AML residem 1/3 dos agregados em situação de inacessibilidade habitacional do país.

Além disso, sublinham ainda no documento publicado na semana passada que “a falta de acesso à habitação é mais premente na AML Norte, onde os preços são mais elevados, mesmo tendo em conta as diferenças relativas à estrutura de rendimentos dos agregados residentes, face à AML Sul, onde o crescimento dos preços está, nesta altura, a ser mais acentuado”.
E é no mercado de arrendamento que as famílias despendem de maior fatia dos seus rendimentos, já que o estudo indica que “o rendimento necessário para aceder a uma habitação adequada sem entrar em sobrecarga de custos habitacionais no regime de arrendamento é cerca de 27% superior ao necessário por via da aquisição”.
Pressão na procura incentivou a utilização do parque da AML criando mais habitação
A procura de casas na Grande Lisboa disparou nos últimos anos derivada do aumento dos agregados familiares residentes, do aumento de residentes estrangeiros e de estudantes deslocados, como da subida do número de casas utilizadas para uso turístico. E no caso do arrendamento, houve ainda pressão adicional de procura derivada da redução da concessão de crédito habitação ocorrida após a crise económica e financeira, recorda o estudo.
O desequilíbrio existente entre alta procura para a escassa oferta teve um efeito adicional no mercado residencial na Grande Lisboa, além da subida dos preços das casas e do agravamento da dificuldade de acesso à habitação: foi um “incentivo à utilização do parque habitacional existente para fins habitacionais”, explicam no estudo coordenado por Ana Pinho.
“Os aumentos da pressão sobre a procura, a par com as limitações na disponibilização de oferta, foram motor de algumas dinâmicas positivas relativas aos alojamentos verificadas na AML na última década”.
Em resultado destas dinâmicas, a AML registou na última década uma significativa redução do peso dos alojamentos vagos (-14%), um valor bem superior à realidade nacional (-2%). E a “a ocupação dos alojamentos clássicos como residência habitual é muito superior na AML (80%) do que no país (66%)”, uma tendência que se tem vindo a “acentuar”.
Mas há trabalho a fazer nesta matéria, já que continuam a existir cerca de 160.000 alojamentos vagos na AML. E é o município de Lisboa o que apresenta um maior número de alojamentos vagos em termos absolutos (quase 48.000). Além disso, “um quinto dos alojamentos clássicos existentes na AML não estão a ser utilizados como residência habitual”.
Além disso, verificou‐se que, nos últimos dez anos, que a evolução do número de alojamentos na AML foi mesmo “residual” e “consideravelmente inferior ao crescimento do número de agregados”, referem ainda. Em todos os 18 municípios da AML, a variação do número de alojamentos foi inferior à variação do número de agregados.
Em resultado, “os desafios colocados em matéria de disponibilidade de habitação na AML agudizaram‐ se” na última década, já que “o aumento verificado nas necessidades habitacionais quantitativas (aumento populacional, e, ainda mais significativamente, aumento de agregados residentes) não foi acompanhado por um aumento equivalente ao nível dos alojamentos", concluem.

Quem recorre ao mercado residencial na AML tem “opções muito limitadas”
Para os agregados da AML que tenham de recorrer ao mercado habitacional, as opções são “muito limitadas”, alertam no documento. Por isso, quem tiver de fazê-lo e não conseguir uma habitação adequada no seu município de residência, restam-lhes as seguintes opções:
- a manutenção da residência que ocupam mesmo que inadequada, nos casos em que tal seja viável;
- o adiamento da autonomização dos jovens;
- "suportar custos elevadíssimos com a habitação", pondo em causa a forma de satisfação de outras necessidades básicas, sendo que esta opção é ainda limitada pela possibilidade de não acesso a crédito, no caso da aquisição, e pela competição com outros agregados com taxas de esforço menores, que serão preferenciais para os senhorios no arrendamento;
- mudar de local de residência para outro município onde este acesso seja mais fácil: ou seja, onde os preços da habitação sejam menos elevados, o que na maioria dos casos se traduzirá num afastamento do centro e, provavelmente, da família e do emprego.
E quem são os mais afetados por esta situação? “Os agregados que, por via da autonomização, da recomposição familiar, da mobilidade profissional, por cessação do seu contrato de arrendamento ou por qualquer outro fator, tenham de recorrer ao mercado habitacional na AML, a situação é deveras crítica, afetando, obviamente, de forma particular os jovens que são os que estão em situação habitacional menos estável e cuja base de rendimentos é menor”, explicam ainda.
As expectativas futuras sobre esta matéria não são animadoras dado o atual contexto económico: “O quadro traçado relativamente à acessibilidade habitacional irá, com grande probabilidade, agravar‐ se nos próximos tempos, tendo em conta tendência inflacionista, a subida das taxas de juro e o aumento dos preços de construção, o que poderá levar a que se verifique um aumento das condições habitacionais indignas identificadas no presente Diagnóstico”, lê-se ainda.

Há cerca de 50 mil famílias a viver em condições indignas na AML
O diagnóstico mostra ainda que existem cerca de 50.000 agregados familiares que vivem em condições habitacionais indignas na Área Metropolitana de Lisboa (4,7% do total de agregados da região, num número estimado de 134.000 pessoas). Do total das famílias que vivem em condições indignas:
- mais de metade está em situação de “insalubridade e insegurança”;
- cerca de 19% em condição de “precariedade”;
- cerca de 5% em situação de “sobrelotação” ou “inadequação”.
O maior número de agregados em condição habitacional indigna residem em municípios centrais, aponta ainda. Só em Lisboa, Amadora e Oeiras identificaram‐se mais de 5.000 agregados em condição habitacional indigna, sendo que, no seu conjunto, estes representam mais de 45% do total de agregados identificados na AML (quase 23.000 agregados).
“O cenário crítico traçado relativamente ao acesso à habitação torna mais evidente a necessidade e a urgência de uma resposta pública às situações de indignidade habitacional”
O que o estudo também diz é dos agregados em condição habitacional indigna identificados na AML, cerca de 16 mil residem no parque público/3.º setor. E na origem destas situações de indignidade habitacional está a falta de políticas e instrumentos de apoio à conservação do parque habitacional público.
“A constatação da situação atual do parque público de habitação alerta para a necessidade de acautelar a existência de apoios futuros à sua conservação e manutenção, em particular num contexto de uma nova vaga de financiamento da oferta pública de habitação que deve, assim, ser acompanhada dos necessários instrumentos que permitam a manutenção futura de condições habitacionais condignas neste parque”, aponta ainda o diagnóstico.

Qual o plano de habitação futuro para a Grande Lisboa?
Com o diagnóstico às condições habitacionais dos agregados familiares que residem na Grande Lisboa, “sai reforçada a necessidade e urgência de se ir além da resposta às condições habitacionais indignas e de encetar esforços significativos no sentido de disponibilizar habitação a custos acessíveis”, destacam ainda.
E o estudo mostra ainda a importância das linhas de atuação identificadas pelos municípios no plano de habitação da Área Metropolitana de Lisboa que abrange múltiplas vias de solução para as condições habitacionais indignas:
- aumento da oferta pública de habitação;
- reabilitação do parque habitacional público existente
- reabilitação de habitações propriedade dos ocupantes, nos casos em que estes estejam em situação habitacional indigna (e sejam elegíveis no âmbito do 1.º Direito),
- reabilitação de núcleos degradados (pátios, vilas e AUGIS);
- disponibilização de alojamento urgente e temporário (onde se incluem as situações previstas no 1.º Direito como "pessoas vulneráveis").
Até porque, num cenário extremo (se nada fosse feito), a AML correria o risco de perder a capacidade de fixar residentes e de ficar sem trabalhadores. “No caso extremo de estas dinâmicas não abrandarem nos anos vindouros, e tendo em conta que o maior crescimento dos preços já se regista, nesta altura, nos municípios limítrofes da AML, poderá vir a colocar‐se um cenário no qual, para além dos graves problemas sociais, de coesão e de direito à habitação que tal acarretará, a própria área metropolitana deixe de ter capacidade de fixar a população necessária no seu território para assegurar o seu bom funcionamento, invertendo as tendências de crescimento que têm verificado até à data e colocando problemas graves ao seu desenvolvimento no futuro”, concluem no documento, dando nota que, dada a importância da AML no conjunto do país, se este cenário se verificasse acarretaria “consequências negativas para o desenvolvimento de Portugal como um todo”.
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