
O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que os prédios de habitação permanente não podem ter alojamento local (AL), o que a manter-se poderá levar ao desaparecimento de uma parte da atividade. A partir de agora, segundo o acordão, qualquer condómino pode exigir o fim deste tipo de atividade no prédio onde vive, independentemente desse alojamento local funcionar há anos. É esperada uma “chuva” de processos a pedir a ilicitude da prática em propriedade horizontal e o Governo estará já a “analisar” o impacto deste acordão no setor.
Oficialmente, o Governo diz que "não comenta decisões dos tribunais nem considera oportuno pronunciar-se sobre o impacto dessa decisão em particular, sem prejuízo, naturalmente, de se encontrar a analisar o tema”, segundo a secretária de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, Rita Marques, citada pelo jornal Público.
O acordão do STJ veio estabelecer que “no regime da propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo de que certa fração se destina a habitação deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitida a realização de alojamento local”, e vem dar razão aos moradores que se queixavam, por exemplo, do barulho fora de horas, da sujidade e desgaste de partes comuns do prédio ou acesso de estranhos a garagens e edifícios de habitação.
Apesar de o acórdão não ter força de lei geral, tal como explica o diário, uma das dúvidas diz respeito a se as autarquias vão continuar a poder conceder novas licenças para AL em prédios em que o título constitutivo seja o de habitação permanente. Exemplos de perguntas ainda por responder: vão as câmaras municipais pedir o título constitutivo da propriedade? Vão os municípios ignorar o acórdão? O mesmo acontece com a fiscalização a cargo da ASAE.
Eduardo Miranda, presidente da Associação de Alojamento Local (ALEP), desvaloriza o impacto do acordão, mas considera que é essencial encontrar equilíbrio entre a habitação permanente, alojamento local e o turismo, para que não se crie “um problema para a economia nacional”. O responsável considera que este acordão vem demonstrar que “a lei não é clara” e que “tem de ser clarificada”.

Aumento da litigância e da atividade clandestina à vista?
Um dos efeitos mais temidos será um aumento da atividade clandestina do AL, que foi sempre um dos pontos a atacar no regime legal criado para regular o setor. Isto porque, para contornar a determinação do acórdão, os proprietários poderão omitir ou não requerer a licença - isto apesar da decisão do STJ impedir a colocaçção de anúncios em plataformas de reservas, exigindo-se a licença camarária para a exploração do AL.
Por outro lado, na opinião de vários juristas ouvidos pelo jornal Público, é provável que esta decisão conduza a um aumento muito elevado de processos em tribunal para impedir a prática do alojamento local. André Miranda, sócio da Pinto Ribeiro Advogados, considera, aliás, que este acordão é “superpoderoso” para o sucesso de novos processos, ainda que tenham de ser analisados caso a caso.
Eduardo Miranda lembrou que, para evitar que muitas situações de queixas fossem parar a tribunal, a legislação do alojamento local de 22 de agosto de 2018 criou um mecanismo simplificado no qual o condomínio pode fazer uma oposição: “na prática, um pedido de cancelamento à câmara municipal”.
“Um processo para o condomínio simples – basta uma reunião ou assembleia de condóminos, e a decisão aprovada com maioria. Um processo gratuito e relativamente rápido”, frisou à Lusa.
Segundo o responsável, na prática, hoje, existem “muito poucos casos de conflitos” que chegam a tribunal, sendo que a maior parte deles acabam por ser resolvidos através de mediação.
O presidente da Associação Portuguesa de Empresas de Gestão e Administração de Condomínio (APEGAC), Vitor Amaral, diz mesmo que será inevitável um maior conflito judicial, antecipando uma maior discussão da questão nas próximas assembleias de condóminos para avançar com esses processos.
Apesar da unanimidade no acórdão, a possibilidade de aumento da litigância foi admitida por um dos juízes conselheiros numa declaração de voto. Rijo Ferreira considera que o número de processos a pedir a ilicitude da atividade pode disparar.
1 Comentários:
Excelente decisão. O direito à habitação é um direito constitucional, ignorado e não respeitado desde o 25 de Abril. O governo tem de regulamentar fortemente o sector da habitação, pois a especulação imobiliária e a turistificação estão completamente descontrolados, particularmente em Lisboa e Porto, com consequências graves para a vida de todos os que não adquiriram ou não herdaram património antes desta loucura especulativa. A reabilitação urbana deve ser alcançada de uma forma sustentável, inclusiva e não através de fenómenos de chico-espertismo como o AL, que promovem a descaracterização das cidades.
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