Há diferenças entre os dois conceitos, que têm regimes jurídicos próprios e efeitos distintos, tal como explicam os advogados neste artigo.
Comentários: 0
Propriedade e posse de imóveis
Freepik
PRA - Raposo, Sá Miranda & Associados
PRA - Raposo, Sá Miranda & Associados (Colaborador do idealista news)

A distinção entre posse e propriedade sobre imóveis continua a gerar dúvidas. À primeira vista, poderá parecer irrelevante saber se alguém é possuidor ou proprietário, sobretudo quando exerce efetivamente o poder de facto sobre um imóvel. Contudo, em transações imobiliárias, esta diferença é determinante: é ela que define, por exemplo, quem tem legitimidade para vender, ceder o gozo por meio de celebração de contrato de arrendamento, reivindicar ou propor uma ação em tribunal.

A propriedade é um direito real pleno: confere ao seu titular o poder exclusivo de usar, fruir e dispor da coisa, nos termos do artigo 1305.º do Código Civil. Trata-se do mais abrangente dos direitos reais de gozo, embora sujeito a limites legais, como os que resultam, por exemplo, das regras de vizinhança. A aquisição da propriedade pode ocorrer por venda, sucessão, usucapião ou por outros modos legalmente previstos, sendo que, no caso de bens imóveis, a sua eficácia plena exige, por um lado, a formalização do direito por meio de um título (Escritura Pública ou um documento particular autenticado), por outro lado, o respetivo registo na Conservatória do Registo Predial, por forma a produzir efeitos jurídicos sobre terceiros.

A posse, por sua vez, não é um direito, mas sim uma situação de facto. Consiste no exercício, em nome próprio, dos poderes de gozo e fruição. De acordo com o artigo 1251.º do Código Civil, é possuidor quem exerce esse poder com a intenção de agir como titular do direito, mesmo que não o seja. A posse não exige qualquer título que reconheça a sua titularidade, como a escritura pública ou documento particular autenticado, nem o respetivo registo predial. Basta o comportamento material revelador de domínio sobre o bem: por exemplo, habitar no imóvel, nele realizar obras, pagar despesas, ocupar o imóvel, privar o uso do mesmo por parte de terceiros, entre outros.

documentos para comprar casa
Freepik

É possível ser possuidor sem ser proprietário de um imóvel e vice-versa?

Sim, na prática, é possível ser possuidor sem ser proprietário, como sucede, por exemplo, com um presumível herdeiro ou com quem detém o imóvel por via de contrato de arrendamento celebrado. Nestes casos, o uso do imóvel está legitimado por um direito pessoal ou real de gozo, mas não confere ao respetivo titular a faculdade de dispor da coisa, ou seja, não lhe é permitido aliená-la, onerá-la ou modificá-la, salvo autorização do proprietário. Do mesmo modo, é possível ser proprietário sem deter a posse, como acontece com um imóvel arrendado que a posse pertence ao arrendatário ou nos casos de ocupação ilegítima.

Em termos jurídicos, esta distinção produz efeitos relevantes. O possuidor beneficia de proteção mesmo perante o proprietário, se for perturbado ou esbulhado da posse. O Código Civil consagra a chamada tutela possessória, que permite ao possuidor reagir judicialmente através de ações de restituição da posse, independentemente da prova da titularidade do direito. 

O proprietário, por sua vez, pode lançar mão da ação de reivindicação, prevista no artigo 1311.º do Código Civil, exigindo judicialmente a restituição do bem de que se encontra desapossado. Para o efeito, deverá fazer prova do seu direito, habitualmente mediante título e registo, e da detenção ilegítima por parte do terceiro.

Portanto, a posse e propriedade são conceitos autónomos, com regimes jurídicos próprios e efeitos distintos. A posse traduz uma relação fáctica de domínio e uso, com proteção legal limitada. A propriedade, por seu turno, corresponde à titularidade jurídica plena do bem, com eficácia erga omnes e plenitude de poderes sobre a coisa. Ambas podem coexistir na mesma pessoa - ou não.

compra de casa
Freepik

A posse e a propriedade de um imóvel podem coincidir?

Sim, como sucede com quem tem a titularidade de um imóvel e nele habita como habitação própria permanente. Mas podem também dissociar-se. Há propriedade sem posse, por exemplo, quando o proprietário cede o gozo do imóvel a outrem, como sucede, por exemplo, com o arrendatário que tem o gozo do bem.

Por último, sublinhar ainda que a posse pode conduzir à aquisição da propriedade, por via do instituto da usucapião. Trata-se de uma forma originária de aquisição do direito de propriedade, baseada na posse continuada no tempo. Se for exercida de boa-fé, a propriedade pode ser adquirida ao fim de 15 anos; de má-fé, ao fim de 20 anos. Quando exista título, ainda que inválido, a usucapião pode operar ao fim de 10 anos, desde que se verifiquem os demais requisitos legais. A consolidação do direito pode ser formalizada por justificação notarial ou por ação judicial.

Em suma, a grande diferença entre ambos está no facto de que, na propriedade, existem poderes jurídicos plenos sobre o bem, nomeadamente os de usar, fruir e dispor, com eficácia reconhecida perante terceiros, enquanto a posse traduz apenas uma situação de facto, que pode ser protegida, mas que não confere poderes de usar, fruir e dispor.

*Carla Cunha de Sousa, associada de Imobiliário da PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados

Acompanha toda a informação imobiliária e os relatórios de dados mais atuais nas nossas newsletters diária e semanal. Também podes acompanhar o mercado imobiliário de luxo com a nossa newsletter mensal de luxo.

Ver comentários (0) / Comentar

Para poder comentar deves entrar na tua conta