A arquiteta abriu a porta da sua casa ao idealista/news para falar sobre a importância de requalificar e não desperdiçar recursos.
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Pedro Gois (Colaborador do idealista news) ,
Joana Malaquias (Colaborador do idealista news)

A arquiteta Maria João Andrade recebeu-nos na sua casa, nos arredores do Porto. Não foi desenhada por si ou pelo marido, Ricardo Cordeiro, com quem fundou a MJARC em 2006. A casa foi projetada pelo bisavô. E este “compromisso de dar continuidade daquilo que já vem do pai, avô e bisavô” é a representação perfeita da visão de Maria João Andrade sobre a sustentabilidade e a arquitetura: não desperdiçar recursos, reabilitar, devolver ao espaço uma outra linguagem.

Apesar de estarmos no meio de um centro urbano do Grande Porto, a vegetação que envolve a casa de Maria João Andrade transporta-nos para um jardim botânico. Ter crescido neste cenário, onde hoje os seus filhos brincam, terá sido fundamental para outras das premissas do seu trabalho, tal como explica nesta entrevista ao idealista/news para a rubrica “Em casa do arquiteto”.

“Trazer de volta a natureza (para a cidade), melhorando a biodiversidade e o bem-estar”, uma espécie de invisibilidade de cada construção que comprova que o objetivo foi alcançado. Como a Casa no Vale do Douro, localizada no Marco de Canaveses, obra que foi fundamental para que Maria João Andrade fosse a única portuguesa vencedora do prémio "40under40" dos European Architecture and Design Awards 2020.

“Arquitetura sustentável, durável e intemporal”, tal como defende. Foi exatamente o que sentimos na casa da arquiteta do atelier MJARC.

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MJARC Arquitectos

Fale-nos sobre esta casa.

Esta casa foi desenhada pelo meu bisavô, eu já sou a quarta geração. Os meus filhos também adoram brincar aqui neste espaço. Não tive necessidade de construir casa, porque sempre me senti muito bem neste espaço e, sobretudo, nesta relação que ela estabelece sempre com o exterior.

E senti também um certo compromisso de dar esta continuidade que já vem do meu pai, do meu avô e do meu bisavô.

De que forma esta casa faz parte da sua história enquanto arquiteta?

Realmente, eu acho que os espaços também nos vão educando, o próprio desenho dos tetos, a estereotomia dos pavimentos, a própria relação que a casa estabelece com o exterior. Tudo isto foi educando a minha forma de ver o espaço de certa forma, esta sensibilidade.

Esta casa funciona como uma referência que eu tinha e permitiu-me sempre, a partir daqui, estabelecer os meus critérios, as minhas definições da minha relação com o espaço.

A profissão do seu pai foi importante para a escolha da arquitetura?

O meu pai desde cedo, como era designer de interiores, esteve sempre muito atento e sensibilizou-me para a escolha dos materiais e a sua relação com os espaços. Depois, a importância da arte nos espaços, uma pintura, uma escultura, porque o meu pai proporcionou-me momentos de vivência com pintores, com escultores, com tertúlias, e eu percebi esta abrangência magnífica da arte, tanto no interior dos espaços, como na arquitetura.

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MJARC Arquitectos

Sem dúvida que marcou o meu percurso com esta partilha de conhecimento e com estes momentos que ele proporcionava de forma descontraída e nos faziam crescer e sensibilizar para as pequenas coisas e para as pequenas diferenças. Tanto a vivência profissional, como o próprio espaço condicionaram a minha forma de ver e perceber a importância para a vivência que as pessoas têm no espaço da arquitetura.

Esta casa é simbólica na importância que tem para si aproveitarmos aquilo que já está construído em termos de sustentabilidade?

Sem dúvida. No momento atual não podemos fechar os olhos às alterações climáticas. Todos estamos a sentir e a ver não só em Portugal, mas como em todo o mundo.

A arquitetura tem um grande papel a desempenhar na reabilitação ou a preservação deste património. Eu sinto-me feliz por conseguir reabilitar algo que posso não ter criado de raiz.

Existe a ideia de que a arquitetura é um elemento que eu quero marcar no meu período. Muitas das vezes eu prefiro sentir que estou a contribuir para a reabilitação da vida, de forma discreta, quase silenciosa. Temos de fazer esse rumo.

Muitas das vezes, o nosso trabalho vai estar invisível e sentimo-nos felizes, porque aquele espaço ganhou uma nova vivência, mas eu não impermeabilizei mais, eu não necessitei de mais materiais, e consegui reaproveitá-los e dignificar o espaço para as novas vivências atuais. Este é um exercício complexo que temos de fazer e que acaba um bocadinho por ir contra aquilo que fomos aprendendo. Temos realmente de nos sentir felizes e realizados na reabilitação, na requalificação de edifícios existentes, porque há muita construção. Temos que realmente reduzir a impermeabilização, deixar que a natureza também faça mais parte dos nossos projetos.

É o exemplo do Riverside, um edifício com cerca de 20 anos, abandonado. Estava ali há tanto tempo, com todos aqueles materiais, uma estrutura com potencial para habitação de famílias, para realmente ser utilizado. Foi um exercício desafiante: queríamos um edifício mais eficiente, com bom isolamento, utilização das energias renováveis, espaços com luz que todos nós valorizamos, aproveitando o material que já lá existia. O Riverside vai começar a ser habitado no início do próximo ano e estou muito curiosa como as famílias vão habitar aquele espaço. 

Projetos mais marcantes?

Tive um projeto que me marcou muito, na área da saúde, uma unidade de hemodiálise em Mirandela. Aí eu percebi da importância da arquitetura na qualidade de vida que podemos dar aos doentes do ponto de vista da relação com o espaço exterior, a luz, a própria cor. Também a qualidade das condições do staff, que muitas vezes não é falado, mas tanto os médicos como os enfermeiros também precisam de ter um espaço agradável com percursos reduzidos.

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MJARC Arquitectos

Fizemos esse trabalho de pesquisa, visitei muitos hospitais, tive ao lado de doentes, acompanhei e percebi a importância que a arquitetura pode se ter no nosso bem-estar psicológico e emocional.

Outra obra muito marcante, foi a casa no Vale do Douro, que estava no meio de uma zona de floresta e a preocupação de integrá-lo ao máximo, no sentido que passasse despercebido a quem estivesse no rio ou na montanha do outro lado e não conseguisse ver.

Essa casa ganhou alguma visibilidade com o prémio que recebi “Forty under 40”, e as pessoas perguntam: “Onde é que está a casa? Nós andamos aqui à procura.” Eu fico toda feliz porque queria que a casa fosse o mais discreta possível, no sentido de se integrar no meio ambiente em que ela está. Esse foi um exercício com alguma complexidade porque era uma zona de montanha. A nível cromático e a cobertura ajardinada, consegui que o edifício ficasse realmente com dificuldade de a pessoa conseguir perceber onde ele está.

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MJARC Arquitectos

A arquitetura é valorizada em Portugal?

Considero que temos aqui um caminho a fazer. Temos muito bons ateliers que têm estado a ser distinguidos internacionalmente, mas a nível nacional podíamos falar um pouquinho mais sobre os trabalhos envolvidos. Temos ainda um caminho a fazer para valorizar um pouco mais estas novas gerações, estes novos gabinetes que têm evidenciado um trabalho lá fora, e muitas vezes estão ainda muito no anonimato a nível nacional.

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