Construção sustentável não tem de significar mais custos, explica a responsável da área do Ambiente do Grupo Monte em entrevista.
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Construção sustentável em Portugal
Patrícia Gonçalves, responsável da área de negócio do Ambiente do Grupo Monte Freepik

A construção sustentável está hoje na ordem do dia. A Comissão Europeia está a preparar-se para aplicar uma nova diretiva que vai pressionar os proprietários a melhorar a eficiência energética dos edifícios e vai obrigar a que, a partir de 2030, toda a construção nova tenha 0% de emissões de carbono. Também a nível nacional têm surgido vários programas para ajudar as famílias a tornar os edifícios mais eficientes. Mas será possível construir casas sustentáveis a preços que as famílias possam pagar? A responsável da área de negócio do Ambiente do Grupo Monte garante que sim. “A gestão inteligente dos recursos que vão ser utilizados na construção (…) muitas vezes até traz poupanças ao projeto”, explica Patrícia Gonçalves em entrevista ao idealista/news.

A inclusão dos critérios sustentáveis nos projetos de construção tem ganho cada vez mais adeptos, por força das normativas, mas também porque, cada vez mais, os investidores valorizam este tipo de ativos. Mas as empresas que estão envolvidas na construção em Portugal ainda precisam de ajuda neste campo, sobretudo porque envolve todo o processo desde a conceção dos projetos de arquitetura, à construção e à venda das casas. Embora a vertente ambiental ainda esteja numa “fase embrionária, principalmente no setor da construção (…), hoje já começa a haver procura, as empresas querem saber mais” sobre construção sustentável, conta Patrícia Gonçalves, que coordena a RESURB e a Gintegral em Portugal e Angola, empresas de consultoria ambiental do Grupo Monte.

E há também cada vez mais famílias a procurar casas sustentáveis em termos energéticos, num momento em que o frio invade as casas dos portugueses e a fatura da energia disparou devido aos constrangimentos no abastecimento de produtos energéticos gerados pela guerra na Ucrânia. “O comprador está cada vez mais consciente, já exige, já quer analisar o consumo, já quer saber o que é que vai ter”, acredita a engenheira do ambiente.

A verdade é que há ainda “um caminho longo a percorrer” no que diz respeito à construção sustentável. Mas Patrícia Gonçalves admite que “estes novos requisitos e obrigatoriedades legais [vindas da CE] vão mudar a mentalidade dos construtores, dos projetistas, dos promotores imobiliários e dos próprios compradores”. O momento de agir é agora e a responsável da área de negócio do Ambiente do Grupo Monte explica porquê ao idealista/news numa entrevista realizada à margem da Business Conference, que decorreu em Vila Nova de Famalicão, no passado dia 24 de janeiro.

Casas com eficiência energética
Imagem de Solarimo por Pixabay

Como funciona a área de consultoria ambiental do Grupo Monte para apoiar o negócios da construção do próprio grupo e outras empresas a criar edifícios mais sustentáveis? Como tem sido feito esse caminho?

Este caminho começa logo na base, ou seja, na parte da conceção do projeto, na parte de arquitetura. Faz toda a diferença, ou seja, os gabinetes de arquitetura como concebem os projetos que hão de ser construídos e, depois, promovidos a nível imobiliário, têm de, efetivamente, considerar estes componentes ambientais na conceção do projeto, nomeadamente:

  • a luz natural;
  • o aproveitamento das águas das chuvas e das águas residuais, de forma a reutilizá-las, tratá-las e utilizá-las na rega;
  • as energias renováveis;
  • os materiais que vamos usar: se vamos usar mais vidro, se vamos usar mais ferro e tentar utilizar as tintas mais amigas do ambiente;

O conforto térmico também está associado à sustentabilidade e isso começa logo nos gabinetes de arquitetura.

Depois, temos a construção, que aí já entramos numa fase diferente a nível ambiental, porque trata-se da implementação e operacionalização daquilo que foi concebido. Neste momento, é muito importante assegurar as boas práticas ambientais, educar os colaboradores, dar-lhes literacia para a utilização correta dos produtos químicos que vão usar na obra. Escolher produtos que sejam mais amigos do ambiente, como tintas ecológicas, por exemplo. Isto além de implementarmos tudo o que está referido no projeto previamente concebido.

Por outro lado, há que tentar fazer uma obra que caminhe para desperdício zero, em que todos os resíduos produzidos possam ser incorporados na própria obra e utilizados. Porque hoje temos de fazer a diferença, até porque em Portugal já temos muitos problemas com os resíduos na construção e demolição.

Na fase da promoção imobiliária, quem está a promover um edifício verde e amigo do ambiente, com certeza que vai ser muito mais fácil de vender, porque hoje em dia o consumidor é consciente, procura, quer saber, vai mais atrás. E questiona se são materiais sustentáveis e de onde vêm os materiais. Isso faz toda a diferença, porque hoje fala-se muito dos chavões da economia circular, da circularidade, mas os nossos avós, há 30 ou 40 anos, já o faziam. Então estamos a voltar um pouco esse tempo.

"A parte ambiental ainda está numa fase mais embrionária, principalmente no setor da construção. Mas hoje já começa a haver procura"

Hoje, a construção sustentável está no topo das prioridades a nível nacional e internacional. Têm sentido uma maior procura por empresas ligadas à fileira da construção e do imobiliário nos serviços que prestam na área da consultoria ambiental?

Na área de ambiente, prestamos serviços de consultadoria para ajudar os arquitetos, os projetistas na própria conceção de boas práticas ambientais – começa logo a montante. E os projetos de construção do próprio Grupo Monte incorporam também essas boas práticas.

A verdade é que muitas empresas precisam de ajuda ao nível da construção sustentável. Isto porque enquanto a segurança no trabalho é algo que já está iminente, porque estão em causa vidas, a parte ambiental ainda está numa fase mais embrionária, principalmente no setor da construção. Mas hoje já começa a haver procura, as empresas querem saber mais.

Já coordenámos vários projetos na vertente de acompanhamento ambiental que visou a construção sustentável em Portugal e em Angola, como por exemplo:

  • conceção e construção do Hotel Inlima em Ponte de Lima;
  • construção da Barragem de Odelouca, no Algarve;
  • construção do Autódromo Internacional de Portimão, no Algarve;
  • construção do Parque da Cidade da Póvoa de Varzim;
  • construção do Parque Subterrâneo de Estacionamento da Póvoa de Varzim;
  • conceção e construção dos Edifícios Portas do Parque I e II na Póvoa de Varzim;
  • construção do Museu de Foz Côa, em Vila Nova de Foz Côa;
  • vários projetos de construção de infraestruturas rodoviárias em Portugal;
  • conceção da Fábrica de Fertilizantes de Benguela, em Angola.
Construir casas sustentáveis
Foto de Serge Goldfarb no Pexels

Hoje, as famílias também estão mais atentas à eficiência energética dos edifícios e valorizam mais a sustentabilidade. Já é possível construir casas sustentáveis a preços que as pessoas possam pagar?

Sim. No fundo a sustentabilidade é também economizar os recursos que são consumidos naquele próprio projeto. Nós vamos ter uma gestão inteligente dos recursos que vamos utilizar desde a fase da conceção, à fase de construção, até depois à fase da própria utilização do edifício. Quem compra uma casa que é sustentável, do ponto de vista energético, já faz contas. Por exemplo, a minha casa já tem um triturador de resíduos na banca e a casa já tem muitos anos. Hoje, já existe tratamento de hidrocarbonetos nas garagens dos prédios. O consumidor hoje procura isso. Isso não quer dizer que traga custos para o projeto. Muitas vezes até traz poupanças no projeto. Então pode ser uma forma interessante de trazer vantagens para o projeto ecológica e financeiramente.

"As emissões geradas pela construção dos edifícios prejudicam a camada de ozono e agravam ainda mais as alterações climáticas"

A Comissão Europeia está prestes a pôr em prática a Diretiva Europeia sobre a Eficiência Energética dos Edifícios, que vem pressionar os proprietários a melhorar o desempenho energético dos imóveis. Como vê a aplicação desta normativa em Portugal?

Sim, até porque quando entrei em Engenharia do Ambiente, há cerca de 20 anos, estávamos na época das lixeiras em Portugal, ou seja, tínhamos mais de 350 lixeiras, que foram erradicadas em menos de sete anos e passámos a ter infraestruturas de tratamento de resíduos. Ou seja, à semelhança do que aconteceu na história do tratamento dos resíduos, não tenho qualquer dúvida que estes novos requisitos e obrigatoriedades legais vão mudar a mentalidade dos construtores, dos projetistas, dos promotores imobiliários e dos próprios compradores. Até porque o comprador está cada vez mais consciente, já exige, já quer saber, já quer analisar o consumo, já quer saber o que é que vai ter.

Por outro lado, acredito que vá haver derrapagem de prazos, porque 2030 é já aí, ainda há um caminho longo a percorrer. Mas vão ser dados passos importantes para se atingir essas metas. E acho que vai haver uma mudança grande de mentalidade na construção, embora seja normalmente o último setor a avançar. Por exemplo, o setor automóvel dá sempre passos mais avançados.

Considero que, hoje, o consumidor procura casas mais sustentáveis, já olha para as emissões, porque a questão das alterações climáticas é algo que é iminente, não acontecem só nos outros países. Elas existem e vão continuar a existir espelhando-se em fenómenos climatéricos, como grandes incêndios, cheias, chuvas, derrocadas. A questão é que nós temos de nos adaptar a essas alterações climáticas - e daí se chama adaptação às alterações climáticas. E, por isso, temos de dar passos também no setor da construção para atingir as emissões zero. Porque as emissões geradas pela construção dos edifícios prejudicam a camada de ozono e agravam ainda mais as alterações climáticas.

Casas eficientes
Foto de Pavel Danilyuk no Pexels

Há cada vez mais famílias pedir o certificado energético. E há também uma procura cada vez maior pelos apoios do Governo dados no sentido de tornar as casas mais sustentáveis. Considera que as famílias têm dado mais importância à eficiência energética das casas?

Sim, sem dúvida. Até porque, a obrigatoriedade traz a necessidade. O facto de ser obrigado a que se tenha o certificado energético [para comprar, vender ou arrendar casa, por exemplo], automaticamente traz a necessidade. E se alguém vai investir numa casa – mesmo em casas antigas – também decidem aproveitar os apoios do Estado que há neste sentido. E começam a fazer contas.

Hoje, a guerra da Ucrânia está a trazer um impacto enorme na fatura energética das empresas e das famílias. E o facto de termos edifícios que energeticamente são eficientes traz uma poupança enorme para a vida das pessoas, das empresas e as próprias linhas das indústrias. Por isso, eu acho que a exigência, vai trazer operacionalização e vamos ter bons resultados.

"No interior, a pobreza energética das casas está mais iminente e acho que o caminho vai ser mais longo até chegar lá [à literacia sobre casas eficientes]"

A maior parte das casas em Portugal são ineficientes em termos energéticos, havendo, por isso, muito a fazer na reforma destas casas. Como avalia a literacia da sociedade para a eficiência energética dos edifícios?

Quando olhamos para o litoral conseguimos perceber melhor essa literacia, essa atenção. Quando olhamos para o interior, que é onde a pobreza energética das casas está mais iminente, efetivamente acho que o caminho vai ser mais longo até chegar lá. E para isso é preciso que os políticos ou as entidades públicas também façam o seu papel junto dessas comunidades.

Poupar energia com painéis solares
Imagem de Charlie Wilde por Pixabay

Fale-nos mais sobre a vertente imobiliária do Grupo Monte. Quais são os projetos que têm feito atualmente na área da construção? E no passado?

A construção era o ‘core’ do Grupo Monte. Mas depois da restruturação do grupo, essa vertente foi vendida em 2012, pelo que a parte imobiliária ficou de alguma forma congelada. A ideia foi diversificar os negócios, enquanto se amadurecia outros, nomeadamente na área da sustentabilidade. Costumava dizer que era o arbusto no meio da floresta. E hoje o negócio da área ambiental, pelo qual sou responsável, passou a ser a floresta. Além disso, o foco do grupo também tem sido a internacionalização, estando presente no Brasil e em Angola.

Até 2012, o grupo construiu casas sustentáveis. Eu vivo numa casa com 20 anos, que foi promovida pelo Grupo Monte, e efetivamente tem vários critérios sustentáveis incorporados. Esta casa com duas décadas cumpre todos os requisitos sustáveis que falei, como a componente energética, a luz natural, o triturador de resíduos na banca, o sistema de tratamento das águas na própria banca, útil para que seja possível beber água da torneira.

A verdade é que nos últimos anos o Grupo Monte recuperou novamente a vertente da construção, que tem passado sobretudo pelas obras públicas, isto é, obras de infraestruturas e construção civil, para o Estado, para as câmaras municipais, entre outras entidades públicas. Portanto, a construção está a retomar agora, mas mais focada ainda numa vertente pública. Mas acredito que daqui a alguns anos possa vir a ser mais abrangente.

"O futuro é hoje e, por isso, cabe a cada um de nós (...) fazer a diferença nesta vertente da sustentabilidade"

Gostaria de deixar mais alguma mensagem sobre construção sustentável?

Tenho a dizer é que eu acredito que o futuro não existe. O futuro é hoje e, por isso, cabe a cada um de nós que está nos gabinetes dos projetos de arquitetura, na conceção de projetos novos, que faz parte da construção e, depois, da comercialização deve fazer a diferença nesta vertente da sustentabilidade. Fazermos efetivamente acontecer, porque prevê-se que esta casa comum que é o planeta Terra não vai aguentar o consumo até 2050, o que é preocupante. É preciso fazemos a diferença.

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