
Depois de um ano de recordes, 2023 apresenta-se como um ano de consolidação para o imobiliário português. De acordo com a consultora Savills, o setor “continuará a funcionar como reserva de valor”, apesar da volatidade do mercado e possível “ajuste de expectativas”. Sobre o setor paira uma nuvem de “cautela”, mas também um sentimento de “moderado otimismo”. Há confiança na capacidade de Portugal para continuar a atrair investimento, apesar dos muitos desafios e “velhos” problemas que é preciso resolver. Um deles, é a falta de habitação.
Apesar do contexto macroeconómico, e expectável abrandamento do mercado, os especialistas dos diferentes segmentos da consultora preveem que o imobiliário continue dinâmico, e a dar provas da sua resiliência. Dos escritórios ao retalho, passando pelo industrial e logística, até ao segmento residencial: a procura continua a ser muito superior à oferta.

“Toda a gente estava à espera de uma hecatombe do mercado imobiliário ao longo deste ano. E há de facto indicadores macroeconómicos que apontam para maior cautela que aquela que tem sido aqui transmitida. Contudo, eu gostava de sublinhar que aquilo que aqui está a ser transmitido é aquilo que nós sentimos no mercado”, começa por dizer Paulo Silva, Head of Country da Savills Portugal, num encontro com jornalistas esta segunda-feira, 30 de janeiro de 2023, para fazer um balanço de 2022 e traçar perspectivas e tendências para este ano.
O responsável frisa que, perante a realidade atual, “pode haver alguma confusão” por parecer haver uma espécie de mercado a duas velocidades. “Um mercado que, por um lado, deveria ter um comportamento de reserva, em função dos indicadores macroeconómicos, mas que, por outro, está cada vez mais exposto. Temos muitos operadores que vêm de fora, nomeadamente ao nível da procura, e são estes que estão, de certa forma, também a influenciar positivamente aquilo que se passa”, refere, frisando que “a procura continua aí e continua ativa”.
Problema da habitação não se resolve sem intervenção do Estado
No segmento residencial, tudo levaria a crer que o cenário de alta inflação e juros altos conduziria a uma estagnação de preços, mas a realidade é que estes continuam a subir, tal como explica Miguel Lacerda, Head of Residential da Savills. Está a “sentir-se algum impacto”, segundo o responsável, mas a falta de oferta continua. Um cenário que está a dificultar o acesso à habitação a muitas famílias.
Paulo Silva, Head of Country da Savills Portugal, antecipa vários problemas que vão continuar “sem resolução”, nomeadamente a falta de casas para a classe média ou habitação social. “Infelizmente”, diz, quem tem capacidade de resposta sobre este problema “continua a assobiar para o lado” como se “não tivesse nada a ver com isto”. “Estou a falar do Estado e das câmaras municipais”, salienta. Para o responsável, enquanto os projetos demorarem o tempo que demoram a ser aprovados, "não vamos ter uma solução". "Enquanto o Governo não tomar uma decisão, não tomar consciência, em primeiro lugar, que faz parte da solução, o problema vai continuar”, refere.

“Todos temos direito comprar ou arrendar uma casa. E quem não tem condições nem para comprar, nem para arrendar, tem te ter direito à habitação social. Ora se o Governo não fornece nem cria condições para fornecer habitação, continuamos aqui com este problema para ser resolvido”, sublinha.
"Imobiliário é o patinho feio do Governo"
Miguel Lacerda enfatiza a mesma a ideia, referindo que o problema da falta de casas resolve-se, por exemplo, reduzindo o impacto fiscal na construção, assim como a “burocracia inacreditável” que existe em Portugal, que “demora anos a aprovar um projeto".. O especialista lembra que este cenário afasta investidores e paralisa o mercado. "Havendo mais oferta no mercado, os preços vão sofrer naturalmente uma redução ou pelo menos uma estabilização, que é o que o está a acontecer na maior parte dos países da Europa neste momento, mas porque não existe este problema de pouca quantidade de construção que existe cá", explica.
"É o setor privado e investimento internacional que vai levando tudo isto para a frente"
Patrícia de Melo e Liz, CEO da Savills Portugal
"Os processos de licenciamento não ajudam e são desencorajadores para os investidores. É algo gritante que vivemos há muitos anos. O mercado imobiliário é o patinho feio do Governo, tão mal tratado que é e tanto que dá ao país. É um antagonismo que temos, mas é a realidade. É o setor privado e investimento internacional que vai levando tudo isto para a frente. Há muito que se poderia fazer, e podemos congratular-nos por conseguir fazer tanto neste mercado que podia ter a vida mais facilitada com medidas concretas", frisa Patrícia de Melo e Liz, CEO da Savills Portugal.
Para os especialistas, são “velhos”, portanto, os problemas que continuam a travar a nova construção. Além destes, a consultora aponta a instabilidade legislativa e fiscal, e a falta de incentivos ao investimento, como entraves à criação de mais oferta.
Alberto Henriques, Investment Director na Savills, salienta que "inconsistência na regulamentação pode afastar intenções de investimento" e que "isto se tem verificado em vários segmentos". "Não podemos esquecer que estamos a competir com outras geografias. E se outros apresentam um clima mais estável, saimos a perder como destino de investimento", remata.
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