Cedência de património público devoluto aos privados para aumentar oferta de habitação faz parte do Mais Habitação do Governo.
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Cedência de imóveis do Estado aos privados na mira do Governo
Foto de Wendell Adriel na Unsplash

Aumentar a oferta de casas a preços acessíveis, com rendas que possam ser pagas pela generalidade das famílias portuguesas, é um dos objetivos a que o Governo se propõe com o programa Mais Habitação. Uma das medidas para atingir esse fim passa pela cedência de património público devoluto (imóveis e terrenos) aos privados, de forma a que possam construir habitação acessível. Os players do setor concordam que este é um dos caminhos a seguir e mostram-se expectantes quanto ao que o diploma final – é debatido no Parlamento dia 19 de maio de 2023 – vai definir. “Há que montar um plano de cedência de terrenos bem montado”, avisa Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII).

Este foi um dos temas abordados na sexta-feira (5 de maio de 2023) durante as conferências do SIL Investment Pro – Powered by APPII, que se realizaram no âmbito Salão Imobiliário de Portugal (SIL), para discutir "O Estado da Nação da Habitação". “É positivo o facto do Governo estar a prever a possibilidade de ceder terrenos devolutos aos privados, isso é muito relevante para o setor”, referiu o responsável, lembrando que a cedência de terrenos a privados para aumentar a oferta de habitação acessível é crucial. 

“Este plano de cedência de terrenos a vários players que o Governo está a analisar [é muito importante] para haver um programa de arrendamento acessível que funcione. Aplaudo o facto de o Executivo estar a trabalhar nisso”, disse Hugo Santos Ferreira numa das suas intervenções. 

Estado da promoção imobiliária em Portugal
Hugo Santos Ferreira, presidente da APPII Frederico Weinholtz

Questionado sobre o tema, num outro painel da conferência, Daniel Tareco, Board Member da promotora imobiliária Habitat Invest, reconheceu que esta é sem dúvida uma boa medida. Adiantou, no entanto, que é preciso esperar pelas cenas dos próximos capítulos para ver o que vai sair do papel sobre o plano de cedência de terrenos do Estado aos privados. “É uma ideia muito embrionária, por isso temos de saber mais detalhes. À partida pode ser uma ideia positiva, mas temos de saber de que forma, com que condições etc.”.

Apostar em parcerias público-privadas, como na Bélgica

Também Claude Kandiyoti, Chief Servant Office da promotora imobiliária de origem belga Krest Investments, abordou este assunto, salientando que Governo e privados têm de estar em sintonia e trabalhar de mãos dadas rumo a um objetivo comum: o de trazer ao mercado mais habitação acessível, em concreto para o segmento do arrendamento. A solução, defende, passa pela aposta em parcerias público-privadas, à semelhança do que acontece em outros países.  

“Temos a experiência de Bruxelas (Bélgica) e da Polónia, onde estamos presentes. Em Bruxelas somos um dos maiores promotores de habitação acessível, porque há um programa que funciona bem, com entidades acreditadas que tratam dos arredamentos acessíveis. Existe uma supervisão que controla os preços do mercado e há uma verdadeira parceria entre o Governo e os promotores de habitação. Temos de tornar este conceito [credível] em Portugal, as parcerias público-privadas”, sublinhou o responsável.

"Tem de haver uma divisão de responsabilidades entre os dois lados [Governo e privados] e uma regulação muito clara"
 Claude Kandiyoti, Chief Servant Office da Krest Investments

Segundo Claude Kandiyoti, é necessário haver o quanto antes “uma clarificação” sobre este tema, da cedência de terrenos públicos a entidades privadas: “O discurso é muito ideológico, temos de ser práticos. Tem de haver uma divisão de responsabilidades entre os dois lados [Governo e privados] e uma regulação muito clara. 

Promoção imobiliária em Portugal
Claude Kandiyoti, Chief Servant Office da Krest Investments Frederico Weinholtz

Cedência de terrenos a privados: o que está em causa?

Com o intuito de incentivar o setor privado, nomeadamente os promotores imobiliários, a investir no desenvolvimento de projetos de arrendamento acessível, o Executivo anunciou, no dia 30 de março de 2023, que irá ceder património público devoluto (imóveis e terrenos) aos privados, num prazo de 90 anos. E vai também lançar uma linha de financiamento bonificado de 250 milhões de euros para que os privados possam colocar no mercado casas com rendas acessíveis.

Significa isto que o Estado vai ceder imóveis em direito de superfície. O objetivo é “disponibilizar em regime de Contrato de Desenvolvimento para Habitação (CDH) solos ou edifícios públicos para construção, reconversão ou reabilitação de imóveis destinados a arrendamento acessível”, lê-se no documento explicativo do programa Mais Habitação, a que o idealista/news teve acesso. 

De acordo com o Governo socialista de António Costa, “a disponibilização será efetuada através de concurso, que irá estabelecer a modalidade da promoção, promover soluções inovadoras como a construção modular, e definir os termos em que as habitações serão disponibilizadas às famílias”. 

“[O concurso] tem como destinatários diretos as empresas privadas que cumpram critérios de elegibilidade para CDH e as sociedades em que as empresas de construção civil participem. A afetação do património é realizada através de cedência do direito de superfície, por um prazo máximo de 90 anos, não sendo permitida a transferência da propriedade plena para os beneficiários. Os fogos promovidos e disponibilizados ao abrigo deste regime ficam sujeitos ao regime do Programa de Apoio ao Arrendamento (PAA), seja no que respeita ao regime fiscal, seja no limite da renda praticada. Os limites de áreas da Habitação a Custos Controlados só se aplicam, nestes projetos, se houver recurso à linha de financiamento que será criada”, refere o Executivo de maioria absoluta.

Agilizar processos de licenciamento está na ordem do dia
Foto de Ninety Studio on Pexels

Agilizar licenciamentos: uma promessa antiga que nunca vem tarde 

Outro dos assuntos que esteve em debate durante as conferências do SIL Investment Pro – Powered by APPII está relacionado com a simplificação dos processos de licenciamento – também prevista no Mais Habitação –, que já tinha sido debatido durante o SIL 2023, pelos autarcas. Uma medida já há muito reclamada pelos vários players do setor. 

“O Simplex proposto ainda é uma ideia embrionária, mas tudo o que contribua para reduzir os tempos de licenciamento é essencial. Um projeto de investimento imobiliário é a longo prazo, por norma à volta de cinco anos, e os atrasos são uma machadada na colocação de mais casas no mercado”, comentou Daniel Tareco. 

Tiago Belo, COO da promotora Solyd Property Developers, tocou na mesma tecla, lembrando que o “licenciamento causa um impacto muito grande” nos investimentos da empresa. “Não basta legislar e pensar que no dia a seguir as autoridades vão aplicá-la, era muito importante que os municípios e a outras entidades fossem envolvidos. É preciso assegurar que há um acompanhamento, uma fiscalização”.  

"O licenciamento não é um problema das pessoas, é um problema da habitação. O principal entrave à habitação chama-se caos do licenciamento urbanístico. E o Governo ouviu o setor”
Hugo Santos Ferreira, presidente da APII

Também Miguel Cabrita, Board Member & Head of Technical Department da Mexto Property Investment, recordou que esta é uma luta antiga: “Há muito, muito tempo que os promotores andam a lutar para melhorar as condições de licenciamentos, sendo que as demoras têm impacto enorme no custo dos projetos e no preço final da habitação. Aplaudo a iniciativa [do Governo], agora espero que vá para a frente e que [a lei] seja aprovada. E mais importante que isso, que seja implementada e rapidamente. Esse e o grande tema”. 

Sobre o mesmo tema, Hugo Santos Ferreira disse, numa das suas intervenções, que é crucial “agilizar os licenciamentos para acabar com os atrasos”. “O licenciamento não é um problema das pessoas, é um problema da habitação. O principal entrave à habitação chama-se caos do licenciamento urbanístico. E o Governo ouviu o setor”, comentou, enaltecendo o facto de o Executivo de António Costa ter revisto alguma das medidas contempladas no pacote Mais Habitação. “Vamos fazer-nos ouvir, vamos apresentar ao Governo as nossas ideias”, apelou à plateia repleta de profissionais do setor da construção e do imobiliário. 

Salão imobiliãrio de Portugal atrai profissionais do setor e visitantes
Casa cheia no SIL para assistir às conferências Frederico Weinholtz

BIM na construção é o caminho a seguir 

No caso da construção, o Governo vai criar uma plataforma única para os procedimentos urbanísticos para uniformizar os licenciamentos nas 308 autarquias do país, sendo esta uma proposta que consta também no programa Mais Habitação. 

Trata-se de uma plataforma irá exigir que:

  • Todos os processos de licenciamento sejam enviados através da plataforma digital única;
  • O uso do software Building Information Modeling (BIM) seja obrigatório para avançar com um novo projeto urbanístico;
  • A monitorização dos licenciamentos seja feita por via digital (que vai simplificar deferimentos tácitos).

Mas estará o país preparado para usar “em força” esta tecnologia? “O mercado ainda não está preparado para a execução de projetos em BIM, não há assim tantos projetistas a trabalhar bem BIM do zero, de raiz, e há ainda alguns construtores que quando apresentamos o projeto em BIM poem as mãos à cabeça e dizem: ‘Onde é que estão os desenhos’?”, frisou Paula Fernandes, CEO da RAR Imobiliária. “Há um processo, uma aprendizagem, mas a implementação BIM para os promotores é uma mais-valia”, acrescentou. 

"O mercado ainda não está preparado para a execução de projetos em BIM, não há assim tantos projetistas a trabalhar bem BIM do zero, de raiz"
Paula Fernandes, CEO da RAR Imobiliária

Miguel Cabrita revelou que em todas as obras que a Mexto faz em Portugal encontra “problemas de compatibilização de projetos”, havendo “custos associados” a isso. “Os projetos BIM são mais caros, mas se calhar compensa: o que pago em trabalhos a mais em cada projeto é largamente compensado pela execução do projeto BIM”. 

Falando no mesmo painel da conferência, José Rui Meneses e Castro, Founder da MAP Engenharia, disse ser um crente do BIM e que há na sua empresa “muitas pessoas formadas e a trabalhar” nesta tecnologia

Considerou, no entanto, que a adoção do BIM em Portugal ainda não está disseminada. “É raro o projeto que temos executado em BIM desde a arquitetura até todas as especialidades devidamente compatibilizadas. O projeto em BIM é importante que seja desenvolvido integralmente, e sempre que haja alterações ou adaptações sejam executadas no mesmo. Há carência de formação, sim, mas há formação disponível, por isso é uma carência fácil de colmatar”, concluiu. 

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