
Há cerca de 25 anos decorria a Expo 98 em Lisboa, que foi o pontapé de saída para criar o Parque das Nações, uma nova centralidade na zona Oriental da capital cheia de casas, serviços e infraestruturas. Agora, assiste-se à revitalização do Parque Tejo, a propósito da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que vai ter “um impacto certamente positivo” no desenvolvimento social e urbano do Parque das Nações, segundo considera Gonçalo Antunes, professor universitário na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCT-NOVA), em entrevista ao idealista/news.
Agora a história repete-se. Em 1998, a Expo foi uma verdadeira lufada de ar fresco para o Oriente da capital, transformando uma zona industrial e poluída numa “nova cidade multifacetada, com áreas residenciais, comerciais, de escritórios, de serviços diversos e recreio”, realça o especialista, que é defensor do "mercado intermédio como solução para a habitação em Portugal". Um quarto de século depois, a norte do Parque das Nações nasce uma nova zona verde, onde vão decorrer vários eventos da JMJ até domingo (dia 6 de agosto) e que contará com a presença do Papa Francisco. “A Jornada Mundial da Juventude foi uma excelente oportunidade para recuperar uma área substancial do Parque Tejo”, que estava abandonada, aponta o professor da FCT-NOVA e investigador na área da habitação.
"A realização da Jornada Mundial da Juventude foi uma excelente oportunidade para recuperar uma área substancial do Parque Tejo"
Depois de cumprir o seu propósito, esta recuperação urbana do Parque Tejo “fica para a cidade”, destaca ainda Gonçalo Antunes. E sobre este ponto o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, já veio a público afirmar que este parque verde com mais de 30 hectares, com um ponte ciclo-pedonal, o palco-altar e outras infraestruturas construídas a propósito da JMJ vão ficar para fruição da cidade no futuro, para a realização de eventos. E vai ser, aliás, “uma centralidade para a cidade, em que as pessoas vão ali visitar o sítio onde o Papa esteve”, referiu Carlos Moedas. Também o autarca de Loures, Ricardo Leão, já avançou que os terrenos do concelho que vão acolher a JMJ vão dar lugar, em 2024, a um parque verde, num investimento de 3,5 milhões de euros.
Ao promover a transformação de terrenos a norte do Parque das Nações, o rescaldo da JMJ “é bastante positivo” do ponto de vista do urbanismo. E deverá animar mais ainda esta zona Oriental de Lisboa, que ganhou nova vida há cerca de 25 anos, e pode ser considerada como um “modelo de referência” de regeneração urbana. Para perceber o que mudou e está a mudar no Parque das Nações, em Lisboa, convidámos Gonçalo Antunes, professor FCT-NOVA, para viajar entre o seu passado e o presente marcado pela JMJ. Vem daí nesta viagem.

Qual o impacto da revitalização do Parque Tejo, a propósito da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) que decorre até domingo, para o desenvolvimento urbano e social do Parque das Nações?
O impacto é certamente positivo. A realização da Jornada Mundial da Juventude foi uma excelente oportunidade para recuperar uma área substancial do Parque Tejo, em particular a que vai, grosso modo, entre a Ponte Vasco da Gama e o Rio Trancão. Como sabemos tratava-se de um espaço algo deixado ao desleixo, mas que agora está recuperado e aberto ao usufruto da cidade. A ponte pedonal sobre o Rio Trancão é também uma excelente notícia e abre as portas para uma revitalização ribeirinha de maior amplitude, para Loures, onde, aliás, também foram realizadas importantes intervenções numa antiga zona de matriz industrial. Neste âmbito o rescaldo é bastante positivo, com uma recuperação urbana que fica para a cidade.
“Conseguimos criar, assim como se fez na Expo, na um projeto que era imobiliário, aqui fizemos um pulmão verde para a cidade de Lisboa”, disse Carlos Moedas a propósito da transformação do Parque Tejo no âmbito da JMJ. Voltando a 1998, a zona da Expo trouxe algo de novo à forma de viver em Lisboa e à revitalização da cidade? E que diferenças há 25 anos depois?
A Expo 98 foi fundamental para a revitalização da cidade e, em particular, para transformar a Lisboa Oriental. Como é conhecido, estamos a falar de uma área que era marcada por uma matriz industrial substancialmente pesada, com elevados índices de poluição atmosférica, sonora ou dos solos, assim como a presença de alguns bairros de habitações precárias. Com a Expo 98 este cenário de arrabalde industrial desqualificado desapareceu para dar lugar a uma ‘nova cidade’ multifacetada, com áreas residenciais, comerciais, de escritórios, de serviços diversos e recreio. Além do mais, a Expo 98 não foi só importante para a requalificação daquele espaço em específico, mas de toda a Lisboa Oriental, desde logo Olivais Norte e Olivais Sul, assim como de Moscavide e Portela, já em Loures. Tratou-se, portanto, de uma regeneração urbana positiva que teve a faculdade de requalificar um espaço mais alargado, que foi além do diretamente intervencionado.
"Com a Expo 98 este cenário de arrabalde industrial desqualificado desapareceu para dar lugar a uma ‘nova cidade’ multifacetada, com áreas residenciais, comerciais, de escritórios, de serviços diversos e recreio"
Como é para os seus residentes viver naquela zona da cidade? E que grande diferença tem face a outros bairros de Lisboa?
Acredito que as características gerais do Parque das Nações deverão agradar à generalidade dos seus residentes. Estamos a falar de uma nova zona da cidade produzida de acordo com pressupostos urbanísticos contemporâneos, com boa organização, transportes, comércio, restauração, emprego qualificado e um espaço de lazer que é de referência nacional.
A grande diferença relativamente a outros bairros de Lisboa estará, precisamente, por ser um espaço urbano recente, com uma organização urbana e estética que reflete essa contemporaneidade. Existem ainda outros aspetos importantes, como a criação de uma nova centralidade na cidade, o que não é particularmente fácil, ou a proximidade com um espaço de recreio e lazer que é modelo para a região e eventualmente para o país. Outro ponto significativo será a ligação com o rio, sendo seguramente um dos pontos mais atrativos.

Que atributos favoráveis tem esta zona da cidade face a outras, em termos de habitação e urbanismo?
Existirão vários. Por exemplo, a construção recente, com preocupações de grande e de pequena escala que genericamente não eram prioridade até meados da década de 1990 quando se equacionavam novas urbanizações. A capacidade de criar uma nova centralidade na cidade foi também importante. Outro atributo significativo será, seguramente, a proximidade com o antigo espaço da Expo 98, transformado num local de recreio e lazer, assim como a proximidade ao Estuário do Tejo e perspetiva para o Mar da Palha.
E quais são os principais problemas/constrangimentos? O que falta melhorar na zona?
Não é tanto um problema, mas gostaria de sublinhar o desafio da relação com o Tejo, que é uma questão que não se coloca apenas para o Parque das Nações, mas para toda a cidade. No Parque das Nações essa proximidade é claramente um dos pontos mais positivos, mas acaba por resultar, sobretudo, em processos de observação e de contemplação. Existe um grande desafio para passar dessa mera contemplação para a completa fruição do estuário, e, nesse especto, o Parque das Nações terá as infraestruturas necessárias para dar esse salto, que é bem necessário para a região.
"O desafio da relação com o Tejo é uma questão que não se coloca apenas para o Parque das Nações, mas para toda a cidade"
Está bem relacionada com as restantes zonas e com o rio?
Olhando para os transportes públicos, o Parque das Nações é servido por metro, comboio e autocarros, com ligações diretas à restante cidade de Lisboa, área metropolitana e até ao país, pelo que, desse ponto de vista, parece-me que a relação com a área metropolitana está assegurada. A ligação com o rio é também positiva, sobretudo quando comparada com grande parte da frente ribeirinha da cidade, que ainda detém funções portuárias que dizem pouco à maioria da população de Lisboa.
Repetindo a pergunta de uma reportagem da TVI há 10 anos: o Parque das Nações é hoje uma ilha de bem-estar ou de caos urbano?
Na minha opinião apontaria mais para o meio termo, com tendência para a ilha de bem-estar. Essa tendência que encontro é bastante subjetiva, é certo, mas está sobretudo relacionada com a confrontação que podemos fazer com outros locais da cidade (ou da metrópole), que na maioria dos casos ficam aquém da qualidade que se pode encontrar no Parque das Nações, o que seguramente também se reflete no preço das habitações.

O Parque das Nações é um caso de sucesso urbanístico que deveria ser replicado? Em termos de planeamento urbano o que poderia ser corrigido/melhorado?
O Parque das Nações funcionou bem no seu contexto e a regeneração urbana que foi ali experimentada pode até ser considerada como um modelo de referência. Penso que foi até isso que vimos em certa medida no Programa Polis, com pequenas regenerações ribeirinhas que pareciam replicar algumas ideias do Parque das Nações. Contudo, cada caso é um caso, com as suas particularidades e singularidades próprias. O Parque das Nações ter sido, no geral, um processo bem-sucedido não quer dizer, necessariamente, que também o seja noutro local. As intervenções no território devem olhar para as necessidades e características locais e não se basear em replicar projetos “de sucesso”. Nesse ponto de vista, não há sucesso garantido e replicar por replicar normalmente é até a receita para correr mal. Além do mais, será necessário perceber que a Expo 98 é um projeto da década de noventa, pelo que poderá já não corresponder às necessidades e exigências atuais a vários níveis.
O Parque das Nações pode continuar a contribuir para aumentar a oferta de habitação em Lisboa?
Do ponto de vista mais lato claro que sim, pode contribuir para o aumento da oferta de habitação. Contudo, pelo que se percebe dos valores praticados, a habitação construída no Parque das Nações é genericamente para um ‘target’ de elevado rendimento. Por essa razão, parece-me fundamental que no futuro se aposte na construção para segmentos de rendimento intermédio. Para o desenvolvimento de um bom bairro, na sua plenitude, é absolutamente fundamental essa heterogeneidade e diversidade. É, na verdade, essa a tradição de Lisboa.
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