
Tornar os edifícios mais eficientes em termos energéticos é uma das prioridades a nível europeu. Até porque a construção de edifícios representa cerca de 40% das emissões de carbono. Para acelerar a transformação do setor e reduzir a pobreza energética, a Comissão Europeia (CE) está a avançar com a revisão da Diretiva de Desempenho Energético dos Edifícios. Mas os objetivos delineados podem estar mesmo comprometidos dada a desarticulação entre políticas europeias e nacionais. E o desfecho não é animador: “A Europa vai passar pela vergonha de chegar a 2030 e nada estar feito” no que diz respeito à melhoria da eficiência energética dos edifícios, garante Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), na conferência que decorreu na manhã da passada sexta-feira, dia 13 de maio de 2022, no Salão Imobiliário de Portugal (SIL).
A CE está empenhada em reduzir a pobreza energética na Europa. A mais recente proposta de revisão da Diretiva de Desempenho Energético dos Edifícios - lançada no âmbito do “Fit for 55” - vem trazer um conjunto de mudanças para o setor de forma a “alcançar um parque imobiliário com emissão zero até 2050”, lê-se na proposta apresentada em dezembro do ano passado. E são várias as diretrizes criadas no sentido de acelerar a transformação energética do edificado, como:
- Introdução de novos padrões mínimos de desempenho energético: no caso dos edifícios residenciais de pior desempenho deverão ser renovados para ter classificação de grau F até 2030 e, pelo menos, classe E até 2033;
- Foco na descarbonização: todos os edifícios novos deverão ter emissões zero a partir de 2030;
- Certificado energético com papel reforçado: este documento já é obrigatório na hora de vender, comprar ou arrendar casa e, com esta diretiva, também será necessário apresentá-lo em grandes renovações de edifícios, em edifícios cujo contrato de arrendamento foi renovado e em todos os edifícios públicos;
- Alinhar renovação de edifícios com as estratégias ambientais.
“A nova Diretiva Europeia de Desempenho de Edifícios tem em conta as necessidades atuais” e cria o “desafio de acelerar a eficiência energética do parque edificado”, reconhece Nelson Lage, presidente da ADENE – a Agência para a Energia, na ocasião. Até porque “agora é preciso uma revisão e atualização muito maior do que no passado” nesta matéria, admite ainda. Mas será que Portugal e os estados-membros estão preparados para a implementar?

Prazos comprometidos: a desarticulação entre políticas europeias e nacionais
A nova diretiva europeia em matéria de eficiência energética tem prazos bem definidos e objetivos ambiciosos no curto prazo. Mas a sua aplicação à realidade nacional traz grandes desafios. E o que se vê hoje é que "há uma desarticulação entre políticas europeias e nacionais”, refere o presidente da APPII.
“Portugal começou a implementar a última diretiva o ano passado – outros países começaram antes -, o que fez com que a implantação coincida com a discussão de nova diretiva”, começa por explicar Nelson Lage na ocasião, admitindo que “até que seja implementada haverá certamente uma grande evolução dos conteúdos”.
Para que seja possível cumprir as metas estabelecidas “tem de haver um debate a nível nacional”, afirmou o presidente da ADENE. Mas embora a fileira da construção e do imobiliário esteja “comprometida com o combate as alterações climáticas, não bastam diretivas nem dizer que estamos comprometidos”, reforçou Hugo Santos Ferreira.
“As diretivas europeias não estão devidamente adequadas à realidade nacional”, sublinhou ainda o presidente da APPII exemplificando que “não vemos autarquias a mudar regulamentos dos painéis fotovoltaicos nas coberturas e se for proposto um parqueamento de mobilidade elétrica num concelho é chumbado”. E recorda ainda que “2030 é amanhã, são escassos oito anos". "Os projetos habitacionais a concluir em 2030 estão a ser discutidos hoje. E deparamo-nos com um problema de comunicação nas entidades nacionais”, garante. É por tudo isso que as suas expectativas para o futuro não são animadoras: “A Europa vai passar pela vergonha de chegar a 2030 e nada estar feito” em matéria de eficiência energética dos edifícios.
Também o arquiteto Diogo Freire de Andrade, presente no painel, admitiu que é “um desafio brutal da nossa parte de conciliar os interesses dos promotores e os decretos-leis que aparecem em matéria de sustentabilidade”. E, por isso, “as câmaras têm de ter bom senso de transpor os decretos-leis para avançar os projetos”, indica.

Como melhorar a articulação entre o público e privado?
Uma das chaves para responder a este desafio passa pelo diálogo entre as diferentes entidades públicas e criar uma relação de proximidade com o privado para dar respostas concretas.
“Há várias entidades no setor da energia além da ADENE, o que traz dificuldades de articulação entre entidades e com o setor. Temos feito um esforço de articulação com o setor imobiliário através de uma parceria com a APPII”, admite Nelson Lage.
“Não podemos levar a cabo a nossa missão se não for em parecia com o setor. Tem de haver mais diálogo, mais trabalho conjunto. Há um entendimento claro que para cumprir as metas é preciso fazer um esforço muito grande e que temos de contar com o setor privado (...). Implementar a política pública é uma parte da equação e não se consegue se não for com o privado”, explicou ainda o presidente da ADENE.
Construir casas eficientes traz “custos mais elevados”
Além de haver uma desarticulação entre as diretivas e a realidade nacional, o setor imobiliário ainda se depara com outros desafios ao nível dos custos e do alinhamento de todos os profissionais envolvidos na construção de empreendimentos residenciais.
Mas como é que as promotoras imobiliárias têm conseguido entregar casas eficientes? Desde logo Miguel Cabrita, Board Member na Mexto Property Investment, garante que tem de haver “uma preocupação enorme com a sustentabilidade e qualidade ambiental” e é por isso que é feita, a par e passo, uma escolha criteriosa de materiais e processos com a engenharia”. Mas “esta dicotomia do projeto que queremos desenvolver com o que é possível aplicar não é fácil de conseguir. O impacto nos custos é elevado. Não é fácil de gerir, fazemos um esforço nesse sentido de trabalho conjunto de verificar passo a passo, ponto a ponto”, admitiu ainda no evento.
A verdade é que a promotora imobiliária já tem desenvolvido vários projetos de casas eficientes. “É um desafio difícil: na fase de projeto é uma coisa e na obra, com os empreiteiros, não é bem possível aplicar o que foi delineado”, resume Miguel Cabrita.
E, dado que construir casas eficientes aumenta os custos do projeto, o desafio torna-se ainda maior quando se trata de conjugar habitação acessível e sustentabilidade. “Esta é uma questão que nos preocupa”, admite Hugo Santos Ferreira, até porque os custos da construção estão a subir em flecha desde o início do ano e já há promotores a fazer ajustes dos preços das casas.

Como financiar a construção de casas eficientes?
Para melhorar o desempenho energéticos das casas particulares, há vários apoios disponibilizados pelo Governo no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), como é o caso do Vale Eficiência e do Programa Edifícios + Sustentáveis, que segundo o presidente da ADENE “teve um balanço positivo” e, por isso, acredita que “haverá nova edição deste programa com ligeiros ajustes”.
Mas o financiamento do PRR em matéria de sustentabilidade não está a chegar aos promotores e investidores imobiliários. “A verdade é que para a promoção imobiliária – empreendimentos em larga escala – ainda não chegou nada”, salientou o presidente da APPII. Por outro lado, o presidente da ADENE contrapõe que o “PRR não é o salvador do parque habitacional” e “temos de contar com outras linhas de financiamento e com os privados”.
Há soluções para financiar os projetos de habitação eficiente em termos energéticos que já estão a ser aplicadas lá fora e podem fazer parte da realidade portuguesa, desde que haja vontade política, tal como sugeriu Hugo Santos Ferreira na conferência:
- Green bonds no público (linhas de financiamento bonificadas verdes): “Questão de financiamento pode ser resolvida através destas linhas em Portugal. O Banco de Fomento pode criar estas linhas verdes para criar mais habitação com um teto máximo que os portugueses possam pagar”, disse o presidente da APPII;
- Green bons no privado: “Dinamizar este mercado junto do mercado de privados – através da Euronext – criando um mercado obrigacionista verde. Já fizemos este pedido junto do Governo. É uma forma de conseguir casas mais verdes. Agora é preciso que haja vontade política”, concluiu.

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