Dar prioridade à habitação em Portugal. É este o grande desafio do mercado imobiliário no atual cenário macroeconómico. O problema da falta de casas, seja para comprar ou arrendar, não é de agora, mas voltará a agudizar-se no atual cenário macroeconómico, com a inflação em máximos e juros a dispararem. Segundo os especialistas do setor, o mundo mudou e enfrenta novos riscos, sendo necessária a intervenção pública – e também privada – para criar habitação a preços adequados aos rendimentos das famílias.
Perante a entrada num novo ciclo, como está, afinal, a reagir o mercado imobiliário na Europa? E com que cenário macroeconómico devemos trabalhar no curto e médio prazo? Como deve Portugal adaptar-se? Onde estão os riscos e as oportunidades? Estes e outros temas foram debatidos esta quinta-feira, 27 de outubro de 2022, na conferência “Mercado imobiliário europeu: riscos e oportunidades no atual cenário macroeconómico”, que juntou vários players do setor para um debate alargado sobre o que esperar para os próximos tempos. Do debate resultou uma ideia unânime: o défice do parque habitacional português continua a ser um problema que é urgente resolver.
Numa análise feita sobre os desafios e respostas da economia portuguesa no atual contexto, o antigo ministro da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira, presente no debate, reconhece que “existe uma evidente deficiência de oferta de habitação em Portugal”. O agora sócio das áreas de Bancário e Financeiro e de Mercado de Capitais da PLMJ considera que as capacidades do país em investir na renovação da habitação ainda estão muito abaixo dos níveis europeus.
Amílcar Lourenço, administrador Executivo do Banco Santander Totta, considera “que estamos a viver tempos estranhos e de incerteza”, apesar de todos os dias se baterem “recordes de vendas e preços”. Para este responsável, o país precisa de mais habitação, compatível com os rendimentos das famílias, que terão menos capacidade para comprar casa nos próximos tempos. Acredita, de resto, que a procura de crédito habitação vai sentir uma quebra no mínimo entre 20% a 25%. Apesar disso, o responsável defende que o imobiliário vive agora uma situação “muito mais saudável”. “Hoje não temos um excesso de oferta e isso é uma proteção”, disse.
“A habitação não se resolve só com o setor privado, tem de existir também vontade do setor público”, frisou ainda Jorge Rebelo de Almeida, presidente do Conselho de Administração do Grupo Vila Galé, para quem este é um pilar ao qual tem de ser dada prioridade. Para este responsável, as condições de habitação estão a piorar e “a pobreza a aumentar e à vista de todos nós”. Para este player da hotelaria, o “remédio” para a crise e para o setor ultrapassar as dificuldades passa por “aproveitar estas alturas para trabalhar mais e melhor”.
Como aumentar a oferta de habitação?
“A necessidade de habitação que existe é real, não só para venda, como também arrendamento. No entanto, também percebemos que a legislação e procedimentos para aprovar um projeto demoram muitíssimo tempo e muitas vezes é esse tempo que faz com que os projetos também fiquem desadequados”, lembra Pedro Rutkowski, CEO da WORX Real Estate Consultants.
Para o responsável da consultora imobiliária, uma solução poderia passar pelo Estado comprar ativos diretamente a uma promoção em construção ou vias de construção, por exemplo, para que a habitação chegasse mais rapidamente ao mercado. “Não estou a dizer que o Estado se deva substituir ao privado”, frisa, sublinhando, contudo, que esta seria uma forma de alavancar a criação de habitação de uma forma mais célere. A reconversão de património existente é, sem dúvida, outra oportunidade de investimento, na opinião do especialista.
Já Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários, diz que “falta coragem política” para avançar com muitas medidas capazes de resolver o problema e que vêm sendo identificadas ao longo dos anos. Para o promotor, o mercado habitacional enfrenta dois grandes obstáculos: os baixos salários, que não conseguiram acompanhar a evolução do valor dos ativos imobiliários; e a falta de oferta e o excesso de procura.
Para o promotor é importante, desde logo, aumentar a oferta pública de habitação, “que é bem-vinda”. E depois, diz, “temos o mercado imobiliário privado que está disponível e tem capital e liquidez para avançar com a construção de habitações acessíveis”. No entanto, salienta, “todos reconhecemos que o panorama que hoje vivemos no mundo que isso é praticamente impossível”.
As medidas para criar mais habitação e mais barata refere, estão “apontadas”. Passam por reduzir os tempos de licenciamento urbanísticos, que o promotor identifica como sendo mesmo um “desígnio nacional”; e baixar a “brutal” carga fiscal.
"Se juntarmos a tudo isto a tal disponibilização, por exemplo, do património público do Estado tanto melhor. O problema disso tudo é que o Estado não sabe quantos imóveis tem, e esse é o problema, ainda não conseguimos chegar aí. O Estado anda há anos a tentar inventariar o seu património, ainda não o conseguiu fazer e naturalmente terá mais dificuldades em o libertar", acrescenta o especialista.
Quebras no investimento imobiliário em 2022
Segundo o diretor internacional de investigação no BNP Paribas Real Estate, Samuel Duah, o investimento em imobiliário europeu deverá cifrar-se em 240 mil milhões de euros em 2022. Trata-se de uma descida de 18% quando comparado com o ano anterior, de acordo com os dados apresentados pelo especialista, que aponta alguns fatores que estão a contribuir para as quebras de investimento, nomeadamente a incerteza geopolítica e económica vivida à escala global, como a guerra na Ucrânia, o abrandamento da economia chinesa e a crise política vivida no Reino Unido, ainda a viver o pós-brexit. Para Samuel Duah, “o ambiente económico vai piorar antes de melhorar”, e o crescimento económico vai abrandar nos próximos meses.
Pedro Siza Vieira partilha da mesma opinião. Mostra-se alinhado com as previsões internacionais que apontam para uma redução do nível de crescimento da economia europeia e que, por isso, não deveremos assistir a uma recessão generalizada e prolongada ou depressão, algo que aconteceu na crise anterior.
O antigo governante também destacou a resiliência do país. Considera que “estamos a entrar neste momento turbulento em muito melhor forma”, face à maior liquidez e menor endividamento das famílias e empresas, numa altura em que, refere, “o desemprego está historicamente baixo”. Reconhece o cenário de incerteza e necessário ajustamento de preços de mercado, mas espera que Portugal possa aproveitar as oportunidades deste “contexto adverso”.
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