Intervenções na abertura da VII Semana da Reabilitação Urbana do Porto colocaram ainda em causa a construção para a classe média.
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Mercado critica novas propostas do Governo para o imobiliário
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Para que o mercado imobiliário funcione bem é necessário que sejam criadas medidas que permitam um clima de confiança entre os operadores privados e as entidades públicas. Contudo, nas últimas semanas, foi anunciado um conjunto de propostas que se prevê que venham a fazer parte do programa do novo Governo, que levantam dúvidas e dominaram as intervenções na sessão de abertura da VII Semana da Reabilitação Urbana do Porto, realizada esta segunda-feira (11 de novembro de 2019), e que termina sexta-feira, dia 15, no Palácio da Bolsa no Porto, contando com o idealista, como portal oficial.  

A proposta do atual Governo de obrigatoriamente englobar os rendimentos prediais no IRS, algo que atualmente é facultativo – com a possibilidade de acabar a Taxa Liberatória -, e as alterações no regime do Golden Visa, que deixariam de contemplar os investimentos nos centros das principais cidades, são duas das medidas que, de forma unânime, receberam críticas pelos efeitos negativos que podem ter no mercado.  

Nuno Botelho, presidente da Associação Comercial do Porto (ACP), anfitrião do evento da Semana da Reabilitação e que abriu a sessão de abertura, destacou que a proposta do atual Governo de englobar os rendimentos prediais, para efeitos de IRS, é, uma “alteração de política muito grave”. 

Contudo, na tónica das diversas intervenções, ficou patente o descrédito sobre a eficácia das medidas do programa do anterior Governo, reunidas na Nova Geração de Políticas de Habitação, para incentivar a construção e o arrendamento acessível e, simultaneamente, a construção de habitação para a classe média. 

A VII Semana da Reabilitação Urbana do Porto que, de acordo com Gil Machado, responsável pela sua organização, recebeu a “maior adesão de expositores e de inscrição de participantes”, é um evento que propõe um programa intenso de iniciativas focadas na reabilitação e regeneração urbanas, com especial enfoque na realidade da cidade Invicta.  

“Eu temo que não estejamos no caminho certo” 

Para Pedro Baganha, vereador do Urbanismo da Câmara do Porto, o estabelecimento de um clima de confiança no imobiliário é muito importante. “Eu temo que não estejamos no caminho certo”. Porque, diz, “em Portugal quando se avança com uma intenção e depois muda-se a lei, não é o caminho certo”. 

Na opinião de Pedro Baganha, o mercado de habitação acessível “vai redundar num desenho de desequilíbrios”, em que a oferta vai acabar “no mercado de venda livre”. Acrescentando, “vamos ter um mercado de arrendamento que vai encolher”, frisando, será um “mercado de arrendamento com rendas acessíveis inexistente”. 

Contudo, o responsável destaca o caso do Porto, onde a autarquia avançou “com redução de taxas e isenção de impostos que permitem transformar uma operação imobiliária num negócio rentável”, nos projetos destinados à construção e ao arrendamento para o mercado acessível. 

Um ataque ao mercado imobiliário 

Na sua intervenção Luís Lima, presidente da APEMIP, considerou que “a última semana foi um ataque ao mercado imobiliário”. 

Na sua opinião, “acabar com os Vistos Gold é grave, especialmente em Lisboa e Porto”. Mas a sua preocupação estende-se também ao Alojamento Local e aos regulamentos municipais para Lisboa - já aprovado -, e no Porto, que se encontra em preparação. 

Para o presidente da APEMIP, “acabar com a taxa liberatória não está certo”, considerando que são medidas que vão diminuir a procura e criar desconfiança no mercado. 

Assumindo-se com “um adepto fervoroso da reabilitação”, destaca que esta não chega. “Nas periferias também precisamos de habitação, e a sua falta faz com que esteja a aumentar o preço”. 

Luís Lima alerta, ainda, para a concessão de crédito à compra de habitação, considerando que as entidades bancárias “estão a emprestar maiores quantidades a grandes clientes” e não à “classe média e ainda menos aos jovens”. Acrescenta, “mesmo que o Banco de Portugal diga o contrário é mentira”. 

Promotores pedem informações sobre habitação acessível 

De acordo com António Fontes, responsável da área de Fomento à Construção do Santander, “começam a aparecer alguns promotores a perguntar sobre os programas de habitação acessível”, mas, frisa, “sem saberem muito bem o que querem”. 

Contudo, casos recentes, como o que aconteceu com o projeto de rendas acessíveis da Câmara de Lisboa, na Rua de São Lázaro, em que o Tribunal de Contas recusou o visto prévio porque parte do projeto era para venda, o que permitiria ao promotor conseguir, num curto prazo, viabilizar o investimento, acabam por levar os investidores a não avançar com os projetos. 

“De seis promotores iniciais, só dois continuam interessados, os outros desistiram”, destaca António Fontes. 

Acrescenta, “nós estamos sensibilizados e queremos financiar para promoção para a classe média”. Contudo, adverte, “achamos que é difícil” com estas regras. 

Medidas do Governo abaixo das expetativas 

Reis Campos, presidente da federação da construção (FEPICOP), destaca que apesar dos últimos governos terem demonstrado uma grande preocupação com a habitação, os efeitos práticos das medidas criadas, ficaram abaixo das expectativas. 

As regras desajustadas, a burocracia em excesso, os incentivos insuficientes e a falta de recursos financeiros”, são, segundo Reis Campos, as razões que levaram a que a sua eficácia ficasse comprometida. 

Reis Campos, alerta, que o imobiliário e, muito especialmente, o segmento da habitação, precisa de “estabilidade fiscal e legislativa, de segurança jurídica e de um rácio de risco/retorno adequado”. Ou seja, fatores que permitam influenciar positivamente os níveis de confiança dos investidores. 

Contudo, refere que isso não será possível enquanto o Estado “mantiver o AIMI, tributar os stocks de casas detidas para venda por parte das empresas do setor e continuar a olhar para o imobiliário, unicamente, como uma fonte inesgotável de impostos”. 

Custos de contexto travam construção para classe média 

“Hoje a construção de habitação para a classe média é uma das grandes oportunidades do mercado, só resta saber porque ainda não o é”, considera Hugo Santos Ferreira, vice-presidente executivo da APPII.  

Na sua opinião, “as causas são os custos do contexto” e se “não forem tomadas medidas”, a construção para a classe média não vai acontecer. 

Assim, enumera, “a grave falta de mão de obra, os custos e timings do licenciamento, o custo da construção e a taxa real de IVA, sem dedução”, são, na sua opinião, fatores que justificam que apesar da falta de habitação a preços médios, os promotores não avancem com projetos. 

Hugo Ferreira destaca, ainda, que “excetuando a criação das SIGI, não se deslumbra a criação de medidas para fomentar a habitação”.   

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