"Só há uma solução, alterar e corrigir o que está mal", revela ao idealista/news Avelino Oliveira, presidente da Ordem dos Arquitetos.
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Avelino Oliveira
Avelino Oliveira, presidente da Ordem dos Arquitetos Créditos: Frederico Weinholtz | Freepik

Foi um dos temas que mais polémica gerou este ano no setor imobiliário e da construção. A entrada em vigor do simplex dos licenciamentos urbanísticos – o Decreto-Lei n.º 10/2024 – deu-se a dois tempos, com algumas medidas a avançarem em janeiro e outras em março. O Governo da AD anunciou, entretanto, que haverá mudanças na lei. Uma revisão que “será profunda”, revela ao idealista/news o presidente da Ordem dos Arquitetos (OA). Segundo Avelino Oliveira, “só há uma solução, alterar e corrigir o que está mal”. “Felizmente o Governo reconheceu isso e estamos a trabalhar com o Ministério e a Secretaria de Estado para melhorar os diplomas alterados e corrigir o que se pode corrigir”.

Avelino Oliveira, que no final do ano passado substituiu Gonçalo Byrne no cargo de presidente da OA, põe o dedo noutras “feridas” diretamente relacionadas com setor da habitação em Portugal. “O mercado paralelo de arrendamento continua a ter um impacto significativo no país, contribuindo para a evasão fiscal, a desregulação do mercado habitacional e a falta de proteção – tanto para inquilinos quanto para proprietários”, avisa, apelando “aos estudantes universitários e familiares que evitem pactuar com uma política de habitação desregulada”.

Outro dos assuntos abordados na entrevista está relacionado com a contratação, por parte de entidades públicas, de serviços de arquitetura a valores abaixo do preço base estipulado nos concursos públicos. Avelino Oliveira assegura que esta ainda “é uma prática comum” e que tem impacto “profundamente negativo no setor da arquitetura”. “É imperativo que as entidades públicas respeitem os preços base, priorizem a qualidade e reforcem a fiscalização”, avisa.  

Simplex urbanístico atrasa obras
Créditos: Gonçalo Lopes | idealista/news

A OA apelou recentemente aos estudantes universitários e familiares para que evitem pactuar com uma política de habitação desregulada. A que se deve este apelo e a que se refere, em concreto? Que mensagem é importante passar?

A problemática do alojamento para estudantes universitários em Portugal, onde cerca de 30% estão deslocados da sua área de residência, mas onde existem menos de 10% das necessidades de alojamento, que são atendidas por residências universitárias, obriga muitos estudantes a recorrer ao mercado paralelo de arrendamento, caracterizado pela ausência de contratos e recibos, fomentando a especulação e a discriminação.

A OA tem destacado a falta de uma política fiscal inclusiva, pois os limites para deduções fiscais com despesas com habitação são baixos para os estudantes e em especial para os encarregados de educação. Assim, desincentivam a contratualização no mercado de arrendamento. Apesar de tudo há políticas ativas, mas com muita dificuldade de implementação, veja-se o recente aumento do complemento de alojamento para estudantes deslocados da sua residência, que exige contratos formais, mas que muitos estudantes desconhecem as regras, correndo o risco de perder benefícios. Além da burocracia que acarreta.

Apelamos aos estudantes universitários e familiares que evitem pactuar com uma política de habitação desregulada, bem como a todas as instituições envolvidas (universidades, associações de estudantes, autoridades tributárias, municípios, entre outras) que defendam uma política de habitação digna, contratualizada e não especulativa.

Arrendar quartos, apartamentos ou partes de habitações sem o respetivo contrato de arrendamento (…) representa evasão fiscal e inibe uma monitorização da preocupante situação da habitação (…)”, referiu a OA. O mercado paralelo de arrendamento continua a ter muita expressão no país?

O mercado paralelo de arrendamento continua a ter um impacto significativo no país, contribuindo para a evasão fiscal, a desregulação do mercado habitacional e a falta de proteção – tanto para inquilinos quanto para proprietários. Também deturpa os dados sobre a habitação, dificultando o planeamento de políticas públicas eficazes e comprometendo a transparência necessária para lidar com a crise na habitação que se vive um pouco por toda a Europa.

É essencial reforçar os mecanismos de regulação e fiscalização do mercado de arrendamento, como:

  • Campanhas de sensibilização para informar os cidadãos sobre a importância e benefícios de formalizar contratos de arrendamento, esses benefícios serão tanto do ponto de vista legal quanto fiscal;
  • Aumentar incentivos fiscais para proprietários que formalizem os contratos de arrendamento, em especial no IRS;
  • Reforço de fiscalização de situações de arrendamento irregular/ilegal. Uma fiscalização mais eficaz por parte das autoridades competentes;
  • Criação de um registo centralizado de contratos de arrendamento, que permita monitorizar o mercado habitacional e garantir a conformidade com a legislação;
  • Uma abordagem integrada, com a promoção de políticas públicas que aumentem a oferta de habitação acessível e estimulem o mercado formal de arrendamento. Um mercado habitacional equilibrado e regulado é fundamental para a sustentabilidade das cidades e para o direito à habitação.
Simplex urbanístico
Freepik

Recentemente, a OA acusou as entidades públicas de estimularem a concorrência desleal e o 'dumping', ao contratarem serviços de arquitetura abaixo do preço base estipulado nos concursos públicos. Que impacto tem esta situação no e para o setor da arquitetura?

A contração de serviços arquitetura a valores abaixo do preço base estipulado nos concursos públicos, por parte de entidades públicas, é ainda uma prática comum, onde frequentemente se verificam propostas com valores insuficientes para o trabalho técnico e criativo exigido.

Esta prática tem um impacto profundamente negativo no setor da arquitetura:

  • Promove a concorrência desleal, as empresas que operam de forma responsável e seguem as boas práticas não conseguem competir com preços que são, na verdade, irrealistas;
  • Desvaloriza a profissão e os profissionais de arquitetura, perpetuando a ideia de que o trabalho do arquiteto é um custo e não um investimento essencial para a qualidade e sustentabilidade do espaço/espaços construídos;
  • Prejudica interessa público, projetos de menor qualidade;
  • Diminui a capacidade dos ateliers em serem concorrenciais no mercado europeu e instiga os mais jovens a emigrar.

"A contração de serviços arquitetura a valores abaixo do preço base estipulado nos concursos públicos, por parte de entidades públicas, é ainda uma prática comum, onde frequentemente se verificam propostas com valores insuficientes para o trabalho técnico e criativo exigido"

É imperativo que as entidades públicas respeitem os preços base, priorizem a qualidade e reforcem a fiscalização.

“A situação remuneratória dos arquitetos devia envergonhar Portugal”, disse ao idealista/news no início do ano? O cenário mudou? O que há ainda a fazer?

A situação remuneratória dos arquitetos continua a ser preocupante, muitos profissionais enfrentam condições desafiadoras, com honorários que, em muitos casos, não refletem a complexidade e a responsabilidade do trabalho desenvolvido.

É essencial criar um quadro regulatório que valorize o trabalho dos arquitetos, garantindo critérios justos de remuneração; promover uma maior sensibilização para a importância da arquitetura no bem-estar das pessoas, no desenvolvimento sustentável e – até mesmo – na identidade cultural do país.

A OA está a trabalhar ativamente para o reconhecimento do valor dos seus arquitetos e para que seja justamente compensado, promovendo o diálogo com as entidades competentes com o objetivo de defender condições de trabalho dignas, com remuneração justa, alinhada com os padrões de qualidade exigidos pela profissão e com as melhores práticas internacionais.

Mas se nada mudar, e se se confirmar as disfuncionalidades e desconformidades legais que julgamos existirem, poderemos avançar para posições mais duras, que a seu tempo e nos órgãos próprios discutiremos.  

Obras no Porto
Créditos: Gonçalo Lopes | idealista/news

O Simplex dos licenciamentos urbanísticos gerou muita polémica, prometendo acelerar a emissão de licenças de casas e eliminar processos burocráticos na construção. Que balanço é possível fazer desde a sua implementação? Porquê?

Só há uma solução, alterar e corrigir o que está mal. Felizmente o Governo reconheceu isso e estamos a trabalhar com o Ministério e a Secretaria de Estado para melhorar os diplomas alterados e corrigir o que se pode corrigir. Oxalá 2025 seja um ano bem mais simples para os técnicos, não precisamos que seja simplex, basta que seja muito mais simples, menos burocrático e responsável.

O que considera urgente alterar/retificar no Simplex, no que diz respeito à atividade da arquitetura em particular e ao setor da construção em geral?

Como a revisão do Simplex será profunda, assumimos o compromisso com as instituições do setor de trabalhar em conjunto, no âmbito técnico, e reservando esses comentários para a documentação produzida. O que consideramos essencial já enviámos ao Governo que, julgamos, irá incorporar em grande medida os nossos contributos. O tempo agora é o da produção legislativa e, apesar das cautelas, esperar por melhorias.

"Como a revisão do Simplex será profunda, assumimos o compromisso com as instituições do setor de trabalhar em conjunto, no âmbito técnico, e reservando esses comentários para a documentação produzida. O que consideramos essencial já enviámos ao Governo que, julgamos, irá incorporar em grande medida os nossos contributos. O tempo agora é o da produção legislativa e, apesar das cautelas, esperar por melhorias"

Uma das medidas anunciadas pelo Governo, a redução do IVA na construção para 6%, ainda não saiu do papel. E sabe-se agora que a aplicação da taxa reduzida de IVA aos projetos de construção de condições especiais não deverá avançar, devido a uma diretiva europeia. A OA tem tido, junto do Governo, uma palavra a dizer sobre este tema? *[Ver nota em baixo]

A OA apelou ao Governo para não recuar na aplicação da taxa reduzida de IVA de 6% aos projetos de construção. Ao contrário do que o Governo inscreveu na proposta de Orçamento de Estado, a aplicação de uma taxa reduzida de IVA a 6% aos projetos de construção de condições especiais para resolver a crise da habitação pode não avançar, devido ao entendimento restritivo da Comissão Europeia. De acordo com o Governo, a transposição da diretiva europeia, em matéria de benefícios fiscais do IVA, não permite incluir os projetos de construção das novas tipologias de soluções habitacionais na transposição legislativa da proposta de IVA.

A concretizar-se este recuo, a OA manifesta o seu profundo desagrado, lamentando uma decisão que, objetivamente, não contribui para a resolução urgente da crise na habitação, tal o grau de desigualdade que cria no setor da construção e de desregulação da concorrência no setor da arquitetura, onde no mesmo processo de edificação o fornecimento de materiais e serviços de construção tem taxas bem abaixo dos serviços dos técnicos que produzem os projetos.

Trata-se de uma medida/decisão que seria importante para ajudar a aumentar a oferta de casas em Portugal e, desta forma, combater a crise na habitação?

A questão não se resume ao aumento da oferta, mas sim à melhor disponibilidade da habitação para todos, como um direito. Em muitos casos necessitamos de construir e reabilitar, mas noutros precisamos de concretizar que o património habitacional existente esteja disponível para as pessoas habitarem lá. E isso obriga a confiança e políticas públicas fortes, sem ziguezagues e recuos recorrentes.

Em março, a OA apresentou um dossiê a todos os partidos com assento parlamentar denominado arquitetura como solução, onde apresenta propostas para melhorar o setor da habitação, mobilidade urbana e qualidade de vida. No documento destaca-se:

  • O combate à burocracia e a flexibilização dos modelos de habitação;
  • Incentivar modelos cooperativos;
  • Reutilização de edifícios existentes para moradias de jovens e idosos;
  • Desenvolver soluções habitacionais urgentes/temporárias;
  • Promover reabilitações de baixo custo em articulação com várias entidades.

Acrescentamos muitas ideias, pois o problema necessita da participação de ordens profissionais, institutos, associações e municípios e ser coordenada por especialistas independentes, em particular técnicos, e não apenas juristas.

Há uma “receita milagrosa” capaz de por um ponto final na crise na habitação? O que pode ser feito?

Não há receita, nem milagrosa, nem venturosa, obriga a muito trabalho. Infelizmente é preciso fazer todas as coisas referidas anteriormente, mas não acredito que essa ação possa roubar o título de um filme chamado “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo”.

*Nota: A autorização legislativa do Governo para formalizar um conjunto de alterações ao IVA na construção, como a aplicação da taxa reduzida em algumas empreitadas, foi chumbada esta quinta-feira (28 de novembro de 2025) no Parlamento. 

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