
A falta de habitação é uma questão bem evidente nos 18 municípios que compõem a Grande Lisboa. As famílias que recorrem ao mercado residencial veem-se, hoje, confrontadas com elevados preços das casas, num contexto de alto custo de vida devido à inflação. E cerca de 62% dos agregados com residência fiscal na Área Metropolitana de Lisboa (AML) têm de despender mais de 40% do seu rendimento para conseguir arrendar ou comprar casa, colocando-as numa situação de inacessibilidade habitacional.
Mas, apesar da elevada procura, de os proprietários terem as rentabilidades asseguradas e de haver vários instrumentos fiscais que incentivam a reabilitação de imóveis (como o IVA reduzido a 6% e o agravamento do IMI para casas devolutas), há ainda cerca de 160.000 casas vazias na Grande Lisboa. “Não há, de facto, razão, nem desculpa para estes imóveis estarem vazios”, sublinha ao idealista/news Ana Pinho, ex-secretária de Estado da Habitação e coordenadora do estudo que vem diagnosticar as condições habitacionais indignas na AML.
“Os desafios colocados em matéria de disponibilidade de habitação na AML agudizaram‐ se” na última década, conclui o estudo. Em entrevista ao idealista/news, Ana Pinho explica que houve uma “confluência de fatores de pressão” no lado da procura de casas na Grande Lisboa, pelo crescimento do número de agregados familiares residentes, pelo aumento da procura por agregados não residentes e, também, pelo crescimento da procura de espaços habitacionais para outros usos, como Alojamento Local e turismo. “Já do lado da oferta, tivemos, de facto, uma redução do crescimento dos alojamentos e um aumento mesmo muito significativo dos preços”, comenta a coordenadora do estudo que foi, publicamente, apresentado na semana passada.
Embora tenha sido registado um “crescimento residual” do número de casas na AML na última década, o aumento da procura de casas foi um incentivo à utilização do parque habitacional existente para fins habitacionais, reduzindo em 14% o peso dos alojamentos vagos. Ainda assim, há muito trabalho a fazer, já que continuam a existir cerca de 160.000 casas vazias na Grande Lisboa. E é o município da capital que apresenta um maior número de casas desocupadas (quase 48.000).

A questão é que há, hoje, um conjunto de incentivos à mobilização do parque habitacional para o mercado residencial da AML:
- IVA a 6% na reabilitação de imóveis com mais de 30 anos, dentro ou fora das Áreas de Reabilitação Urbana (ARU’s);
- Agravamento do IMI de imóveis devolutos em zonas de pressão urbanística;
- Apoios à eficiência energética que incentivam obras de reabilitação;
- Maior rentabilidade do investimento, dada a subida dos preços das casas.
“Se temos incentivos fiscais à reabilitação e, se sabemos que, nesta altura, pela rendibilidade que a colocação no mercado dá, não há problema de sustentabilidade da própria obra (...) parece-me que não há desculpa, de facto, para estes imóveis não virem para o mercado”, conclui Ana Pinho na mesma entrevista.
"Ainda há espaço na área metropolitana para aumentar a oferta por via da maior mobilização dos alojamentos"
No lado dos municípios e da própria AML, há já vários trabalhos em marcha, muitos deles no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Mas, se nada fosse feito no domínio da habitação, a dinâmica atual do mercado poderia "colocar em risco o desenvolvimento futuro da AML e, consequentemente, do país”, refere o estudo. Porquê?
Com os preços das casas em alta, se nada fosse feito “poderia levar a que os agregados fiscais nacionais, residentes na área metropolitana, começassem a deixar de ter condições para se manterem fixados na AML (…), sobretudo num momento em que sabemos que a situação tem tendência a agravar-se, dada a alta inflação e taxas de juro”, analisa Ana Pinho. E se todas as famílias em mobilidade não tiverem condições para se fixar “podemos chegar a um ponto que não temos sequer mão de obra, trabalhadores”, refere. Ainda assim, destaca na mesma entrevista que “esta não é, contudo, a situação que temos, já que há vários projetos habitacionais a avançar. Temos é de ter a certeza de que o que estamos a fazer chega”, conclui.
O idealista/news passou a pente fino o estudo “Diagnóstico das Condições Habitacionais Indignas da Área Metropolitana de Lisboa”, elaborado por uma equipa da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa por iniciativa da AML, que contou com a colaboração dos seus 18 municípios. E, a propósito desta publicação, entrevistou a coordenadora do estudo Ana Pinho - que abraçou a liderança do projeto junto de Luís Carvalho e David Vale - sobre as principais conclusões acerca do passado, presente e futuro da habitação na Grande Lisboa.

“Os desafios colocados em matéria de disponibilidade de habitação na AML agudizaram‐ se” na última década. Porquê?
Porque tivemos quase uma confluência de vários fatores de pressão. Tivemos o aumento da procura por diferentes fontes:
- Crescimento dos agregados familiares residentes. Em matéria de habitação é mais relevante o aumento dos agregados do que da própria população, porque cada agregado corresponde a uma casa, embora possa ser mais pequena;
- Aumento da procura por agregados não residentes;
- Aumento à procura dos espaços habitacionais para usos alternativos, como Alojamento Local e turismo.
Por isso, do lado da procura, tivemos várias fontes de crescimento. Já do lado da oferta, tivemos, de facto, uma redução do crescimento dos alojamentos e um aumento mesmo muito significativo dos preços. E qualquer uma destas vertentes na área metropolitana foi muito mais forte do que no resto do país. Por isso, esta pressão e estes desafios são, neste momento, muito mais sérios e mais difíceis de enfrentar do que eram há dez anos.
A AML apresentou um crescimento populacional na última década, embora “modesto”, que deverá continuar a “acentuar-se”, dizem no estudo. Mas, em dez anos, o crescimento do número de alojamentos foi "residual" e “consideravelmente inferior” ao aumento do número de agregados familiares. O que explica esta “quase estagnação” do alojamento em Portugal e na Grande Lisboa?
Portugal continua com um rácio de alojamentos por agregado superior à média europeia. Acontece que o aumento do número de alojamentos foi residual face ao crescimento dos agregados. Ou seja, o número de agregados aumentou, de facto, muito mais do que o número de alojamentos. Não obstante, na Área Metropolitana de Lisboa houve duas tendências muito significativas a este nível:
- uma redução significativa dos alojamentos vagos, que desceram 14%. E se analisarmos o país sem a área metropolitana, o peso dos alojamentos vagos na totalidade dos alojamentos aumentou. Portanto, é à AML que se deve a redução dos alojamentos vagos a nível nacional (de -2%).
- um quinto dos alojamentos não estão a ser utilizados para habitação.
Ou seja, o facto de não ter havido um aumento da disponibilidade do número de alojamentos, não quer dizer que não tenha sido mobilizado mais o parque existente - e isso parece-nos bom. E, por outro lado, também temos de ver que a área metropolitana tem menos terrenos, e afins, que outras áreas do país. E está a mobilizar melhor os recursos que já estão instalados.
Falta, no entanto, fazer muito aqui. Como dissemos, ainda temos 160.000 alojamentos vagos. E temos, ainda, um quinto dos alojamentos vagos ou com outros usos. Por isso, ainda há espaço na área metropolitana para aumentar a oferta, por via da maior mobilização dos alojamentos. Além de ser claro que, em alguns casos, poderá justificar-se também um aumento da oferta global, ou seja, construir mais alojamentos ou reabilitar edifícios para esse fim.
"Se temos incentivos fiscais à reabilitação e se sabemos que, nesta altura, pela rendibilidade que a colocação no mercado dá não há problema de sustentabilidade da própria obra, parece-me que se justifica também que seja mobilizado o agravamento extraordinário do IMI para os imóveis devolutos em zonas de pressão urbanística pelos municípios"
Os alojamentos vagos, são, portanto, casas que não estão de momento habitadas e que eventualmente precisam de obras?
Sim. Quer dizer, os dados que temos do INE não nos dizem o estado das casas. Neste momento não conseguimos perceber se estes alojamentos vagos estão ou não em bom estado de conservação. Mas a probabilidade altíssima será que necessitem de obras.
Que mudanças é que pode haver na estratégia para colocar estes 160.000 alojamentos vagos no mercado da Grande Lisboa? E o que incentivou, afinal, a utilização do parque habitacional existente para fins habitacionais, reduzindo em 14% o número de casas vazias nos últimos dez anos?
Estando a falar numa zona do país que está com grande pressão de procura e onde o acesso à habitação é tão difícil, deve haver políticas, por um lado, que incentivem a realização de obras. E sabemos que passou a haver fatores que incentivaram a mobilização do parque. Há quatro ou cinco anos, só nas ARU é que a reabilitação tinha IVA a 6% - um valor significativo. Neste momento, para qualquer imóvel habitacional com mais de 30 anos, a reabilitação, mesmo fora das ARU, tem incentivos fiscais (IVA a 6%).
Adicionalmente, temos também o agravamento do IMI – embora o agravamento extraordinário não tenha sido mobilizado ainda pelos 18 municípios - que também é dissuasor da manutenção de edifícios vagos de habitação em áreas onde é de interesse público e de interesse de todos que se aumenta essa oferta. O agravamento do IMI é muito considerável, já que em zonas de pressão urbanística é exponencial. Ou seja, o IMI aumenta de forma exponencial, sendo que passado sete anos já se está a pagar 25% do VPT em imposto e, por isso, não compensa. Acresce a isto também um conjunto de instrumentos, seja o reabilitar para arrendar, seja os apoios para o aumento da eficiência energética, que incentivam adicionalmente as obras de reabilitação. E tem também de ser tido em conta que o aumento dos preços implica um aumento da rentabilização do investimento.
Este tipo de instrumentos pode ser, de facto, mobilizado pelos municípios para pressionar a entrada dos devolutos no mercado. Ou seja, se temos incentivos fiscais à reabilitação e se sabemos que, nesta altura, pela rentabilidade que a colocação no mercado dá não há problema de sustentabilidade da própria obra, parece-me que se justifica também que seja mobilizado o agravamento extraordinário do IMI para os imóveis devolutos em zonas de pressão urbanística pelos municípios, que já está também previsto na lei. Ou seja, não há, de facto, razão nem desculpa para estes imóveis estarem vazios e não virem para o mercado.
Acrescentaria ainda que está neste momento a ser elaborado ainda mais um instrumento que poderá ser utilizado, que é a elaboração da Carta Municipal de Habitação, que está a avançar. E, depois, declarando a necessidade habitacional também do município de Lisboa, mobilizar-se-á os instrumentos que estão disponíveis por essa via.
Neste sentido, os incentivos fiscais têm um papel importante para mobilizar a construção e reabilitação de casas?
Eu penso que sim. Neste momento, a reabilitação e a construção nova para disponibilização de habitação a custos acessíveis já está com IVA a 6%. E isso é uma diferença muito significativa. Estamos a falar de quase 20% do custo.
Estes incentivos fiscais têm realmente mobilizado mais promotores e construtores a apostar na construção e reabilitação?
É o seu conjunto, porque tudo junto acaba por mexer com o mercado. Se têm um regime fiscal mais favorável, se têm maior rentabilidade do investimento e se não fizerem nada, têm condições agravadas e têm maiores custos. Tudo isto, em conjunto, contribui para o mesmo fim. Normalmente não há balas de prata. Normalmente é preciso um conjunto de fatores para, de facto, mudar uma realidade.

O preço das casas à venda subiu 38,4% nos últimos 3 anos. E o valor mediano das rendas aumentaram 53% em 4 anos e meio. O que explica a subida as rendas ser bem superior ao aumento do preço das casas? A procura pelo mercado de arrendamento ganhou força nos últimos anos? Porquê?
Como os dados do INE não têm mesmo intervalo temporal entre as rendas e o preço das casas vendidas, não pode ser feita uma relação direta. Mas, de facto, o aumento das rendas tem como fatores o aumento da própria procura e o aumento da capacidade e da disponibilidade da procura para pagar - porque sabemos que, neste momento, temos uma procura na área metropolitana de agregados com rendimento superior aos agregados que residem na própria AML. E acresce também a isso termos muito pouca oferta de arrendamento, o que causa ainda maior pressão sobre o setor. Ou seja, há custos acrescidos que advêm de a oferta ser muito reduzida quando comparada com o regime de compra e venda.
No estudo recordam que durante a crise económica houve uma pressão adicional da procura no arrendamento derivada da redução da concessão de créditos habitação. Considera que pode acontecer agora um cenário semelhante, dada a inflação e o aumento de juros nos empréstimos da casa?
Sim, poderá acontecer. E não só. A adequação do arrendamento aos novos modos de vida é muito alta. Era muito importante para Portugal ter um mercado de arrendamento mais saudável e mais equilibrado, que também para isso precisa de ser maior. Porque, de facto, o regime de compra e venda é um regime muito mais rígido. Hoje em dia, as pessoas têm maior mobilidade profissional, familiar, até pelo estilo de vida, e a compra e venda muitas vezes tem dificuldade em responder a isto. Em casos de divórcio é muito complicado resolver o problema da hipoteca entre ambas as partes. Portanto, há um conjunto de fatores que torna o arrendamento um regime muito atrativo, do ponto de vista da forma de ocupação, num momento em que a vida é mais dinâmica.
O nosso problema é que apesar de o mercado de arrendamento ter essa atratividade, nós não temos uma oferta que acompanhe. E isso coloca uma pressão extraordinária até para as famílias de menores rendimentos, porque com a pouca oferta e as rendas a subir, quem não tem acesso à compra e venda fica, de facto, numa situação muito difícil.
Dada a subida dos preços das casas, 62% (cerca de 942 mil) dos agregados com residência fiscal na AML encontram‐se em situação de inacessibilidade habitacional, quer por via da aquisição ou do arrendamento. A desigualdade entre a subida dos preços das casas e dos rendimentos familiares pode explicar esta situação? Agravou-se nos últimos anos e vai continuar a piorar?
O que ocorreu nos rendimentos está na base desta situação. As nossas estimativas estabelecem uma relação entre rendimentos e preços (custos), usando os últimos dados do INE para a aquisição de casas e arrendamento, para as três áreas de habitação estudadas, que foi 70 metros quadrados (m2), 90 m2 e 120 m2. E verificámos que a uma percentagem muitíssimo alta da população que se tiver de ir agora ao mercado terá de despender mais de 40% do seu rendimento. E foi essa a medida que nos deu a tal inacessibilidade à habitação. Ou seja, aos preços atuais, tendo em conta os sentimentos atuais para os municípios de residência, estes agregados só com custos muito altos, bem acima dos 40% é que conseguem aceder a uma habitação adequada no seu município de residência.
Quais são as alternativas para as famílias que não podem despender mais de 40% do seu rendimento?
Claro que cada caso é um caso. Há sempre situações diferentes. Tem tido como consequências consoante o tipo de agregado:
- a permanência numa habitação que pode eventualmente já ser pequena, ou seja, optarem por não mudar, apesar das condições já não serem as que pretendidas;
- os jovens ficarem até mais tarde em casa dos pais e adiarem a sua autonomização;
- a família move-se para um outro município com valor mais baixo e normalmente mais distante da capital;
- nos casos dos agregados com rendimentos mais baixos, pode haver mesmo situações de ficarem ou sem alternativa, ou em casa de amigos, ou de ter o acesso a uma habitação pública.

Considera que o contexto atual de inflação, subida dos custos dos materiais de construção e falta de mão de obra no setor, podem influenciar este processo?
É obvio que uma limitação de capacidade de resposta do setor é sempre limitadora. As obras públicas também a começar a acelerar, até pela via da implementação do PRR, pelo que, de facto, vai haver uma solicitação extraordinária relativamente ao nosso setor da construção, que irá ainda colocar aí mais pressão no mercado. Ou seja, temos de ter a preocupação de encontrar soluções para que o setor da construção tenha capacidade de responder a todas as iniciativas para realização de obras, que já estão a ocorrer e que se esperam que venham a acelerar nos próximos tempos, até por via do PRR.
Há ainda quem tenha teto, mas viva em condições indignas, como é o caso de 50.417 agregados na AML. E 26.634 famílias estão em situação de “insalubridade e insegurança”. Como se chegou até aqui?
Nós tivemos, de facto, praticamente uma estagnação da resposta às famílias que vivem em condições habitacionais indignas, desde o Programa Especial de Realojamento, lançado em 1994. Por muito tempo considerou-se quase que se construía uma casa e dava-se resposta a estas situações. Aqui estamos a falar de famílias que têm rendimentos muito baixos e cuja solução habitacional é dada, normalmente, por oferta pública e segundo um regime de arrendamento apoiado, que é um regime no qual a renda é paga proporcionalmente aos rendimentos baixos destas famílias. Mas não basta a produzir a habitação pública, é preciso, depois, ter meios para conseguir fazer a manutenção e a conservação corrente desta habitação, porque os rendimentos que dela vêm por via das rendas, são muito inferiores aos custos da gestão corrente. E esses instrumentos não estiveram implementados em Portugal. Ou seja, os municípios que têm grandes parques de habitação social não tinham instrumentos para recorrer no sentido de reabilitar esse próprio parque, estando tudo à sua responsabilidade.
E, note-se, que quanto maior é a resposta que o município dá, maior é a despesa anual que tem com esse mesmo parque. Ou seja, é preciso não só prover a habitação, como depois é preciso um apoio público continuado de manutenção destas famílias no regime de arrendamento apoiado, que permita cobrir o diferencial entre a renda recebida e o custo para conservação e manutenção do parque. Porque é muito injusto, num certo sentido: os municípios que mais se empenharam em ter estas respostas de habitação social são aqueles que depois continuam a ter um esforço maior e que, muitas vezes, nestes casos, têm o parque a necessitar de obras.
"Nós temos, por via do PRR, muito mais financiamento do que tivemos nos 25 anos de grande investimento em políticas públicas de habitação"
Que soluções podem ser desenhadas para dar habitação de forma rápida a estas famílias mais vulneráveis?
A habitação não é instantânea. Tal como, por exemplo, no ensino superior, ninguém pode decretar que no dia seguinte alguém é licenciado. Por isso, nós temos sempre de mover-nos no mundo real. Posto isto, nós temos neste momento um instrumento poderosíssimo para atuar nesta matéria. Nós temos, por via do PRR, muito mais financiamento do que tivemos nos 25 anos de grande investimento em políticas públicas de habitação. Acho que temos os instrumentos, os instrumentos estão a andar, os municípios da área metropolitana já submeteram um número muito alargado de candidaturas, mas temos de perceber que não é possível que a situação se resolva de um dia para o outro, até porque temos as questões da contratação pública, dos projetos, das obras, etc. O PRR tem como limite o primeiro semestre de 2026 e se for possível executar todo este financiamento até esta data, já estaremos a fazer algo muito significativo.
A construção modelar e pré-fabricada está em cima da mesa para dar casas a estas famílias?
A construção modular, em alguns casos poderá ser adequada, seja o edifício todo ou parte dele. Mas não acho que seja a solução para todos os problemas. Não acho que existam no domínio da habitação soluções “expresso douradas”. É preciso mesmo muito trabalho e tempo. E há que ter em conta que parte significativa destas situações serão por via da reabilitação de habitações ocupadas, onde também aí não será certamente por via da construção modular. Nos casos em que este tipo de construção tenha pertinência, avaliando a celeridade e qualidade, faz sentido. Mas só mesmo nestes casos.
Tem conhecimento se há novos instrumentos e políticas de apoio à conservação e manutenção destas casas que estão em condições indignas?
Parte significa, ou quase a totalidade dos casos identificados na Área Metropolitana de Lisboa estão neste momento a ser candidatados ao PRR, exatamente porque já não oferecem condições adequadas. Por isso, no âmbito do próprio PRR, os municípios estão-se a mexer bastante para conseguir não só oferecer mais habitação, como garantir que o seu parque oferece condições dignas de habitabilidade.

Na apresentação deste estudo foi referido que o plano de habitação na Área Metropolitana de Lisboa prevê aumentar a oferta de habitação pública, por via da reabilitação e da construção nova. Será que chega? Como influencia os preços do mercado?
O plano de ação prevê a reabilitação do parque público, mas também a disponibilização de mais oferta pública, parte dela pela reabilitação, parte dela pela construção de novos fogos. O plano de ação está somente orientado para as condições habitacionais indignas e não fez o levantamento das iniciativas dos municípios ao nível da habitação acessível – embora existam -, por não ter sido objeto do estudo realizado há dois anos. Como estas respostas têm como público-alvo famílias mais vulneráveis, que estão fora do mercado, a sua influência nos preços do mercado é limitada. Ainda assim, é uma resposta importantíssima para exatamente garantir o direito à habitação a quem não tem qualquer hipótese de ir ao mercado.
A oferta pública que terá um impacto maior no aumento da oferta de mercado - ou seja, em dar resposta às famílias que estão a tentar ir ao mercado e não conseguem sem gastar um rendimento elevado – será, de facto, a oferta pública para habitação acessível levada a cabo pelos municípios. Porque essa, sim, permitirá aumentar a oferta disponível a custos mais baixos a famílias que, neste momento, estão a tentar ir ao mercado e são obrigadas ou a pagar preços muito elevados ou a mover-se no território.
"Se todos aqueles que estejam em mobilidade (...) não tiverem condições para se poder fixar na área metropolitana, podemos chegar a um ponto que não temos sequer mão de obra, trabalhadores, não temos pessoas"
Se nada fosse feito ao nível da habitação, o futuro da AML e do país pode estar em risco, concluem. A que nível? Quais as consequências que a falta de habitação trará para a capital? E para o país?
Já há trabalho a acontecer. Vamos ver é quanto é que a área metropolitana consegue fazer (os seus 18 municípios), quanto é que o Estado consegue fazer. Só por via do PRR temos algo que nunca tivemos: temos agora, grosso modo, o dobro do investimento em cinco anos do que tivemos nos 25 anos dourados da promoção pública para habitação de interesse social.
Agora, o aumento do preço de venda já está a atingir o limite territorial da área metropolitana – e provavelmente já está a ultrapassar os próprios limites da AML. Isso quer dizer que se nada fosse feito (…) isto poderia levar a que os agregados fiscais nacionais, residentes na área metropolitana, começassem a deixar de ter condições para se manterem fixados na AML, particularmente aqueles que precisam de ir ao mercado. Sobretudo num momento em que sabemos que a situação tem tendência a agravar-se, dada a alta inflação e as taxas de juro. Esta não é, contudo, a situação que temos, já que há vários projetos habitacionais a avançar. Temos é de ter a certeza com o que estamos a fazer chega.
Também importa não esquecer que temos muitas famílias com casa própria e que provavelmente não necessitarão de recorrer ao mercado. Mas se todos aqueles que estejam em mobilidade – desde estudantes, a jovens que queiram autonomizar-se, passando por famílias que se desdobram por motivos de divórcio ou aquelas que querem arrendar uma nova casa – não tiverem condições para se poder fixar na área metropolitana, podemos chegar a um ponto que não temos sequer mão de obra, trabalhadores, não temos pessoas. Temos grandes universidades e os alunos não podem vir. Queremos instalar grandes empresas e não temos quem trabalhe nelas. Ou seja, em última análise, torna até insustentável o desenvolvimento e o crescimento da região.
Nós temos de conseguir garantir que as pessoas têm condições para residir neste território. Falamos de professores, falamos de médicos, falamos também das pessoas que trabalham na restauração e hotelaria. Se os turistas que vierem, não tiverem ninguém que os sirva, certamente também deixarão de vir. E, por isso, é muito urgente ter este equilíbrio. E a importância que a área metropolitana tem para o desenvolvimento do país, torna esta uma questão também nacional.

1 Comentários:
Será que na capital existem mesmo 48000 casas por habitar?! Acredito que muitas delas estão ocupadas por "familiares", ou filhos de amigos que vieram estudar para Lisboa, ou... Mas que devido aos 25% (vá, 22 a 28%) de impostos a pagar pelo senhorio muitos não são declarados.
Isto é que deveria ser revisto. Criar mecanismos para benefícios aos arrendamentos (isenção de IMI, isenção/redução de impostos, deduções extra em IRS...) em especial em locais de grande pressão e/ou necessidade de alojamentos.
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