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Uma passagem pelo elevador da Glória, uma paragem no miradouro de São Pedro de Alcântara e eis que chegamos à zona mais LGBTI friendly de Lisboa: o jardim do Príncipe Real. Este é considerado o bairro mais inclusivo da capital, onde os restaurantes, bares e discotecas proliferam e se multiplicam, para todos os públicos. É na zona arco-íris da cidade onde tudo acontece e tudo se concentra. Mas, afinal, como é viver neste bairro? E o que é que o distingue? Há outros a afirmar-se? O idealista/news foi à procura de respostas.

“Se eu pudesse escolher eu escolheria ficar aqui até ao final da minha vida”, diz sem meias palavras João Valério (na foto), que é morador do Príncipe Real há 11 anos. Vive ali numa casa arrendada – esta já é a sua quarta morada na zona – que partilha com outra pessoa e mudar de sítio não está nos seus planos futuros.

Especial LGBTI: “O Príncipe Real é o bairro mais inclusivo do país”, mas já há outros....
João Valério é morador do Príncipe Real há 11 anos e diz que quer viver ali para sempre idealista/news

E porque decidiu escolher esta zona para viver? Por uma razão bem simples. Sente que as pessoas podem ocupar o espaço público, independentemente, da sua identidade ou expressão de género. 

"O Príncipe Real não é só o bairro mais inclusivo de Lisboa, eu diria que é o bairro mais inclusivo do país. Infelizmente não temos muitos outros sítios dentro de Portugal que possamos equiparar nesta lógica de abraçar as pessoas LGBT, de se sentirem seguras", aponta.

“As pessoas podem estar na rua e expressar afetos”

Nuno Pinto é seu vizinho. Mudou-se para a freguesia da Misericórdia há uma década. Deixou o Porto para vir morar e trabalhar na capital. Conta que a escolha do Príncipe Real “não foi, na altura, consciente ou intencional”, mas agora percebe “muito bem” porque foi lá parar e porque continua ali a viver passados 10 anos.

Especial LGBTI: “O Príncipe Real é o bairro mais inclusivo do país”, mas já há outros....
"Arco-íris no jardim 2018", um evento promovido pela ILGA no Príncipe Real ILGA Portugal

“É de facto um conjunto de ruas onde as pessoas podem estar mais seguras, e onde podem não estar constantemente a monitorizar se tocam alguém ou se expressam um afeto”, diz Nuno.

A própria presidente da Junta da Freguesia da Misericórdia confirma este testemunho: "O Príncipe Real é, de facto, uma zona muito procurada pela comunidade". Moradora naquele bairro há 43 anos, "ao pé do famoso Trumps”, Carla Madeira frisa que este não é um fenómeno recente: "É uma zona onde sempre existiu uma grande tolerância... eu cresci no meio de tudo isto e os moradores sempre encararam bastante bem esta realidade”.

Os efeitos do "boom" imobiliário e turístico na Misericórdia

Nuno Pinto comprou casa no Príncipe Real em 2009, antes daquele que considera ser o “'boom' turístico da cidade”, numa altura em que “era apetecível comprar casa”. “Pago muito menos ao banco do que pagaria se estivesse a pagar uma renda”, garante.

Atualmente vive sozinho, nessa mesma casa, mas já dividiu outra, com um antigo namorado. E admite que, hoje em dia, ser-lhe-ia "bastante difícil, com 36 anos, ter que dividir casa com amigos ou com estranhos" como muitas pessoas da sua idade estão a fazer, "já que o preço que se paga hoje em dia por um quarto é o equivalente ao que se pagava há uns anos por uma casa”, diz.

A presidente da Junta está preocupada com o impacto que o atual momento do imobiliário e do turismo possam ter na zona. “Vejo com preocupação a saída de moradores, os preços exorbitantes que são praticados”, confessa Carla Madeira,  afirmando que "o crescimento do turismo tem efeitos positivos na economia da cidade e do país, mas também tem efeitos negativos. E esta zona está a senti-lo...".

O Alojamento Local, na sua opinião, "está a crescer de forma desmesurada e, se continuar a crescer assim, esta zona vai acabar por perder o encanto que tem. Esse é um risco que existe”, avisa a autarca.

O que é que acontece para lá do Príncipe Real?

Marta Ramos, diretora-executiva da ILGA Portugal reconhece que “o bairro mais friendly da cidade pertence à Junta de Freguesia da Misericórdia”, referindo-se ao Príncipe Real. “É o sítio onde há mais visibilidade LGBTI, ou seja, há mais estabelecimentos, mais comércio com bandeiras arco-íris e, portanto, no fundo seria a Chueca de Lisboa”, justifica.

O bairro de Chueca, em Madrid, é a zona de referência para a comunidade LGBTI internacional. Até à chegada desta comunidade era um bairro feio, deprimido e até evitado pela população em geral. Foi sendo recuperado e regenerado, tornando-se numa das zonas mais badaladas e da capital espanhola, com uma grande variedade de lojas e restaurantes, procurados por todos os públicos.

Especial LGBTI: “O Príncipe Real é o bairro mais inclusivo do país”, mas já há outros....
A 19.ª Marcha do Orgulho LGBTI invadiu as ruas da capital no dia 16 de junho ILGA Portugal

Em Portugal ainda é complicado identificar vários “territórios-gay”, ao nível de Madrid, mas a verdade é que o paradigma parece estar prestes a mudar. “Sentimos que há a aposta de outras freguesias de Lisboa, como por exemplo Arroios ou o Lumiar, que têm executivos atentos a estas questões e estão a tentar trazer esta igualdade a todos os lados”, perspetiva a diretora-executiva da ILGA.

“Alfama continua a ser central, ao pé da movida toda da cidade”

Nuno Nolasco, ao contrário dos anteriores moradores, é o exemplo de alguém que decidiu afastar-se do centro de tudo para ir viver para as portas de Alfama. Está na freguesia de Santa Maria Maior há quase cinco anos, mas antes disso viveu numa casa no Bairro Alto, com um namorado da altura. E porquê o Bairro Alto? Porque quando quis sair de casa dos pais, e devido à sua profissão de ator, acreditou que o melhor seria tentar ir viver para o centro.

Decidiu então centralizar-se "o máximo possível”, afirma, destacando que nesse momento teve o apoio do Porta 65, uma ajuda aos jovens de 70% que “foi uma grande ajuda para início de vida”. Quando terminou o incentivo, passados três anos, achou por bem mudar-se para Alfama, acusando o desgaste próprio de quem “vive no centro da confusão”.

Nuno sente que naquele bairro histórico, que escolheu para nova morada, continua “a estar central, ao pé da movida toda da cidade”. Foi lá que encontrou uma outra tranquilidade, mas também uma companheira de casa. Só tinha vivido junto, na tal anterior relação, sem nunca ter tido a oportunidade de “dividir casa com amigos ou colegas”.

“A minha experiência de partilhar casa sempre foi uma experiência muito particular, uma experiência de uma relação. Quando terminámos, e por questões monetárias, e dada a gentrificação e a questão dos preços praticados, não tive opção senão partilhar casa com uma amiga”, conta o morador de Alfama, que ali diz viver feliz.

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