
Tornar as cidades mais humanas e acessíveis, mais respiráveis e com mais espaços para crianças, para idosos. Defender o interesse pelo bem comum e melhorar a qualidade de vida. Carlos Moreno, investigador de renome internacional e conselheiro de planeamento urbano de Anne Hidalgo, autarca de Paris, defende uma cultura de proximidade e considera que é preciso romper com o urbanismo que conhecemos para transformar a vida nas metrópoles. Diz que é preciso, por exemplo, regulamentar a habitação, e lembra que uma “casa vazia é uma perda de comércio local, uma perda de restaurantes, uma perda de compras, de proximidade”.
Carlos Moreno, especialista em urbanismo, é o criador do conceito de “Cidade de 15 minutos”, a base da revolução urbana, aquela que permite ao cidadão ter seis necessidades essenciais garantidas num quarto de hora:
- habitação,
- trabalho,
- compras,
- educação,
- saúde
- lazer.
O académico está a ajudar a implementar o conceito em Paris, que quer tornar-se uma cidade de proximidade, repensando a utilização de um certo número de instalações existentes, como os pátios escolares, imaginar novos como quiosques de cidadãos ou "clubes sociais desportivos" e adaptar a gestão local de determinados serviços públicos. Tudo isso, 15 minutos a pé ou 5 minutos de bicicleta, à semelhança de várias cidades como Ottawa, Copenhague ou Melbourne, que também estão a trabalhar nessa forma de nova urbanidade. O conceito exige o fim de uma cidade fragmentada, onde muitas atividades dependem de viagens de carro ou de transporte público.
O docente esteve em Madrid para a promoção do seu livro “La revolución de la proximidad. De la ciudad mundo a la ciudad de los quince minutos”, e nesta entrevista ao idealista/news, explica por que é que ruas sem carros, com mais lojas e jardins, e o bairro como centro da vida urbana pode tornar as cidades (e os cidadãos) mais felizes. E fala do efeito nefasto que podem ter as "casas vazias" na vida das cidades.
Como fazer qualquer mudança nas cidades quando tudo é politizado?
É uma tarefa que se torna cada vez mais complicada. Diante das mudanças climáticas como uma ameaça global nas cidades, não só para os cidadãos, mas para a civilização humana, neste século é preciso ter coragem política. E quando falo de política não estou a falar de partidos, não estou falar de cor, estou a falar da raiz política, ‘polis’, que em grego significa interesse pelas coisas. O interesse pelas coisas é o bem comum, tudo aquilo que nos permite melhorar a qualidade de vida.

O que é que está em causa?
Queremos mudar o modo de vida para ter menos impacto no clima, para reduzir o aumento da temperatura. Estamos a falar de melhorar os serviços, de ter um ar mais respirável, de uma cidade mais amiga, de uma economia mais próspera localmente, de ter espaço para as crianças, para os idosos... Estamos a falar de devolver à cidade o caráter humano que perdeu há 70 anos. O abuso do espaço público dedicado essencialmente aos automóveis. Acreditávamos com o urbanismo moderno que o sucesso de uma cidade era ir mais rápido e mais longe. E mudar esse modelo hoje efetivamente choca com aqueles que consideram que isso é normal e que significa liberdade. A liberdade de passar três horas num engarrafamento.
Estamos a falar de melhorar os serviços, de ter um ar mais respirável, de uma cidade mais amiga, de uma economia mais próspera localmente
No seu livro fala sobre a paralisação que a pandemia trouxe para as cidades, porém, voltamos às mesmas condições anteriores: engarrafamentos com apenas uma pessoa dentro de um carro...
Antes da pandemia, pensava-se que trabalhar remotamente encorajava a preguiça. E temos visto o contrário acontecer, até a produtividade aumentou. Quando falamos dos carros com apenas uma pessoa, estamos a colocar o dedo na ferida e onde dói porque estamos a falar desse carro sozinho que privatiza o espaço público de todos sem gerar economia, sem gerar comércio local, interações sociais. Não é uma questão de carros ou sem carros. A realidade é que esse trânsito ameaça a qualidade de vida e a saúde. Não é possível, ainda mais quando temos alternativas de transporte público. Não é uma questão de autoridade, é uma questão do que oferecemos como futuro. Não apenas nós, mas os nossos filhos e netos. Porque o futuro depende disso. É fundamental mudar a mentalidade.
E como mudar essa mentalidade?
A mudança de mentalidade na vida urbana obedece a um princípio, e vamos repeti-lo três vezes. Educação, educação, educação. É preciso educar as pessoas nas suas mudanças essenciais. É preciso explicar. Geracionalmente, essa mudança está em andamento.
A mudança de mentalidade na vida urbana obedece a um princípio, e vamos repeti-lo três vezes. Educação, educação, educação
Estamos a falar de uma época em que certas classes sociais iam às compras de charrete e paravam em frente à loja, entravam e saíam. Essa imagem é aquela que se quer preservar, de que é preciso conduzir até ao escritório ou até o local onde se vai comprar o jornal ou o pão. Porque quando se oferece a pedonalização e dizem que o comércio vai acabar, todas as estatísticas mostram o contrário. O comércio é mais incentivado pelos pedestres porque nunca vemos um carro a entrar uma loja para comprar. Em vez disso, pedestres, muitos.

Como se faz a cidade de 15 minutos quando o preço das casas, para compra ou arrendamento, expulsa os próprios moradores dos centros urbanos?
Antes de tudo, temos que romper com 70/80 anos de urbanismo moderno baseado no zoneamento, na especialização: bairros corporativos, turísticos, residenciais, de classe média... Estamos em 2023 e vivemos com um zoneamento que segrega economicamente, com base no rendimento, e que segrega culturalmente. Além disso, com as plataformas digitais é possível arrendar apartamentos inteiros só para as pessoas visitarem a cidade. Estamos a obedecer a padrões que nada têm a ver com a qualidade de vida da população, mas beneficiam determinados setores. Por isso, quando falamos de cidades de 15 minutos, estamos a falar de uma cidade social, de lugares que atendem a múltiplos propósitos. E estamos a falar de reinventar o turismo sustentável, porque há muitos lugares espetaculares que não são conhecidos porque não fazem parte da lista dos dez que devem ser visitados em autocarros utilizados por turistas que ficam 24h ou 48 horas.
Vivemos com um zoneamento que segrega economicamente, com base no rendimento, e que segrega culturalmente.
Mas como é que se alcança essa transformação?
Estamos a falar de uma palavra que arrepia os conspiradores, a palavra regulação. As cidades não podem viver sob a lei da selva. Devem ter um regulamento para a habitação, com o que se aceita como turismo, com o que se aceita como preços. O centro de gravidade recai sobre os autarcas, sobre quem está no poder local, que deve praticar uma política de bem comum que tenha este regulamento como elemento essencial.

Refere-se a uma regulamentação dos preços de arrendamento?
Não estou a falar em regular o preço do arrendamento, estou a falar em regular a acessibilidade a todos os serviços da cidade, entre os quais a forma de estar. Os apartamentos dessas plataformas ficam desocupados 70% do tempo. Devemos lutar contra isso, e o mercado não se autorregula. Um apartamento vazio é uma perda de comércio local, é uma perda de restaurantes, é uma perda de compras, de proximidade. É todo um ecossistema que diminui a cada casa que fica vazia 70% do tempo. Hoje, o novo modelo económico do Airbnb é baseado em lugares vazios com perda de interações. Eles deixam a chave numa caixa com um código, mandam o código e não se vê mais ninguém. O único emprego que se cria é o do pessoal de serviço que faz a limpeza antes e depois. Estamos a desumanizar a cidade e temos que bater com uma regulamentação que impeça que isso aconteça de forma massiva.
Não estou a falar em regular o preço do arrendamento, estou a falar em regular a acessibilidade a todos os serviços da cidade, entre os quais a forma de estar.
Pode dar-nos exemplos de cidades de 15 minutos?
Os 15 minutos que tomei como conceito traduzem-se na prática em muitas implementações, com nomes próprios, porque isto não é um dogma, não é a tábua dos dez mandamentos, é humanismo urbano. Na Austrália é chamado de ‘The 20 Minute Neighborhoods’, altamente desenvolvido em Melbourne, Sydney. Em Ottawa, é chamado de bairro de dez minutos. Em Buenos Aires é chamado de microcentro humano, em Bogotá, os bairros vitais. Cada cidade adapta-se de acordo com seu contexto, a sua cultura.

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