Escritores portugueses da nova geração partilham a importância das suas casas e o seu lugar mais especial.
Comentários: 0
importância da casa
Raul Minh'Alma

A casa é mais do que um refúgio físico. Para muitos escritores, a casa é espécie de santuário, um lugar de isolamento e concentração, essencial para a produção literária. É o espaço onde se entrelaçam memórias, inspirações e palavras que dão vida às histórias. Cada canto, cada móvel, cada entrada de luz que atravessa uma janela pode ser um gatilho criativo ou lugar de descanso para estes artistas que trabalham incessantemente na construção de universos literários.

Escritores portugueses como Raul Minh'Alma, Pedro Chagas Freitas, Lénia Rufino, Susana Amaro Velho, Valentina Silva Ferreira e Helena Magalhães partilham com o idealista/news a importância da casa nas suas vidas e o papel destes espaços no processo criativo.  

Raul Minh'Alma
Raul Minh'Alma

A importância da casa e a relação com cada divisão 

  • O Escritório: isolamento e criatividade

Para Raul Minh'Alma, um dos escritores mais vendidos da atualidade em Portugal, autor de obras como Fomos Mais Do Que Um Erro, o espaço mais importante para escrever é o escritório. “O meu escritório é o meu cantinho criativo. O meu local de trabalho diário. É onde tenho o isolamento e sossego necessário para criar”, afirma o autor. Este espaço é mais do que uma divisão; é um ambiente cuidadosamente preparado para a introspeção e produção literária. O silêncio e a organização que encontra ali são fundamentais para estruturar as narrativas e mergulhar nas emoções que transparecem nas suas obras. 

Lénia Rufino, autora de O Lugar das Árvores Tristes, também valoriza o seu cantinho dedicado à escrita, montado no quarto. “É um sítio sem distrações, onde estou só eu e as palavras, e a música que me acompanha sempre que escrevo.” O espaço não só reflete a sua personalidade, mas também funciona como uma tela para a criatividade, com post-its espalhados pela parede e um monitor adicional para pesquisas. Apesar de se sentir feliz ali, Lénia Rufino reconhece a versatilidade da sua escrita, que se adapta a outros lugares como cafés ou bibliotecas. Para ela, o importante é o equilíbrio entre a funcionalidade do espaço e a capacidade de inspiração que proporciona.

Pedro Chagas Freitas
Pedro Chagas Freitas
  • A Sala: o coração da casa e da escrita

Se o silêncio é vital para alguns, outros escritores encontram na sala de estar o ambiente perfeito para criar. Pedro Chagas Freitas, escritor com mais três dezenas de livros publicados e mais de um milhão de cópias vendidas em todo o mundo, diz que o computador na sala é o ponto central do seu processo criativo. “É onde estão os que amo. Gosto de sentir a presença deles, mesmo quando não dizem nada. O riso ao fundo, o som de uma chávena a pousar, as conversas que cruzam a sala — tudo isso me inspira.” Para o autor de Prometo Falhar, o convívio e as distrações tornam-se parte do processo criativo, ligando a escrita à vida e às relações que dão sentido às histórias que constrói.

Valentina Silva Ferreira, autora madeirense do livro Vertigens, nomeado para o Prémio Oceanos 2023, destaca também a sala como um espaço de criação, especialmente o sofá junto à janela. “Tenho preferência pelo sofá porque fica perto da janela e posso olhar para o céu e tenho muitas ideias apenas a contemplá-lo.” A simplicidade da casa pequena de Valentina Silva Ferreira reflete uma capacidade de adaptação que transforma qualquer espaço num potencial espaço criativo. "Só não pode faltar água ou chá".

Susana Amaro Velho
Susana Amaro Velho
  • A importância da luz e conexão com o mundo exterior

Susana Amaro Velho, autora de Descansos e Inquieta, encontra inspiração numa característica muito específica do seu espaço de escrita: a luz. “Tudo é luz neste canto da casa. Vejo as partículas de pó dançarem, ouço os pássaros que espreitam sorrateiros as palavras que compõem frases, sinto o calor nas pernas dobradas, adormecidas e distraídas da posição há muito ocupada, enquanto os textos ganham vida.” A luz, elemento quase etéreo, torna-se não só um símbolo de clareza e criatividade, mas também um elo entre o interior do espaço e o mundo exterior. A autora vive em Mafra, com o marido e os três filhos.

Para Helena Magalhães, autora de Raparigas Como Nós, o quarto dos fundos oferece um isolamento estratégico, com uma janela que conecta o seu espaço ao jardim. “É um lugar especial porque foi a divisão que criei só para escrever, não a uso para mais nada.” Além de ser um espaço dedicado, é um ponto de introspeção onde convivem silêncio, gatos e plantas, criando um ambiente de harmonia ideal para o trabalho criativo que passa, para além da escrita, pela gestão do clube do livro Book Gang.

Helena Magalhães
Helena Magalhães
  • O papel da casa na leitura

A casa desempenha também um papel fundamental na leitura, uma atividade indispensável para os escritores. Lénia Rufino admite que lê em qualquer lugar, mas destaca o hábito de ler antes de dormir, na cama. O ato de leitura torna-se um ritual, uma ponte para o descanso. Este hábito é partilhado por Raul Minh'Alma, que destaca a intimidade deste espaço como ideal para absorver cada história.

Pedro Chagas Freitas, por sua vez, lê no mesmo lugar onde escreve: a sala. A convivência e o ruído transformam-se em cenários para absorver novas histórias. Já Valentina Silva Ferreira encontra no sofá junto à janela o lugar perfeito para contemplar e deixar que as palavras dos outros a inspirem.

Lénia Rufino
Lénia Rufino

A diversidade de espaços reflete as diferentes abordagens à criação literária. Uns procuram isolamento, outros inspiração no movimento da casa. No entanto, é evidente a importância da casa como extensão da personalidade de cada escritor. Seja no silêncio de um quarto, no calor de uma sala cheia de vida ou na luz que atravessa uma janela, a casa é onde as histórias ganham forma e os livros destes escritores nascem, num imenso privilégio para todos os leitores.

Ver comentários (0) / Comentar

Para poder comentar deves entrar na tua conta