
Uma nova e mais exigente diretiva sobre o desempenho energético dos edifícios deverá ser aprovada em breve pela Comissão Europeia (CE), tendo em vista alcançar a neutralidade carbónica em 2050. O caminho ainda é longo, mas a normativa europeia traça já objetivos de desempenho energético bem concretos para o horizonte de 2030. O futuro da eficiência energética deve ser encarado hoje e resta saber se, em Portugal onde o Governo garante que vai aplicar a normativa em breve, o setor da construção está preparado para melhorar a eficiência do parque habitacional e a banca está apta para financiar estes projetos que poderão ascender a 150 mil milhões de euros. Para já, os especialistas da construção e da banca estão confiantes, embora admitam que há muito trabalho a fazer nesta matéria.
A realidade é só uma: para cumprir os objetivos definidos na nova Diretiva Europeia sobre o Desempenho Energético de Edifícios (EPDB, na sigla inglesa), todas as empresas de construção, arquitetos, engenheiros, projetistas, associações do setor, a banca e o próprio Governo terão de estar articulados, promovendo a discussão sobre esta questão.
“A agenda energética complexa (…) rumo à neutralidade carbónica”, é “um processo de profunda transformação do setor”, começou por explicar Nelson Lage, presidente da ADENE, na conferência “Pensar A Energia”, que decorreu na passada sexta-feira, dia 14 de abril. E, por isso mesmo, “é urgente juntarmos reforços para procurar medidas concretas, que nos permitam uma utilização energética limpa e coesa. Só unindo esforços conseguiremos vencer a emergência climática que vivemos", sublinhou Nelson Lage na iniciativa que decorreu no Porto.
Importa não esquecer que a nova diretiva exige que o desempenho energético dos edifícios seja melhorado para classes energéticas mais amigas do ambiente em prazos apertados, estando em causa a classe E para edifícios privados até 2030 e a classe D a partir de 2033. Cumprir estes prazos curtos “será sempre muito ambicioso e, por isso, será necessário mobilizar todos os intervenientes”, aponta João Tomaz, diretor para a área da sustentabilidade na Associação Portuguesa de Bancos (APB). Resta saber se o setor da construção e a banca estão preparados para as mudanças que a nova diretiva da CE exige.

Construção está preparada para melhorar a eficiência energética das casas em Portugal?
A fileira do imobiliário e da construção está consciente da exigência dos novos requisitos de eficiência energética no edificado e acredita que os profissionais estão prontos para encarar os novos desafios em Portugal. “Para termos um edifício com emissão zero, temos de ter atenção desde o projeto à fase final de construção, pelo que há uma necessidade bastante grande de capacitar e de formar os profissionais que estão envolvidos nestes projetos construtivos mais eficientes, pois é preciso saber fazê-lo”, aponta Carolina Silva, gestora de projetos na Associação Zero, durante o encontro.
Também Ricardo Camacho, coordenador da comissão técnica de sustentabilidade na Ordem dos Arquitetos, admite que a questão de olhar para os projetos tendo em conta a sustentabilidade e eficiente energética começa a montante, na arquitetura. E vai mais além, dizendo que começa mesmo nas universidades. Mas, alerta, que a academia sente que “não está preparada” para os desafios que a nova diretiva coloca em matéria de sustentabilidade.
"O ambiente criado pelo arquiteto tem de ser mais pensado para diminuir os gastos e o consumo energético”, Ricardo Camacho, coordenador da comissão técnica de sustentabilidade na Ordem dos Arquitetos
De qualquer forma, “os engenheiros e os arquitetos atualizam-se com rapidez”, lembra Bento Aires, presidente do Conselho Diretivo da Região Norte da Ordem dos Engenheiros. E, por isso, considera que, apesar de Portugal ter falta de profissionais nesta área, os “engenheiros e os engenheiros técnicos estão preparados” para aplicar a nova diretiva europeia e acredita que os arquitetos também.
Prova disso mesmo é o conjunto de formações que se vai fazendo no setor, lembra José de Matos, membro da direção da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI). “Estamos a agir agora. Estamos a investir em formação profissional, na alteração das qualificações, na modernização das empresas e estamos a intervir na informalidade no setor (que cresceu na crise)", isto é, na evasão fiscal”, explicou ainda José de Matos.
“A construção tem capacidade [de responder aos desafios sobre eficiência energética], depende de haver dinheiro para continuar pelo menos no caminho em que estamos atualmente”, disse ainda José de Matos, sublinhando que reforçar a capacidade do setor de construção, das empresas e dos profissionais "é um assunto urgente, que já devia ter sido tratado há mais tempo".

Crédito para renovar tornar edifícios verdes precisa-se…
Em Portugal, a reabilitação habitacional está em curso, já que têm sido investidos cerca de 6 mil milhões de euros por ano. Mas ainda há muito trabalho a fazer num parque habitacional envelhecido: há um défice de investimento que ascende a cerca de 150 mil milhões de euros.
Portugal será o país da Zona Euro onde o nível de investimento associado à transição climática terá de ser maior em percentagem do PIB: "Estamos a falar de cerca de 7% do PIB por ano, até 2030, sendo que a maioria será investimento privado”, indicou João Tomaz, da APB, na ocasião. Importa agora saber se banca portuguesa terá capacidade de financiar projetos de construção e reabilitação eficientes.
“Para os bancos é essencial conciliar sustentabilidade ambiental com financeira”, João Tomaz, Diretor para a Área da Sustentabilidade Associação Portuguesa de Bancos (APB)
Sobre este ponto, João Tomaz garante que a banca está “empenhada na questão da sustentabilidade”, algo que é visível através várias medidas que o setor tem vindo a adotar:
- integração de fatores de ESG na estratégia global das instituições;
- definição de metas concretas em termos de carteira de crédito e de carteira de investimento;
- grande foco na gestão de riscos ESG;
- linhas de crédito específicas;
- green bonds;
- mais parcerias: que “é cada vez mais determinante para alcançar objetivos ao nível da sustentabilidade”.
Para Hugo Santos Ferreira, presidente Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), apostar na sustentabilidade do edificado passa pela “dinamização dos mercados green bonds (linhas de financiamento bancária verde) via financiamento público pelo Banco de Fomento”. Desta forma “diminuíamos o custo de habitação acessível e verde e dinamizávamos o mercado de capitais”, defende o presidente da APPII.

Investir em eficiência energética recai sobre os proprietários das casas
A verdade é que nem todas as famílias têm os mesmos recursos para melhorar a eficiência energética das suas habitações, sobretudo num momento em que a alta inflação pressiona o poder de compra e a subida de juros encareceu as prestações da casa. “Quem tem dinheiro, faz a reabilitação para melhorar a eficiência energética das habitações. O programa Edifícios + Sustentáveis tem sido um sucesso, mas para quem tem capital para investir na reabilitação das suas casas”, reforça José de Matos, da CPCI.
Portanto, para financiar a renovação dos edifícios em termos de eficiência energética, “será essencial ter apoios financeiros diretos do Estado, com um contributo da banca mediante produtos especificados para completar o apoio estatal. O apoio das linhas BEI [Banco Europeu do Investimento] são também essenciais”, acredita João Tomaz.
O caso mais gritante é o das famílias mais vulneráveis, que muitas vezes são quem está em situação de pobreza energética. Para que estes agregados possam viver com dignidade e conforto térmico, João Tomaz acredita que deverá haver “orçamentos comunitários, mais incentivos fiscais, subvenções diretas, créditos bancários focados na eficiência energética, serviços dedicados à eficiência energética, criação do observatório nacional para a eficiência energética pela ADENE”.
Sobre este ponto, a própria diretiva da CE propõe uma renovação eficiente e “inclusiva” dos edifícios, prevendo apoios financeiros a um “espetro mais alargado de pessoas”, que vai desde as famílias mais vulneráveis e às famílias de classe média, lembra Carolina Silva, da Associação Zero.

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