Alerta é dado pelo investigador Aitor Varea Oro, que considera que o PRR veio acentuar as simetrias territoriais em Portugal.
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Casas no Porto
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Lusa
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Os fundos europeus para habitação não estão a chegar às câmaras com mais necessidades, mas às que têm mais competências técnicas, constata um investigador, arriscando dizer que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) veio acentuar as simetrias territoriais.

Um dos dois objetivos estratégicos do PRR – no qual, pela primeira vez, a Comissão Europeia financia habitação 100% a fundo perdido – é promover a coesão territorial (a transição verde é o outro), recordou Aitor Varea Oro, investigador no Centro de Estudos de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura do Porto.

Ora, assinalou em entrevista à Lusa, no contexto das eleições autárquicas de 12 de outubro, os municípios com maior probabilidade de financiamento estão sobretudo localizados na Área Metropolitana de Lisboa (AML), porque “têm capacidades técnicas para chegar a mais programas financeiros”, como a Bolsa Nacional de Alojamento Urgente e Temporário, “conseguiram aprovar as suas Estratégias Locais de Habitação atempadamente” e “têm no seu território apoio técnico de qualidade”.

Apoiando-se nos dados recolhidos por uma equipa multidisciplinar de três centros de investigação, agregados na página DataH, recentemente lançada, Aitor Varea Oro distinguiu, por outro lado, regiões como o Alentejo, o Centro e subregiões do Norte, com “probabilidades mais baixinhas” de chegar aos fundos, pois “aprovaram as Estratégias Locais de Habitação mais tarde e o apoio técnico está mais longe”.

Aquilo a que assistimos atualmente é “uma tempestade perfeita”, qualificou o investigador, que também colabora com a plataforma O Contador, criticando o “critério temporal” da ordem de chegada na “corrida” ao PRR.

Não existindo um programa nacional de habitação com prioridades definidas, era preciso adotar critérios de aplicação do financiamento. “Para os públicos mais precários? Para os territórios com maior perda demográfica? Para os territórios onde se vão sentir mais alterações climáticas? Para os territórios onde vai haver mais aumento das catástrofes naturais? Onde há mais presença de fluxo migratório? Nada disso foi definido”, elencou.

“O critério foi quem chega primeiro”, constatou, realçando que isso beneficia “os municípios mais capazes”, com “uma maior capacidade de compreensão das regras do jogo, dos processos de candidaturas”, e não responde às “desigualdades à partida”.

Este cenário “cria uma certa sensação de injustiça”, quer entre municípios, quer entre potenciais beneficiários, ajudada por “uma falha de comunicar às pessoas porque é que o dinheiro não está a chegar”.

Para o investigador, “há municípios que fizeram um trabalho de proximidade que é de louvar, mas a relação com os munícipes nem sempre foi a mais fluida e a mais transparente” e, em geral, as autarquias informam sobre a assinatura dos acordos e depois entram em “apagão informativo” até à entrega das casas.

Ora, se “nem com dinheiro grátis o poder público resolve”, gera-se a perceção, “muito perigosa”, de que as políticas públicas não funcionam, alertou.

Lamentando que não se esteja a aproveitar para formar quadros municipais, Aitor Varia Oro destacou que “o PRR, além da oportunidade de aceder ao financiamento e à qualidade, teria sido uma excelente oportunidade para capacitar estruturas públicas e privadas que não estavam habituadas a trabalhar com financiamento público”.

Acesso a habitação em Lisboa
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"Temos cada vez menos dinheiro para financiar os fogos prometido"

Os fundos europeus têm sido “a principal alavanca das políticas públicas” dos últimos anos na área da habitação, desde logo através do programa 1.º Direito, que, porém, é gerido pelo Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), que “tem condicionado muito o papel dos municípios”, observou.

Ao mesmo tempo, “não se atualizou o diagnóstico” dos 26 mil fogos identificados como necessários em Portugal, onde “o número de carências foi aumentando” e o valor da construção também. “O que isso quer dizer? Que nós temos cada vez menos dinheiro para financiar os fogos prometidos”, esclareceu.

Saudando o anúncio feito pelo Governo de financiar também, através do Orçamento do Estado, as candidaturas que ficaram de fora dos 26 mil fogos do PRR, o investigador considerou, porém, “um erro cristalizar as soluções que foi possível delinear” num contexto de “privação de tempo” e de “constrangimentos” vários.

Além disso, “o financiamento que está a ser disponibilizado não se compara ao financiamento do PRR” e mantém “a urgência” dos prazos, que “não se coaduna com a realidade financeira dos municípios, sobretudo dos municípios que ficaram de fora”.

Antecipando que não será possível cumprir o desígnio de aumentar o parque público de habitação de 2 para 5%, o investigador assinalou que estão em curso sobretudo “operações mais epidérmicas”, de reabilitação de casas que já existiam: os municípios já partiam com poucas opções e acabaram por escolher as soluções mais viáveis, dentro das regras do jogo.

“Não são operações transformadoras. Quem tinha uma casa passa a ter uma casa em melhores condições, é bom, mas para isso está o Orçamento do Estado” e o PRR não devia servir para “financiar uma coisa absolutamente ordinária e corrente”, destacou.

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