“A sustentabilidade é algo que hoje não é uma escolha, já não é uma opção, é uma obrigação. E, portanto, a construção em madeira, do ponto de vista da sustentabilidade, é claramente a melhor opção”. Quem o diz é José Cardoso Botelho, CEO da Vanguard Properties, que decidiu apostar na construção industrializada de casas em madeira em 2021, com a Kõzõwood. As casas em madeira revelam-se, assim, uma “alternativa de habitação em todos os segmentos”, desde o luxo à classe média. É por isso que o responsável não tem dúvidas que “vai-se ver cada vez mais a construção em madeira a espalhar-se pelo país”, até porque “a quantidade de promotores que já estão a querer fazer casas em madeira é brutal”, diz em entrevista ao idealista/news.
Foi em 2021 que a Vanguard Properties decidiu investir na Kõzõwood, uma empresa especializada em construção industrializada de casas em madeira (e outros edifícios). De lá para cá, já tem dois projetos imobiliários de grande dimensão em Portugal: um na Comporta, que combina turismo, hotelaria, habitação e “muito desporto”, com um investimento de três mil milhões de euros. As cerca de 1.000 casas de madeira são destinadas à “classe alta e muito alta”, havendo já uma procura estrangeira grande e diversificada, sobretudo, por norte-americanos. Outro projeto é a Foz do Tejo, às portas de Lisboa, onde a construção vai ser “altamente sustentável, sendo grande parte em madeira”, com um investimento entre 250 e 300 milhões de euros.
“Estamos neste momento a estudar uma modelação que permita fazer edifícios altamente competitivos, com qualidade, para vender ou arrendar à classe média”
As casas de madeira na Comporta, que são um dos “ex-líbris” da Vanguard Properties, estão à venda por preços acima de um milhão de euros, não estando ao alcance de todos os bolsos. Mas a verdade é que hoje as casas em madeira também podem ser uma opção para a classe média. A vontade de investir existe por parte da empresa: “Estamos neste momento a estudar uma modelação que permita fazer edifícios altamente competitivos, com qualidade, para vender ou arrendar à classe média”, revela José Cardoso Botelho na entrevista. Mas para que isso seja possível é preciso que haja alterações ao nível do IVA, disponibilização de terrenos públicos e ainda financiamento bancário a longo prazo. Algumas destas medidas estão incluídas no novo programa Construir Portugal do Executivo de Montenegro, que foi apresentado a 10 de maio.
Além destes, a construção de casas em madeira enfrenta outros desafios do ponto de vista regulamentar, que se prendem com a segurança contra incêndios ou a construção em altura. Mas estas são questões que se levantam por “desconhecimento das qualidades da madeira” enquanto material de construção, assume José Cardoso Botelho, CEO da Vanguard Properties e gestor da Kōzōwood Industries, em entrevista ao idealista/news no primeiro dia do Salão Imobiliário de Portugal (2 de maio), onde revela as verdadeiras vantagens da madeira na construção de habitação em Portugal e lá fora.

A Vanguard decidiu investir no fabrico de casas de madeira com a Kõzõwood. Porque é que decidiram dar este passo?
Decidimos investir na Kõzõwood e na construção sustentável por várias razões. Desde logo, achámos que a madeira seria a forma ideal de construção na Comporta, que é o nosso projeto de maior dimensão. Primeiro, porque acreditamos que a sustentabilidade é algo que hoje não é uma escolha, já não é uma opção, é uma obrigação. E, portanto, a construção em madeira, do ponto de vista da sustentabilidade, é claramente a melhor opção. Segundo, porque na Comporta, como em muitas zonas do país, há falta de mão de obra e, portanto, tínhamos de inovar no método construtivo, recorrendo à industrialização, que tem menor necessidade de recursos humanos.
A construção industrializada, em madeira ou em cimento, poderá ser o futuro?
A construção industrializada é certamente o futuro. Em Portugal, estamos um pouco atrasados, enquanto o norte da Europa está mesmo muito avançado - aliás, toda a nossa tecnologia provém do norte da Europa, da Alemanha e da Dinamarca. E, por isso, achamos que não há volta a dar, porque temos um problema muito grande, que é a falta de mão de obra, e não vai ser possível recuperar a mão de obra que já tivemos no passado. Aliás, há uma grande procura ao nível da Europa pela nossa própria mão de obra, pelo que corremos o risco até de perder uma parte dos trabalhadores que temos no setor da construção. Portanto, a industrialização é o único passo. E tem uma outra vantagem: os operários de uma fábrica têm qualificações muito superiores, tem muito menos risco, porque, no fundo, todas as operações de peso, mais complexas e perigosas, são feitas por máquinas. E, por fim, traz as mulheres para a fábrica portuguesa, já que passa a ser um emprego como qualquer outro dentro de fábrica, que tem um horário certo e próximo de casa.
"A quantidade de promotores que já estão a querer fazer casas em madeira é brutal"
Este tipo de casas em madeira são uma alternativa de habitação?
As casas de madeira podem ser uma alternativa de habitação em todos os segmentos. Obviamente que os projetos são diferenciados, mas isso também acontece na construção tradicional. É possível fazer projetos em madeira não só eficientes do ponto de vista económico, mas também do ponto de vista acústico, térmico, eficiência energética, etc. Vai-se ver cada vez mais a construção em madeira a espalhar-se pelo país. Aliás, basta falar com as câmaras ou com os arquitetos ou engenheiros e vê-se. E a quantidade de promotores que já estão a querer fazer casas em madeira é brutal.

Neste momento, as casas em madeira podem ser soluções a preços mais acessíveis ou são ainda um “luxo”?
As casas modulares são, no fundo, casas que são pré-fabricadas e vão montadas para o local. Esse tipo de solução consegue ser altamente eficiente e, obviamente, hiper-rápida na produção. É muito económico e consegue-se já fazer alternativas muito interessantes, até por conjugação de módulos. Mas quem quer fazer uma casa de nível mais alto com a sua própria arquitetura, essa solução normalmente não funciona. Importa dizer que o preço de uma construção hoje tem menos que ver com a estrutura, mas mais com acabamentos e equipamentos. Portanto, é possível fazer casas a preços competitivos, sobretudo, se forem modelares. Mas mesmo nas outras também é uma questão de projeto e, sobretudo, dos acabamentos. É uma solução para todo o tipo de imobiliário. Ou seja, pode ser para um edifício em altura, edifícios de baixa dimensão, pavilhões, habitação, hotelaria, escritórios.
"Estamos absolutamente convencidos que foi um grande investimento do nosso lado e que vai ajudar a descarbonizar o setor e oferecer soluções novas para o mercado"
Inauguraram, recentemente, uma nova unidade de produção de estruturas em madeira para casas e edifícios, que terá capacidade para produzir mais de 1.000 casas por ano. Considera que falta capacidade de produção em massa no país?
Inaugurámos no final de fevereiro a nossa unidade em Esposende, pelo que temos hoje capacidade para construir 1.200 habitações. Portanto, diria que não, que o mercado é muito maior que isso. Até porque o nosso objetivo não é só o mercado nacional, nem é só fornecer a própria Vanguard. E, por isso, já estamos a avançar com a terceira fase na fábrica de Esposende, que deverá abrir até final do primeiro semestre de 2025, onde vamos acrescentar em 50% a capacidade de produção. O mercado é gigantesco e também há muito mercado de exportação. Estamos absolutamente convencidos que foi um grande investimento e que vai ajudar a descarbonizar o setor e oferecer soluções novas para o mercado.

A fileira da construção e promoção imobiliária em Portugal está preparada para lidar com a diretiva da União Europeia que exige que os novos edifícios sejam neutros em carbono a partir de 2030?
Vai ter de ser feita nos próximos dois ou três anos uma alteração muito radical na forma de projetar e na forma de construir para sermos capazes de cumprir com essas regras. Sabemos que o setor da construção é responsável por 40% das emissões de CO2 e o que estamos a dizer agora é que tem de passar a zero em cerca de seis anos, o que é um salto brutal e vai requerer muito investimento. Não sei se existe capacidade de investimento instalado em Portugal para conseguir fazer esta alteração de paradigma num espaço tão curto. É um desafio gigantesco. Provavelmente, não se vai conseguir tudo aquilo que devia ser feito, mas certamente vai-se fazer alguma coisa, o que já não é mau. Talvez seja dos nossos maiores desafios dos próximos anos.
"A madeira resiste melhor ao fogo do que um edifício construído de forma tradicional"
A construção modular ainda tem muito desafios em termos de leis e quadros regulatórios em Portugal? Como é a sua resistência contra incêndios? É possível construir em altura?
Os desafios para a construção em madeira do ponto de vista regulamentar existem em algumas áreas, nomeadamente na segurança contra incêndios ou na construção em altura. Portugal devia olhar para aquilo que se faz na Dinamarca, na Áustria, na Alemanha ou na Suíça, onde se constrói em madeira com qualidade há muito tempo. Acho que muitas vezes há desconhecimento.
Ainda se atribui à madeira um conjunto de características que não correspondem à verdade, como a falta de resistência ao fogo. A madeira resiste melhor ao fogo do que um edifício construído de forma tradicional, porque a condutibilidade da madeira é muito baixa, ou seja, o transporte de calor é muito baixo, ao contrário do betão. Embora o betão não arda, a temperatura que é gerada dentro de um espaço faz com que o betão acima de 200 graus perca as suas características físicas. E a 1.200 graus o ferro funde e perde resistência, portanto, a estrutura cai. Foi isso que aconteceu às Twin Towers, nos EUA, no ataque do 11 setembro de 2001: quando os edifícios atingiram determinada temperatura caíram como um baralho de cartas.
Depois, um edifício bem construído em madeira tem uma durabilidade muito elevada e não é mais caro em termos de manutenção, como se pensa. Tudo tem que ver com a técnica. Por exemplo, existem na China ou no Japão edifícios em madeira com mais de 3.000 anos. E nós em Portugal temos o bom exemplo da Baixa Pombalina, que é feita essencialmente em madeira. Por outro lado, há quem pense que não há madeira, mas nunca houve tanta madeira no mundo como agora, sobretudo, nos países que usam a madeira como método construtivo. E porquê? Porque se dá valor económico à madeira, estimulando a sua produção.
Além disso, é possível construir em altura com madeira. Estamos a trabalhar com um atelier dinamarquês que está a projetar o maior bairro do mundo, o Sickla, em Estocolmo, que é integralmente feito em madeira. Acredito que à medida que se vai conhecendo as qualidades da madeira, as pessoas passam a optar mais pela madeira, até porque vão ter uma casa muito mais confortável.

A Vanguard pretende continuar a investir na construção industrializada? Ponderam apostar na construção de habitação acessível?
Em termos de posicionamento, pretendemos continuar a investir no segmento premium/luxo. No entanto, na Suíça - onde somos um dos maiores promotores - o nosso segmento é exatamente o oposto, a classe média. Isto tem a ver com o facto de termos tido a disponibilização de alguns terrenos e por a classe média suíça, apesar de tudo, ter capacidade para comprar casas sem subvenções.
Em Portugal, neste momento, não é fácil, mas vontade existe. A questão é conseguir fechar a conta, mas os impostos que temos são de tal maneira elevados que muitas vezes é verdadeiramente impossível desenvolver habitação a preços controlados com qualidade. Estamos muito expectantes sobre o que o Governo vai anunciar nas próximas semanas sobre o tema do IVA, da disponibilização de terrenos ou de edifícios do Estado, que sabemos que são muitos [o Executivo de Montenegro apresentou 30 medidas no seu plano Construir Portugal no dia 10 de maio, depois de realizada a entrevista].
A industrialização será certamente o caminho. Aliás, estamos neste momento a estudar uma modelação que permitiria fazer edifícios altamente competitivos, com qualidade, para se vender ou arrendar à classe média. Importa recordar que hoje o segmento médio em Portugal procura casas à venda a menos de 200 mil euros. Mas há aqui uma questão, que não se coloca na Suíça: como adaptar o preço das casas ao poder de compra? É com a duração do financiamento. Em Portugal, os bancos estão impedidos de emprestar mais do que 10% para a promoção imobiliária, de todo o tipo. E depois há um conjunto de rácios de risco que faz com que os financiamentos a muito longo prazo sejam muito onerosos e, por isso, os bancos não os fazem.
Portanto, ou se altera um conjunto de regras que permita aos bancos começarem a financiar os construtores a 50 anos, tal como fazem aos compradores finais, ou então é muito difícil. A solução seria através dos fundos de pensões, mas não estão a investir em Portugal por enquanto. Portanto, hoje não há fundos necessários e suficientes para fazer muitas casas sem empréstimos.
"Não basta ter um simplex, é preciso ter pessoas. E para isso é preciso pagar-lhes convenientemente"
Com o simplex, espera que os licenciamentos possam ser mais rápidos?
Tudo aquilo que visa a simplificação é bom. Julgo que o processo teve as suas vicissitudes, foi lançado com algumas falhas, algumas questões de natureza técnica que são, diria, a maior parte delas relativamente fáceis de resolver. Mas também há falta de formação e de informação a nível das câmaras, o que pode ser resolvido. Ao contrário de muitos que acham que devia ser suspenso, considero que o simplex não deve parar. Deve-se é resolver rapidamente os problemas que foram identificados e ajudar as câmaras a terem uma melhor integração e uma interpretação comum a todas, formando mais pessoas.
Depois, um dos grandes problemas que temos hoje nas câmaras não é a lei, são os salários baixos. E, por isso, as câmaras têm enorme dificuldade em contratar recursos, nomeadamente arquitetos e engenheiros. Não basta ter um simplex, é preciso ter pessoas. E para isso é preciso pagar-lhes convenientemente. O que tenho visto em muitas câmaras é que estão a ficar sem técnicos, porque não lhes conseguem pagar. E isso tem de ser visto rapidamente, caso contrário as câmaras ficam impedidas, digamos assim, de cumprir as suas funções.
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