É portuguesa e está entre os melhores jovens arquitetos emergentes na Europa. Maria João Andrade, fundadora do atelier MJARC Arquitectos, em entrevista ao idealista/news.
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“A pandemia marca uma nova fase da arquitetura"
Maria João Andrade, fundadora do atelier MJARC Arquitectos

Um ano de pandemia e muita coisa mudou, "mais do que se poderia imaginar" no início. Um ponto de viragem, também, para a arquitetura, na forma como se pensam as casas e os edifícios em geral, com projetos a serem marcados, já e no futuro, pela mudança de hábitos e maneira diferente de as pessoas se relacionarem com os espaços, interiores e exteriores. Para Maria João Andrade, fundadora do atelier MJARC Arquitectos, e recentemente galardoada com o prémio "40under40" dos European Architecture and Design Awards 2020, “a pandemia marca uma nova fase da arquitetura” e a área da habitação é “um exemplo claro desta mudança”. O desafio, garante, será “harmonizar todas as valências” que agora se cruzam dentro e fora do universo casa, com a garantia de que não podem faltar zonas verdes numa varanda ou terraço.

À escala urbana, e porque os espaços exteriores revestiram-se de grande importância com a Covid-19, Maria João Andrade diz, em entrevista ao idealista/news, que deseja ver implementadas mais medidas para a sustentabilidade das nossas cidades, nomeadamente um “aumento dos pequenos espaços verdes junto a edifícios habitacionais que funcionam como espaços de descompressão essenciais para o bem-estar físico emocional dos cidadãos, descentralizando a necessidade de recorrer ao grandes parques”.

A sustentabilidade é, de resto, uma das suas principais preocupações, e um ponto de partida para os seus projetos, desde a orientação solar, a utilização de soluções /materiais que permitam controlo térmico, ao uso de energias renováveis quer para o aquecimento de águas sanitárias quer para auto consumo de energia elétrica. “Um dos fatores essenciais para melhorar a sustentabilidade de um projeto é entender os requisitos de energia de um edifício. Alcançar um design de edifícios com eficiência energética é o caminho para melhorar a sustentabilidade do nosso planeta”, defende a arquiteta.

A propósito, destaca a unidade hoteleira que projetou com o seu gabinete nas encostas do Vale do Rio Douro no concelho de Cinfães, que deverá responder, mais uma vez, à preocupação na integração da paisagem, desde relação do interior com o exterior ao uso das energias renováveis.

Maria João Andrade está entre os melhores jovens arquitetos e designers emergentes na Europa, e nesta entrevista, que agora reproduzimos na íntegra, partilha como é ser mulher e fazer carreira na arquitetura, dentro e fora de Portugal, quais são as suas fontes de inspiração, avaliando ainda o impacto da pandemia no setor e refletindo sobre os novos desafios para o futuro. Aqui e agora.

“A pandemia marca uma nova fase da arquitetura"
Fundadora do atelier MJARC Arquitectos Maria João Andrade

A Maria João foi a única portuguesa vencedora do prémio "40under40" dos European Architecture and Design Awards 2020. Como é que é ser mulher e fazer carreira na arquitetura, dentro e fora de Portugal?

As questões relacionadas com o género e na esfera da arquitetura são extraordinariamente complexas e sensíveis e refletem ainda uma grande caminhada que tem que ser percorrida pelas arquitetas por forma a obter igualdade de género e de oportunidade, não só no contexto nacional mas também internacional. Faço referência ao autor Judy Wajcman pois expressa com clareza esta dicotomia:

“Arquitetura e urbanismo orquestraram a separação entre mulheres e homens, privados e públicos, habitação e emprego remunerado, consumo e produção, reprodução e produção, subúrbio e cidade. Embora as pessoas não vivam realmente de acordo com estas dicotomias, a crença generalizada nelas influencia decisões e tem um impacto na vida das mulheres.“ (Wajcman, 1994: 2001)

As questões relacionadas com o género, e na esfera da arquitetura, são extraordinariamente complexas e sensíveis e refletem ainda uma grande caminhada que tem que ser percorrida.

Disse-nos que este prémio é um sinal de esperança para os jovens arquitetos. Porquê? É difícil criar uma marca distintiva (sendo jovem)?

Sim, é muito difícil os jovens arquitetos terem oportunidade de projetar e afirmar uma marca distintiva. Na minha opinião são vários os fatores que impedem: número de arquitetos versos  dimensão do país, agravado com a crise económica, tornam um contexto de difícil afirmação para os jovens arquitetos.

O que muda depois de se ganhar um prémio?

Sinto um incremento de responsabilidade pois acredito que o meu trabalho terá uma maior visibilidade e por esse facto,  um maior escrutínio e responsabilidade acrescida. 

“A pandemia marca uma nova fase da arquitetura"
Casa no Vale do Douro, umas das obras a concurso no European Architecture and Design Awards 2020 MJARC Arquitectos

Quem são os seus "mestres" ou fontes de inspiração?

Os meus mestres incontornáveis são Alvar Aalto, Steven Holl e a obra que é a minha fonte de inspiração, “Piscina das Marés “, da autoria do arquiteto Álvaro Siza Vieira .

Fundou o atelier MJARC Arquitectos em 2006. Que balanço faz destes anos? Quais foram os principais desafios, dificuldades e vitórias?

Os principais desafios foram conquistar um mercado de trabalho (perante a forte crise na construção em 2008) e conseguir impor uma linguagem. As dificuldades foram o conquistar a confiança e afirmar uma linguagem perante clientes. Na prática profissional, prende-se com a necessidade uniformizar os procedimentos e a desburocratizar o serviço público. As vitórias são todos os projetos realizados e concluídos nos quais tivemos oportunidade de marcar a nossa identidade

A que tipo de projetos se dedicam? E porquê?

Dedicamo-nos a projetos de habitação, hotelaria e área hospitalar. Este prémio evidencia duas obras, com programas e desafios distintos: um na área da Saúde e outro na habitação.

Revelou-nos que uma das suas principais preocupações é tornar os edifícios mais sustentáveis. que forma é que os seus projetos refletem esta preocupação?

Esta preocupação é o ponto de partida dos meus projetos, vai desde a orientação solar, a utilização de soluções /materiais que permitam controlo térmico, ao uso de energias renováveis quer para o aquecimento de águas sanitárias quer para auto consumo de energia elétrica. Um dos fatores essenciais para melhorar a sustentabilidade de um projeto é entender os requisitos de energia de um edifício. Alcançar um design de edifícios com eficiência energética é o caminho para melhorar a sustentabilidade do nosso planeta.

Um dos fatores essenciais para melhorar a sustentabilidade de um projeto é entender os requisitos de energia de um edifício

Gostaria de destacar algum(ns) exemplo(s)?

A unidade hoteleira que projetamos nas encostas do Vale do Rio Douro no concelho de Cinfães.

“A pandemia marca uma nova fase da arquitetura"
Hotel rural no Vale do Rio Douro (vista exterior quartos) MJARC Arquitectos

O que caracteriza um projeto de arquitetura sustentável? O desenvolvimento do projeto e a construção são mais caros? E o mercado reconhece esse valor?

Numa fase inicial é mais caro, mas insignificante para a redução dos custos ao longo da vida útil de um edifício.

A pandemia veio mudar tudo. Que desafios enfrenta a arquitetura neste contexto? É um ponto de viragem (também) para a arquitetura?

O impacto do novo coronavírus na arquitetura, na vida quotidiana e na interação humana tem sido mais abrangente e devastador do que poderia imaginar quando tive conhecimento dos primeiros casos na China. A pandemia na minha opinião marca uma nova fase da arquitetura sendo a área habitacional um exemplo claro desta mudança. As nossas casas passaram a ser o local de trabalho, a escola dos nossos filhos, o ginásio, o nosso grande desafio é harmonizar todas estas valências.

O impacto do novo coronavírus na arquitetura, na vida quotidiana e na interação humana tem sido mais abrangente e devastador do que poderia imaginar quando tive conhecimento dos primeiros casos na China.

De que forma impactou a vossa atividade?

Numa primeira fase, implicou o cancelamento de viagens de trabalho, gestão da equipa em teletrabalho e a utilização de forma diária da video conferência (cliente, fornecedores e equipa de trabalho) .

 A Covid-19 levou as pessoas e as empresas a repensarem os espaços. Sentem isso? Em que medida?

Com o início da pandemia foram impostas medidas às empresas para mitigar a evolução da pandemia, sendo uma delas redefinir circuitos e número de ocupantes por área. A saúde e a segurança das pessoas passou a ser a palavra de ordem.

A forma como se pensam as casas (e edifícios em geral) já está a mudar? Como vão ser a casa e o escritório do futuro? O que não pode faltar?

Sim, já estamos a reestruturar atendendo ao nosso actual contexto. O que não pode faltar são os espaços verdes (numa varanda, ou terraço). As áreas verdes são, sem dúvida, uma preocupação dos nossos edifícios e no planeamento urbano no nosso país.

Há um novo tipo de procura? Baseados em que critérios?

Redução dos custos com necessidades de aquecimento e arrefecimento dos edifícios assim como de construção.  

Como vê o fenómeno das casas pré-fabricadas? Há espaço para projetos de qualidade neste tipo de construção?

Infelizmente, a crise está a provocar uma redução do poder de compra das famílias e, inevitavelmente, aumenta a procura por este método construtivo que permite a realização do edifício em curto espaço de tempo, com grandes benefícios económicos e garante baixo custo e manutenção a longo prazo.

Na minha opinião há espaço e já existem projetos de qualidade neste tipo de edifícios.

Os espaços exteriores revestiram-se de grande importância com a Covid-19. O que é que faz falta no espaço público? Mais parques e zonas verdes, por exemplo?

À escala urbana, desejo ver implementadas mais medidas para a sustentabilidade das nossas cidades, aumento dos pequenos espaços verdes junto a edifícios habitacionais que funcionam como espaços de descompressão essenciais para o bem estar físico emocional dos cidadãos, descentralizando a necessidade de recorrer ao grandes parques. O teletrabalho permitirá a mobilização dos cidadãos para a periferia das grandes cidades, melhorando a qualidade de vida dos cidadãos e a sustentabilidade .

À escala urbana, desejo ver implementadas mais medidas para a sustentabilidade das nossas cidades, aumento dos pequenos espaços verdes junto a edifícios habitacionais

O que é que pode e deve ser melhorado?

Um dos desafios que se impõe é a refutação da divisão de género na profissão e na educação, transformando a arquitetura numa estrutura de colaboração com iguais oportunidades, que tenha em conta o talento, o esforço e o trabalho.

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