
Aumentar a oferta de casas no mercado, diminuir prazos e agilizar processos são alguns dos objetivos do programa Mais Habitação apresentado pelo Governo. Para isso, o Executivo de António Costa quer avançar com a simplificação dos licenciamentos, uma medida há muito reclamada pelo setor na área do urbanismo. Uma das ideias é acelerar a construção de casas e para isso deixa de ser necessário a licença das autarquias para o arranque das obras. Mas há mais novidades em cima da mesa que serão debatidas na próxima sexta-feira, 19 de maio, no Parlamento.
No passado dia 27 de abril, recorde-se, o Conselho de Ministros aprovou, no âmbito do Mais Habitação, a segunda fase do processo de simplificação de procedimentos administrativos e de reforma de licenciamentos, nomeadamente uma proposta de lei que autoriza o Governo a proceder à reforma e simplificação de licenciamentos em matéria de urbanismo e ordenamento do território, mas que ainda deverá sofrer alterações uma vez que terá de passar pelo crivo da Assembleia da República.
De acordo com a ministra da Habitação, Marina Gonçalves, as medidas para a simplificação da construção de habitação surgem de uma auscultação a todo o setor, incluindo com municípios, projetistas ou empreiteiros, e pretendem dar resposta a seis grandes problemas:
- a complexidade necessária nos processos de licenciamento;
- a morosidade decorrente dos pareceres necessários;
- a ambiguidade dos regulamentos municipais;
- os procedimentos obsoletos e de difícil validação humana;
- a complexidade e onerosidade que decorre da legislação:
- e à escassez de solos para habitação.
O Governo já anunciou algumas medidas para a simplificação da construção de habitação, eliminando ou isentando alguns dos licenciamentos, para fazer face aos atrasos nos processos. Passará a haver, por exemplo, novos casos de isenção, eliminando-se o alvará da licença de construção e a autorização de utilização, sendo esta última substituída por uma comunicação prévia.

Objetivo é também criar um “modelo de deferimento tácito” para as decisões das câmaras municipais, o que garante a aprovação dos pedidos, caso os municípios não cumpram os prazos legais. Também os regulamentos municipais são abrangidos pelas medidas, passando o legislador a definir “de forma mais taxativa aquilo que o regulamento municipal pode prever” e as obrigações que podem ser pedidas às entidades.
Eliminar “exigências excessivas” nos licenciamentos
O plano inclui também a revogação de “exigências excessivas” na construção de habitação, tal como o idealista/news noticiou. “Há aqui um trabalho de revogar tudo o que sejam normas procedimentais que estão hoje num diploma que deveria servir apenas para normas técnicas e eliminar algumas exigências excessivas que eram feitas, nomeadamente no que respeita ao tipo de cozinha ou nas necessidades ou obrigatoriedades das casas de banho”, disse na altura, na apresentação das medidas, Marina Gonçalves.
Os bidés, por exemplo, vão deixar de ser obrigatórios em novos projetos, assim como as banheiras, desde que para isso esteja previsto um duche, tal como explica o Jornal de Negócios. Soluções para cozinhas como “kitchenettes ou cozinhas walk through” também passarão a estar legalmente contempladas.
Cedência de solos do Estado a privados e mudanças de uso
Quanto aos solos, Marina Gonçalves anunciou, além da possibilidade de conversão de solos e edifícios hoje afetos a comércios e serviços para habitação, a possibilidade reclassificação, de forma mais simples, do solo rústico para solo urbano, naquelas que são as zonas contíguas aos solos urbanos.
“É positivo o facto do Governo estar a prever a possibilidade de ceder terrenos devolutos aos privados, isso é muito relevante para o setor”, declarou recentemente o presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), lembrando que a cedência de terrenos a privados para aumentar a oferta de habitação acessível é crucial.
“Este plano de cedência de terrenos a vários players que o Governo está a analisar [é muito importante] para haver um programa de arrendamento acessível que funcione. Aplaudo o facto de o Executivo estar a trabalhar nisso”, disse Hugo Santos Ferreira numa das suas intervenções no âmbito do SIL 2023, que decorreu em Lisboa.
Nova plataforma online de licenciamento
Pretende-se criar ainda uma plataforma online que, além de simplificar e de concentrar num único sítio a apresentação dos pedidos, vai permitir aos cidadãos consultar o estado dos processos e os prazos e receber notificações de avisos eletrónicos ou obter certidões de isenção de procedimentos urbanísticos.
Segundo o Governo, e focado mais na área da digitalização, um dos grandes avanços que irá ocorrer será a utilização do BIM - uma sigla inglesa para Building Information Modeling - uma metodologia de trabalho que utiliza o modelo 3D para representar e gerir informações sobre um edifício ou uma infraestrutura, que será implementada de forma faseada.

Setor mostra-se satisfeito com as medidas
Os atrasos nos licenciamentos têm sido apontado como um dos principais problemas que trava a colocação de mais casas no mercado e que gera a subida dos preços das habitações. E por isso as novas regras têm sido aplaudidas pelos especialistas do mercado imobiliário.
“Estamos sintonizados com esta proposta naquilo que é o aliviar dos ‘timings’ do licenciamento. Acho que beneficia os prazos do projeto e a confiança pública depositada pelo Governo nas peças de engenharia”, disse ao Jornal Negócios o bastonário da Ordem dos Engenheiros (OE), Fernando Almeida Santos. Para este especialista, o “Governo está a mexer em coisas que já deviam ter sido alteradas há muito tempo”.
Em declarações à mesma publicação, João Tiago Silveira, ex-secretário de Estado da Justiça, o coordenador da proposta do Governo, explica que com esta simplificação dos processos urbanísticos, as câmaras serão obrigadas a reverem procedimentos e a reorganizarem-se, deixando de “poder pedir mais do que é necessário”. “O que queremos é simplificar tudo o que for necessário, dar condições para que os processos possam andar rapidamente e haver mais fiscalização. E dizemos muito claramente o que não pode ser pedido a mais em relação ao que está na lei”, explica.
A desburocratização é bem-vinda, mas os autarcas presentes no Salão Imobiliário de Portugal (SIL 2023), que decorreu na primeira semana de maio, na FIL, alertam que a simplificação dos licenciamentos traz perigos e que, por isso, é necessário apostar na fiscalização.
Para Carlos Moedas, presidente da autarquia de Lisboa, “é preciso termos cuidado com as mudanças, porque a simplificação requer mais fiscalização e neste momento não temos”. Do lado da Câmara Municipal do Porto, “a simplificação dos licenciamentos é bem-vinda”, assume Pedro Baganha, Vereador do Pelouro do Urbanismo e Espaço Público e Pelouro da Habitação. Mas alerta, no entanto, que esta medida “tem aspetos positivos, mas tem também aspetos bizarros”, nomeadamente “o perigo da responsabilização dos técnicos e das autarquias”.
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