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"Vamos fazer tudo para promover o arrendamento e desincentivar a compra de casa", revela presidente do IHRU
idealista/news

Convicto de que a aposta na compra de casa em Portugal, nas últimas décadas, foi "um dos grandes erros da economia nacional", o presidente do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), Vítor Reis, defende uma Estratégia Nacional para a Habitação orientada claramente para o mercado de arrendamento, que revela e explica em entrevista ao idealista/news.

O que espera do próximo Governo?
Não acredito que qualquer mudança de Governo ponha em causa o rumo da Estratégia Nacional para a Habitação, cuja aprovação foi aliás amplamente consensual. O que esperamos é que as principais linhas mestras, reabilitação urbana, arrendamento habitacional e qualificação dos alojamentos, sejam as grandes tarefas e desafios dos próximos 15 anos. O que é importa é manter a trajetória.

"Não acredito que qualquer mudança de Governo ponha em causa o rumo da Estratégia Nacional para a Habitação"

Quais as atuais prioridades do IHRU?
Temos de continuar a dinamizar o mercado de arrendamento para que exista uma oferta alternativa à compra de casa. Temos de conseguir que a habitação social se torne numa verdadeira solução para as famílias carenciadas. Temos de conseguir fazer uma revisão profunda na codificação da construção. Temos de conseguir que o novo modelo de financiamento se desenvolva, sendo que o programa Reabilitar para Arrendar que lançámos recentemente é o pilar principal para esse processo. 

Como é se promove mais o arrendamento em detrimento da compra de casa?
Em grande medida, só vamos consegui-lo por via fiscal, com a progressiva redução da carga de impostos, a que o país foi obrigado a recorrer para ajudar a sair da enorme crise em que estava. 

Mas os portugueses tendencialmente querem ser proprietários...
Sim, é verdade que há um problema cultural nesta questão de querer ser dono da casa onde se vive. Mas se olharmos para a experiência dos países do Norte da Europa, dos que estão economicamente mais saudáveis e desenvolvidos, a oferta do arrendamento, em alguns casos, representa quase metade das formas habituais de alojamento.

"Temos de continuar a dinamizar o mercado de arrendamento para que exista uma oferta alternativa à compra de casa"

Em Portugal em 1960 o arrendamento representava 62%, enquanto hoje representa 20% e esse foi um dos maiores erros da nossa economia. A aposta que fizemos durante décadas na promoção da aquisição de casa própria foi tão grande que levou a um esmagamento na oferta de casas para arrendamento.

É claro que estes processos levam tempo. São desafios de longo prazo mas dos quais não podemos perder o norte. Se dentro de 20 ou 30 anos o arrendamento em Portugal representar 30% em vez dos 20% isso corresponde a um salto brutal. 

E a geração dos 20 aos 30 anos já não quer comprar casa. Já não tem a perspetiva do emprego para a vida, nem da terra ou da casa para a vida. E este padrão cultural é muito relevante para as mudanças sociais, económicas e demográficas que estamos a viver e que temos que saber ler e dar respostas nomeadamente nas formas de alojamento.

"Em Portugal em 1960 o arrendamento representava 62%, enquanto hoje representa 20% e esse foi um dos maiores erros da nossa economia"

Como assim?
Por exemplo, em termos dos níveis do conforto que se procura ou do investimento que se quer fazer. Construir casas para vender ou para arrendar não é, por isso, a mesma coisa, tal como não é a mesma coisa reabilitar ou construir casas novas. E aqui os nossos regulamentos da construção têm um problema porque não permitem fazer esta diferenciação e isso tem que ser alterado. 

Esta estratégia não é mais complicada num momento em que os bancos voltaram a estar mais ativos na concessão de crédito à habitação?
Os bancos têm de fazer o seu negócio. Isso é algo que vai continuar sempre a existir e é natural. Mas temos de perceber que há uma falha de mercado, que é o arrendamento. Quem não consegue aceder às condições que a banca exige para financiar a compra de casa não tem hoje em dia alternativa.

"Se dentro de 20 ou 30 anos o arrendamento em Portugal representar 30% em vez dos 20% isso corresponde a um salto brutal"

Além disso, é preciso ver que os níveis de concessão de crédito estão muito longe do pico, antes da crise, e vão continuar a estar e não é apenas pelas questões económicas, mas também pelos problemas demográficos.

Ou seja, o nosso país atingiu uma situação paradoxal. Há 20 ou 30 anos todos os indicadores diziam que faltavam meio milhão de casas, os últimos censos dizem que temos mais de meio milhão de casas vazias e não está a haver uma renovação demográfica. 

"Construir casas para vender ou para arrendar não é, por isso, a mesma coisa, tal como não é a mesma coisa reabilitar ou construir casas novas"

Nesse contexto, faz sentido construir novas casas?
É preciso ter-se cuidado para  não começarmos a ter uma produção habitacional que irá conduzir ao mesmo desastre que já tivemos no setor da construção e que é não se conseguir escoar o produto porque não há procura.

E quando vamos fazer reabilitação também temos de ter isto presente. Não se pode fazer reabilitação em qualquer local, tem de haver procura, numa zona que não esteja em recessão demográfica e com qualidade e um preço acessível.

O IHRU não vai então nunca apoiar a construção ou financiamento de compra de casa?
Não se verá o IHRU nesta fase a dar qualquer tipo de prioridade ou benefício à construção nova ou ao financiamento para aquisição de casa própria, mas não excluímos a possibilidade de fazê-lo se nos for demonstrado localmente que é necessário construir casas novas.

Há países que têm um seguro de renda para dar mais segurança ao mercado. Pode esperar-se algo similar em Portugal?
É uma das coisas que está prevista na reforma e que terá de ser implementada nos próximos anos. Há muitos modelos, mas a lei que a Assembleia da República aprovou não definiu nenhum. Vai ser uma questão de opção política. 

Para o inquilino pode ser vantajoso pagar um pouco mais de renda para cobrir o financiamento desse seguro?
É bem melhor que isso, porque não terá de apresentar fiador. 

"Há 20 ou 30 anos todos os indicadores diziam que faltavam meio milhão de casas, os últimos censos dizem que temos mais de meio milhão de casas vazias e não está a haver uma renovação demográfica" 

Qual o impacto do Banco Nacional do Arrendamento (BNA) no número de despejos?
Sabemos que o BNA veio credibilizar e reduzir o risco do sistema de arrendamento e quanto menos processos houver melhor, é sinal de que as pessoas estão a cumprir. Mas o balcão não nasceu bem, houve problemas de arranque e na prática só temos um ano e meio de verdadeira operação do BNA e, por isso, é prematuro tirar conclusões. 

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