A construção industrializada é o futuro. Especialistas apontam que é preciso fazer para dar impulso ao setor.
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Créditos: projeto SUMMARY | Fotografia: Fernando Guerra FG+SG

Portugal enfrenta uma crise na habitação, agudizada pela falta de oferta disponível. Em resposta a essa escassez, a construção modular apresenta-se como solução promissora, oferecendo uma alternativa rápida e eficiente para ampliar o parque habitacional, face à redução significativa dos prazos de construção e melhor controlo dos custos, por exemplo. No entanto, este novo modelo construtivo debate-se com desafios importantes, como o necessário investimento em infraestruturas e tecnologia, formação e capacitação profissional, ou aperfeiçoamento de regulamentações específicas, tal como explicaram vários especialistas do setor ao idealista/news. O futuro, é certo, passa pela industrialização. Mas que passos falta dar?

“O problema da reduzida oferta de casas no mercado resulta de um significativo desinvestimento público e privado no mercado da habitação, que caracterizou a segunda década deste século. Este é um problema estrutural no nosso país e, como tal, apenas poderá ser mitigado através de um aumento substancial da construção e reabilitação de imóveis”, começa por dizer Manuel Reis Campos, que lidera a Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN) e a Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI).

Para este responsável, a construção industrializada surge como a “estratégia lógica e necessária” a seguir pelas empresas do setor. E não tem dúvidas de que o “investimento em métodos inovadores como a construção industrializada pode ser a solução eficaz para dar a resposta que o mercado da habitação necessita, assegurando o padrão de sustentabilidade e eficiência energética”.

Samuel Gonçalves, arquiteto e fundador do estúdio SUMMARY, especializado neste tipo de construção, explica que, em Portugal, a pré-fabricação tem vindo a ganhar um novo fôlego, “embora com um claro atraso quando comparado com os nossos vizinhos do norte e centro da Europa”. Confirma que existem cada vez mais empresas, “algumas até há poucos anos dedicadas exclusivamente à construção tradicional, a investir em I&D para a criação e implementação de novos sistemas construtivos”. Considera, portanto, que o impacto desta evolução na arquitetura começa, lentamente, a acontecer, “embora a esmagadora maioria dos ateliers não esteja ainda preparada, designadamente em termos tecnológicos, para acompanhar esta transição do tradicional para o modular”.

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Créditos: projeto SUMMARY | Fotografia: Building Pictures

Construção industrializada: a “desconfiança” persiste?

Apesar dos muitos benefícios e avanços neste tipo de construção, ainda existe alguma resistência por parte de alguns setores do mercado e do público em geral. O arquiteto Samuel Gonçalves lembra que os preconceitos são antigos. “Nos países de leste, a pré-fabricação em betão era mal vista porque estava associada ao regime comunista da União Soviética. Em Portugal, a pré-fabricação em madeira estava associada a edifícios de baixa qualidade, como os do Bairro das Casas Desmontáveis (finais dos anos 30) ou os chamados Bairros Norad (anos 70)”. Ainda assim, refere, começa a notar que estes e outros preconceitos estão finalmente a desvanecer.

“Aos poucos, a opinião pública vai estando cada vez mais informada. Grande parte do mercado entende, por exemplo, que em países em que se constrói com enorme eficiência e qualidade (como na Suécia ou nos Países Baixos) o nível de penetração da pré-fabricação é muito alto. A pré-fabricação não configura um obstáculo à qualidade. Pelo contrário, pode funcionar como um estímulo para a qualificação e para a modernização do setor da construção”, sublinha.

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Créditos: projeto SUMMARY | Fotografia: Fernando Guerra FG+SG

Uma opinião partilhada por Simi Launay, Chief Creative Officer da Litehaus, que atua no mercado das casas 3D e modulares. A responsável considera que a falta de conhecimento sobre as modernas tecnologias e processos utilizados na construção industrializada muitas vezes leva a esta desconfiança.

“Existe uma ideia persistente de que as casas industrializadas são de qualidade inferior às construções tradicionais. Algumas pessoas questionam a durabilidade e longevidade destas casas, temendo que não resistam tão bem às intempéries e ao ambiente envolvente. Alguns ainda acreditam erroneamente que as casas industrializadas têm limitações em termos de design personalizado, pensando que são todas iguais ou padronizadas. Ao mesmo tempo, embora a construção industrializada seja mais sustentável, esta mensagem nem sempre é comunicada da forma mais eficaz ao público, o que pode levar a mal-entendidos ou cepticismo sobre os benefícios ambientais deste tipo de construção”, defende.

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Créditos: projeto Litehaus

Simi Launay lembra que, ao optar pela construção industrializada, “as empresas podem reduzir significativamente o tempo de produção, minimizar desperdícios e controlar melhor os custos”. Além disso, a precisão e a consistência alcançadas pela fabricação em ambiente controlado garantem um “produto de alta qualidade e durabilidade”.

Do ponto de vista sustentável, este tipo de construção permite também uma gestão mais eficiente dos recursos, pois utiliza materiais amigos do ambiente e otimiza o consumo de energia ao longo do ciclo de vida da casa.

Os (grandes) desafios da construção modular

Os principais desafios “prendem-se com um tecido industrial ainda pouco preparado para responder tecnologicamente às necessidades associadas à produção de soluções modulares”, na opinião do arquiteto Samuel Gonçalves. Do ponto de vista regulamentar, o responsável menciona “os mesmos entraves que afetam qualquer tipo de construção em Portugal: um quadro regulatório excessivo, complexo e muitas vezes contraditório, e uma tendência kafkiana que se verifica em alguns organismos da administração pública que, tantas vezes de forma arbitrária e até ilegal, indeferem e atrasam ad aeternum os processos de licenciamento”.

Manuel Reis Campos defende a necessidade de maior “investimento em infraestrutura e tecnologia, na construção e modernização das fábricas de pré-fabricação, no desenvolvimento de novos materiais e técnicas construtivas, bem como na implementação de sistemas de automação e digitalização dos processos de produção”. Além disso, diz, é preciso investir em programas de formação e capacitação profissional para capacitar os trabalhadores do setor a estarem aptos para este novo modelo construtivo. Mas não só. O responsável destaca o papel que o Governo deve assumir no estímulo à construção industrializada, “por meio da implementação de incentivos e políticas públicas, da criação de linhas de financiamento específicas, da definição de normas e regulamentos claros que incentivem a adoção da construção industrializada, bem como, através da promoção de projetos piloto”.

O apelo de Simi Launay vai exatamente no mesmo sentido. Para que a construção de casas industrializadas atinja a capacidade de produção em massa, a CCO da Litehaus frisa o necessário “investimento significativo em tecnologias avançadas, equipamentos modernos e infraestruturas adequadas para apoiar a produção em massa, tais como fábricas bem equipadas, linhas de produção automatizadas e sistemas logísticos eficientes”, assim como conseguir “garantir que os trabalhadores tenham as competências necessárias para operar equipamentos modernos e seguir padrões de qualidade”.

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Créditos: projeto Litehaus

A responsável defende igualmente a “criação de regulamentos e normas técnicas claras para as habitações industrializadas, de forma a garantir a segurança, durabilidade e qualidade das construções, ajudando a criar um ambiente de negócios previsível e a promover a confiança no mercado”. Ao mesmo tempo, refere Simi Launay, “é importante educar o mercado e sensibilizar os consumidores para os benefícios da habitação industrializada, combatendo preconceitos e mitos associados a este tipo de construção. “À medida que mais pessoas se familiarizarem e confiarem neste método, a procura aumentará, impulsionando a procura”, acrescenta.

Reis Campos concorda que um dos principais desafios regulamentares dos novos métodos construtivos está relacionado com o facto de muitas normas e procedimentos existentes terem sido desenvolvidos com base na construção tradicional, “o que pode criar dificuldades às empresas promotoras”. “Com efeito, uma vez que estas construções estão sujeitas a licenciamento, comunicação prévia ou isenção, na mesma medida que qualquer outra operação urbanística, há que garantir uma constante atualização e simplificação dos procedimentos administrativos, de modo a viabilizar a implementação de projetos de construção modular, ao mesmo tempo que se garante a sua conformidade com as normas e regulamentos aplicáveis”, sustenta o presidente da CPCI e da AICCOPN.

Casas do futuro: oferta continua a crescer

A verdade é que as casas modulares estão a tornar-se uma alternativa de habitação cada vez mais popular em Portugal, que precisa de soluções para enfrentar a crise. Em resposta a esta tendência, um número crescente de empresas está a investir nestes modelos construtivos.

É o caso da Vanguard Properties, que decidiu apostar na construção industrializada de casas em madeira em 2021, com a Kōzōwood Industries. Numa entrevista recente ao idealista/news, José Cardoso Botelho, CEO da promotora imobiliária, indicou que as casas de madeira são uma “alternativa de habitação em todos os segmentos”, desde o luxo à classe média. E não tem dúvidas de que “vai-se ver cada vez mais a construção em madeira a espalhar-se pelo país”.

Muda Reserve
Muda Reserve, na Comporta / Vanguard Properties | Kōzōwood Industries

Também a Casais e a Secil anunciaram no arranque do Salão Imobiliário de Portugal (SIL 2024), no início de maio, uma 'joint-venture' focada na construção industrializada de edifícios, com especial foco na habitação. Daniel Granjo, diretor geral da recém-criada KREAR, acredita que a industrialização vai dar resposta “à problemática da falta da mão de obra, ao problema dos atrasos sucessivos das empreitadas, à questão da incerteza dos próprios preços e à falta de habitação em Portugal”. O responsável explicou, em entrevista, como é que pretendem colocar mais casas no mercado português.

Outro exemplo são as casas impressas em 3D, que estão a chegar a Portugal pela mão da Havelar, que quer colocá-las no mercado com preços desde 150.000 euros. Mais uma vez, o objetivo passa por, através da tecnologia, “mudar a forma de fazer casas no futuro com altos níveis de automação, com sustentabilidade e com design”, segundo revelou Patrick Eichiner, CEO e cofundador da empresa. 

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