Especialistas jurídicos explicam como atuar legalmente nos casos em que a propriedade de um imóvel não coincide com a posse.
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O processo de aquisição de imóveis, em particular no mercado residencial, tem vários desafios. Habitualmente, no momento em que se compra uma casa ou outro tipo de imóvel, assume-se logo a posse, tipicamente recebendo do vendedor, aquando da outorga da escritura pública de compra e venda (e pagamento do preço ao vendedor), todas as chaves do imóvel, que é “entregue” devoluto de pessoas e bens. Mas nem sempre é assim, e não são raras as vezes que o vendedor precisa de permanecer no imóvel depois da data da compra e venda, por exemplo para finalizar a mudança de casa, ou até porque precisa de finalizar o processo de aquisição de nova casa. Como se deve tratar deste processo legalmente? Explicamos tudo com fundamento jurídico.

  • Propriedade e Posse de um imóvel

"A questão importante é saber a que título poderá então o vendedor continuar a utilizar o imóvel depois de vender o mesmo, já que nesse momento já não é o proprietário da casa", começa por esclarecer a SRS Legal, neste artigo preparado para o idealista/news.

Nestas situações, dissocia-se a propriedade do imóvel da sua posse, e embora o comprador passe a ser o proprietário do imóvel (ficando nomeadamente registado como tal), o vendedor permanece com a posse do mesmo.

"A situação não sendo ideal é comum, e o importante é acautelar o melhor possível os riscos que a mesma acarreta, designadamente para assegurar que de facto a casa é entregue na data acordada e em boas condições", avisam os advogados.

  • Formas possíveis de formalização do uso de um imóvel

O mero acordo verbal entre as partes, de boa-fé, pode ser uma tentação simplista para resolver a situação, ficando acordado com um mero aperto de mão que num determinado prazo o vendedor entregará o imóvel em boas condições.

Negócios imobiliários
Foto de fauxels @Pexels

Contudo essa situação é muito arriscada, porque será difícil posteriormente conseguir demonstrar aquilo que foi acordado, e ainda mais garantir que esse acordo é de facto cumprido, nomeadamente num cenário mais extremo em que seja necessário recorrer à via judicial.

Assim, sem complicar ou burocratizar demasiado a situação, há que tomar as devidas cautelas para reduzir ou pelo menos mitigar os riscos decorrentes dessa utilização precária e não regulada.

É fundamental, antes demais, distinguir situações em que essa utilização depois da escritura pelo vendedor é gratuita ou onerosa, já que cada uma terá um enquadramento próprio, tanto do ponto de vista prático, como legal e fiscal.

Comodato - o que é e como funciona

Acordando o comprador e o vendedor que o vendedor poderá utilizar gratuitamente o imóvel depois da compra e venda, o ideal será celebrar simultaneamente com a escritura, um contrato de comodato (que pode integrar o próprio texto da escritura).

O contrato de comodato está previsto no Código Civil e consiste precisamente no acordo através do qual alguém cede a terceiro, gratuitamente, um bem que lhe pertence, para que este o utilize, com obrigação de o restituir.

Contrato de comodato
Foto de Alexander Suhorucov @Pexels

Este contrato de comodato deverá incluir expressamente a data em que termina, em que o imóvel é devolvido, e as condições em que é devolvido, devendo igualmente incluir referência às obrigações do vendedor nesse período (por exemplo de pagamento de fornecimentos, condomínio, etc.), já que, de outra forma, por força da compra e venda, podem passar a ser considerados como devidas pelo comprador.

O próprio Código Civil estabelece um conjunto de regras em defesa dos interesses do dono do imóvel que são relevantes para uma situação deste género.

  • Arrendamento

Se, ao contrário, o comprador pretende ser remunerado por essa utilização, então deve ser celebrado um contrato de arrendamento (para período especial transitório) onde se estabelece, nos termos legalmente previstos (também no Código Civil) o pagamento de uma renda, as obrigações de conservação e responsabilidade por custos do imóvel, incluindo a obrigação de restituição do imóvel findo o contrato.

Este contrato, contudo, depois de celebrado deve ser registado junto da Autoridade Tributária pelo proprietário (aqui senhorio), ficando as rendas recebidas pelo comprador sujeitas a IRS.

Neste caso, naturalmente, e até porque o atraso na restituição de imóvel arrendado implica pagamento de renda acordada em dobro, o incumprimento de entrega do imóvel pelo vendedor é obviamente muito mais penalizador.

  • Garantias

Sem prejuízo da situação em que o comprador se encontre, tanto no âmbito de um comodato como de um arrendamento, é preciso assegurar que, de facto, no final do contrato o imóvel é entregue ao comprador nos termos acordados.

Garantia de um imóvel
Foto de Sam Lion @Pexels

Nesse contexto, o recomendável é que o vendedor fique com alguma garantia pecuniária para assegurar o cumprimento do que foi acordado - tanto em termos de entrega do apartamento como das condições em que o mesmo é entregue.

A existência dessa garantia só por si tem um efeito dissuasor do incumprimento da obrigação de entrega do imóvel.

Pode assumir várias formas, e até corresponder, por exemplo, a uma retenção de parte do preço de aquisição, que só é entregue ao vendedor quando o imóvel for entregue no prazo e condições acordadas.

*Artigo escrito por Neuza Pereira de Campos, Sócia responsável pelo Departamento de Imobiliário da SRS Legal

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