Em entrevista, o diretor geral da KREAR revela que a construção industrializada de casas é mais rápida, eficiente e barata.
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Gonçalo Lopes
Gonçalo Lopes

A habitação em Portugal precisa de soluções. É preciso construir e reabilitar mais, de forma mais rápida, eficiente e sustentável. Mas para que isso seja possível é necessário que a construção se adapte às novas tecnologias e que haja uma mudança de paradigma sobre a forma de construir. Uma das soluções passa pela “construção industrializada que vai responder à problemática da falta da mão de obra, ao problema dos atrasos sucessivos das empreitadas, à questão da incerteza dos próprios preços e à falta de habitação em Portugal”, garante Daniel Granjo, diretor geral da recém-criada KREAR, em entrevista ao idealista/news.

Foi no dia 2 de maio, no arranque do Salão Imobiliário de Portugal (SIL 2024), que a KREAR foi apresentada ao público. Trata-se de uma joint-venture da Casais e da Secil que vem “mudar a forma de construir em Portugal”, que hoje continua assente na construção tradicional. A aposta está na construção industrializada de edifícios, com especial foco na habitação. E para isso já estão a desenvolver uma fábrica em Estarreja, distrito de Aveiro, que terá uma linha de produção robótica e automatizada de painéis que vão formar as fachadas das casas.

"No final de contas, acabamos por ter uma casa muito mais eficiente, segura, confortável e flexível"

A mudança de paradigma da construção de casas tradicional para o fabrico industrializado de habitações é, por si só, um desafio. Mas Daniel Granjo acredita que há tantas vantagens na construção industrializada que o setor acabará por se render. Isto porque este tipo de construção de casas reduz a mão de obra necessária, traz segurança, diminui o desperdício, traz maior eficiência energética e ainda poupança entre 25% a 50% do prazo de execução, o que depois se reflete no preço das casas.

A urgência de construir mais casas em Portugal está lá e o “receio” da mudança parece ir-se dissipando, até porque o diretor geral da KREAR adianta que têm tido “muita recetividade, porque o mercado necessita, de facto, deste tipo de soluções, de tornar o processo mais simples”. Já têm vários projetos de norte a sul do país em análise e esperam começar a construir casas “na caixa mágica” em breve. Descobre como é que a construção industrializada da KREAR vai funcionar e ajudar a colocar mais casas no mercado português nesta entrevista realizada pelo idealista/news a Daniel Granjo, diretor geral da empresa, que partilhamos em seguida.

Construção de casas em Portugal
Apresentação da KREAR no SIL 2024 KREAR

Como surgiu a ideia de lançar a KREAR?

A KREAR resulta de uma joint-venture 50-50 entre a Casais e a Secil. É fruto de uma estratégia comum que procura dar resposta a algumas lacunas do mercado. Portanto, a construção industrializada vai responder à problemática da falta de mão de obra, ao problema dos atrasos sucessivos das empreitadas, à questão da incerteza dos próprios preços e à falta de habitação em Portugal.

Em que consiste a construção industrializada desenvolvida pela KREAR?

A nossa estratégia assenta basicamente em dois vetores: darmos resposta a um sistema estrutural integralmente pré-fabricado enquanto também desenvolvemos a casca do edifício, as fachadas, junto dos arquitetos. Depois, os projetos são compatíveis com industrialização de casas de banho, de cozinhas, etc.

Estamos a tentar trazer processos para dentro de fábrica, num ambiente controlado, reduzindo, assim, tarefas em obra convencional. Os trabalhos de assemblagem são muito mais simples e intuitivos, com menos esforço físico e menos mão de obra. Além disso, também há a redução do prazo de execução das empreitadas, com uma perspetiva de redução entre 25% a 50%.

"Estamos, de facto, a falar de uma nova geração de habitação e com processos muito mais eficientes e rápidos"

A construção industrializada da habitação vai ser o futuro?

Sim, sem dúvida. A forma convencional como a construção se comportou e como foi desempenhando a atividade até agora claramente é um modelo esgotado, é um modelo que tem de mudar se quer continuar a evoluir, se quer continuar a responder à demanda. Essa tal alteração de paradigma assente na forma de construir é para ficar, não tenho dúvidas. Não só porque os recursos estão esgotados, como a mão de obra e a mão de obra qualificada, mas também porque não é compatível com a rapidez com que se faz uma empreitada. A expectativa de quem necessita de uma casa não é compatível, muitas vezes, com os prazos que as empreitadas têm. Assim, esta mudança de paradigma serve também para resolver a questão do tempo. Por isso, sim, acreditamos que vai ser o futuro.

No entanto, não tenho dúvidas que a construção convencional vai continuar a existir. Vão ter de coabitar, porque não conseguimos reduzir totalmente os trabalhos em obra. Temos é de colocar as pessoas nas tarefas onde são realmente necessárias. E os trabalhos repetitivos e, portanto, menos precisos, vamos deixar para os equipamentos, para a tecnologia e para as nossas máquinas e robôs.

Construção de casas industrial
Unidade de produção em Estarreja KREAR

Este tipo de construção pode ajudar a dar resposta à falta de casas que existe no mercado?

Acreditamos que o nosso sistema poderá dar um contributo importante. A urgência deste projeto é porque, de facto, sentimos essa necessidade do próprio mercado que já nos vai conhecendo, já nos tem solicitado. Já há aqui alguma procura, já temos a equipa técnica a estudar projetos e acreditamos que vai dar resposta ao problema da habitação. Porquê? Porque vai construir  edifícios de uma forma segura e muito mais saudável. Até porque vamos ter elementos que vão acabar por conferir um desempenho térmico e energético à própria habitação, diferente da construção tradicional.

Estamos, de facto, a falar de uma nova geração de habitação e com processos muito mais eficientes e rápidos, o que obriga, naturalmente, a ter um procedimento diferente do que o que temos até agora. Obriga-nos a planear com mais antecedência, a preparar todo o processo, toda a cadeia de abastecimento até à altura da montagem. Mas depois permite uma construção planeada, rápida, eficiente e, no fundo, sustentável, que é isso que precisamos.

Qual vai ser a vossa capacidade de produção de casas em fábrica?

A nossa unidade em Estarreja vai ser capaz de produzir o equivalente a cerca de 15 hotéis por ano ou a 1.500 apartamentos de cerca de 70 metros quadrados (m2) por ano. A fábrica terá uma linha bastante automatizada tendo capacidade para produzir em série 700 m2 por dia, em termos de painéis. Vamos ter ainda um espaço dedicado à customização, porque acreditamos que uma casa tem de ter uma identidade, tem de ter naturalmente uma criatividade e só assim é que as coisas vão funcionar. E, portanto, acreditamos que a KREAR será, de facto, uma solução para a problemática da habitação.

"Propomos uma redução entre 25% a 50% do prazo de execução, o que se traduz no preço final"

Vão trabalhar com promotores e construtores ou vender casas diretamente às famílias? Qual é o preço das casas feitas pela KREAR?

Não vamos fazer venda direta de casas. Vamos prestar serviço maioritariamente a construtores, mas também a promotores. Vamos posicionar-nos como um fornecedor de uma solução estrutural, que também vai oferecer uma casca do edifício. Ou seja, toda a fachada que vai também incorporar as caixilharias, os vidros, etc. Estamos a falar de uma série de tarefas que normalmente são feitas em obra com pouca precisão, com muito menos qualidade, muito menos controlo, e estamos a trazer isto para dentro da nossa caixa mágica. Em todos os restantes componentes da casa (casas de banho, cozinhas, entre outros) poderemos incorporar outras soluções que já existem no mercado.

Nos projetos que já estamos a trabalhar, estamos a conseguir alinhar valores com o preço que é a referência da construção tradicional. Isto quer dizer que vamos ter um ganho significativo, porque propomos uma redução entre 25% a 50% do prazo de execução, o que se traduz no preço final. A industrialização implica, obviamente, aqui um critério de alguma escala. Não podemos pensar que vamos ter um preço competitivo se vamos fazer uma obra de arte para cada casa. Há aqui um efeito de escala que, de facto, é importante. Vamos ser capazes de responder a pequenos e médios projetos, que são a grande parte da nossa promoção imobiliária.

Casas eficientes em Portugal
Foto de Thirdman no Pexels

Que tipo de projetos é que a KREAR já tem em carteira em fase de análise?

Estamos a trabalhar em alguns projetos e todos são muito interessantes do ponto de vista do valor arquitetónico. Temos obras desde o setor mais ligado ao turismo, segunda habitação, edifícios públicos e também construção a custos controlados. Temos um pouco de tudo, o que é excelente. E conseguimos atender a cada especificidade, a cada requisito. Essa é a flexibilidade que oferecemos e que não existe no mercado.

O objetivo é responder à procura de norte a sul do país. E a KREAR também foi pensada para exportação, num segundo momento, para países como Espanha e França. Neste momento, estamos a estudar uma obra a norte do país e outra bastante a sul. O transporte desde a nossa fábrica em Estarreja e depois o processo de assemblagem quanto mais perto for, mais competitivo se vai tornar. Mas a geografia ou a distância não será um problema.

Como tem sido a recetividade do mercado imobiliário à construção industrializada?

Temos uma obra pública em Lisboa que está muito adiantada. É um processo que nasce como construção tradicional e estamos na fase de fazer a conversão do projeto que era tradicional para passar a ser pré-fabricado. Temos tido muita recetividade, porque o mercado necessita deste tipo de soluções, de tornar o processo mais simples. É necessário, obviamente, pensar diferente. É preciso preparar mais cedo, planear, ter toda a cadeia logística pensada. Mas o processo de assemblagem é muito mais rápido. E depois, no final de contas, acabamos por ter uma casa muito mais eficiente, segura, confortável e flexível. É isso que na realidade pretendemos.

"Há uma redução de desperdício óbvia, porque produzimos o betão ao centímetro cúbico, pelo que o desperdício é quase zero"

Quais são as vantagens que tem este método de construção industrializada de habitação em Portugal?

A leitura das vantagens da construção industrializada é diferente dependendo dos stakeholders. Para os promotores imobiliários interessa colocar rapidamente os ativos no mercado e rentabilizá-los, por isso, a redução de tempo da execução da obra é importante. Os construtores vão ter aqui um ganho importante do ponto de vista de redução de mão de obra, porque estão a trazer processos para dentro de fábrica. Os arquitetos vão interessar-se em ter alguém que tenha um departamento técnico como nós temos, que os vai acompanhar desde o primeiro momento. Para o utilizador final, há a vantagens de as casas serem feitas através de elementos devidamente certificados, com um desempenho térmico e acústico interessante e que também resulta em poupança da fatura energética.

Hoje, todas as empresas têm necessidade e preocupação com a sustentabilidade. O nosso projeto é verdadeiramente sustentável: há uma redução de desperdício óbvia, porque produzimos o betão ao centímetro cúbico, pelo que o desperdício é quase zero, enquanto numa obra tradicional podemos ter 20% de desperdício. Há também a questão da segurança. O facto de termos um processo dentro de fábrica, bastante sistematizado e organizado, mitiga posições e tarefas de risco.

Que desafios há na construção industrializada?

A mudança de paradigma da forma de construir é, por si só, uma barreira. Tomámos um pouco a dianteira ao dedicar-nos exclusivamente ao fabrico e industrialização de edifícios, o que esbarra com a construção tradicional. Mas há outras barreiras. O próprio financiamento destes projetos também tem de mudar, porque começamos a produzir o edifício muito mais cedo em fábrica. A própria banca terá de se adaptar a este tipo de financiamentos. Este é um crescimento com pedras no caminho, mas faz parte. Mas acho que as vantagens são tantas que vamos ter de encontrar soluções.

Casas pré-fabricadas
Unidade de produção em Estarreja KREAR

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