
Não é fácil dizer adeus a uma casa da qual gostamos muito. Assim como aos objetos e memórias que um espaço pode guardar. Há quem tenha de mudar-se por força de várias circunstâncias, nem sempre positivas: o caso de uma separação; famílias que por via de dificuldades financeiras ou desemprego têm de mudar-se de casas maiores para casas mais pequenas; voltar a casa dos pais ou até arrendar o quarto e partilhar espaço com desconhecidos. Mas é possível reconstruir um canto só nosso, mesmo com poucos metros quadrados (m2), sem perder a identidade, garantem os especialistas ao idealista/news.
O novo contexto macroeconómico e geopolítico agudizou a crise na habitação em Portugal, e há cada vez mais pessoas a terem de enfrentar situações delicadas, tal como revela este artigo do idealista/news. Segundo os players da mediação imobiliária ouvidos, a procura de espaços mais pequenos tende a crescer, e essa mudança tem impacto em diferentes esferas da vida das pessoas - confirmam por outro lado, os psicólogos. A verdade é que ir viver para uma casa mais pequena implica fazer cedências e escolhas, ser seletivo, deixar coisas para trás – algo que nem sempre é fácil, uma vez que também se trata de um processo emocional difícil.
“É importante lembrar que a casa é para muitas pessoas um ‘porto seguro’, a partir do qual organizam uma grande parte da sua vida, e o perder desta estrutura pode gerar alguma desorganização pessoal e, naturalmente, emocional. A maior dificuldade é adaptarmo-nos a uma nova vida diferente daquela que conhecíamos até ao momento. Muitas pessoas sentem estas mudanças como retrocessos e o ter que voltar a partilhar casa ou a viver com os pais gera frustração e desilusão”, tal como explica a psicóloga Catarina Lucas.
Para esta especialista as mudanças também podem ser vistas, precisamente, como uma oportunidade para abraçar um novo projeto de vida. "Um espaço mais pequeno não significa que não seja acolhedor, bonito ou seguro e familiar. Uma casa mais pequena pode ser compensada com mais atividades fora de casa, por exemplo. Pode ser uma oportunidade para reconsiderar estilos de vida, abraçar novos projetos, fazer mais atividades ao ar livre, dar asas à imaginação, etc", analisa.

Da razão à emoção: como dizer adeus a objetos pessoais
“Lidar com a necessidade de ter que se desfazer de objetos pessoais nem sempre é fácil. Embora haja pessoas que lidam com a situação de uma forma mais prática, outras nem tanto e isso depende, em grande parte, do nível de apego e de significado emocional conferido aos bens materiais. É importante haver um trabalho individual e mental”, salienta o psicólogo Afonso Arribança. O especialista apresenta um conjunto de 4 etapas que considera fundamentais neste processo:
- Refletir sobre a importância dos objetos. “Os objetos também representam parte da nossa própria identidade do presente, mas da nossa identidade como um todo. Pergunta a ti mesmo se esses itens realmente contribuem para felicidade e bem-estar, se são úteis ou se estão apenas associados a memórias - e caso estejam apenas associados a memórias, por muito importantes que sejam, podes desfazer-te deles. Afinal, as memórias permanecem em nós”.
- Priorizar o espaço é importante no processo de desapego porque, para compensar a sensação de perda, “podemos visualizar de forma gratificante um espaço mais simples e organizado que nos ajude numa nova fase de vida e contribua para o nosso bem estar psicológico”.
- No processo de desapego, podemos optar por doar ou vender, ressignificando o objeto de uma forma que traga mais leveza.
- Aceitar o processo emocional de perda e desapego “envolve aceitar as emoções que surgem, quer seja tristeza, nostalgia, frustração, perda. As emoções têm um tempo, uma duração determinada e, ao aceitarmos a presença delas, compreendemos de uma forma diferente que o processo de desapego vai doer apenas por um tempo”.

Arrumar e organizar casas pequenas
É possível fazer a mudança para um espaço mais pequeno sem perder a identidade. Cuca Pinto Abreu, ‘personal organizer’ e fundadora do projeto “Eu Arrumo”, lembra que “ter muita coisa não significa propriamente ter muitas opções”.
“Às vezes os armários estão tão cheios que nem se consegue alcançar ou ver o que se tem. Daí que sugiro ver esta oportunidade como uma forma de selecionar o que efetivamente faz sentido para vida de hoje e o que se gosta mesmo. A identidade não se perde quando se destralha, antes pelo contrário. Destralhar é ficar com as coisas com que mais nos identificamos”, sublinha, deixando vários conselhos práticos e adaptados a cada situação:
Criar zonas funcionais e destralhar
- Para maximizar o ideal é reduzir a quantidade de objetos e optar por objetos com função. Como reduzir as coisas supérfluas e sem utilidade? Diminuir a quantidade de objetos decorativos nas salas e nos quartos, destralhar os objetos repetidos (a cozinha está cheia deles), doar ou vender os objetos que nunca usamos (o roupeiro também está cheio de roupa que não vestimos).
- As divisões devem ser funcionais e práticas: o balcão da cozinha deve ter o mínimo de coisas em cima para se poder cozinhar à vontade, e deve juntar as categorias para simplificar e perder menos tempo. Se se trabalha em casa deve-se criar uma zona fixa para colocar o computador e documentos, mesmo que os tenha de arrumar todos os dias no final. O princípio é ter sempre à mão aquilo que tem uso.
- Os móveis ideais são os que permitem várias funções: um sofá cama, uma secretária com gavetas, uma cama com arrumação, uma estante onde se pode colocar cestos para “esconder” alguns objetos.
Casas pequenas com filhos
Numa casa pequena há menos espaço para zonas exclusivas. Por isso devemos logo pensar onde vamos colocar a secretária do home-office, de forma a ser funcional e ter privacidade quando se está a trabalhar. Se as crianças são pequenas deve-se prever uma zona da sala para poderem brincar e guardar os brinquedos. Ser o mais possível disciplinado com a organização e pedir a colaboração de todos, respeitando quando alguém trabalha e precisa de silêncio, alguém brinca e precisa de espaço, alguém cozinha e precisa de ordem. Se todos colaborarem fica mais fácil.

Viver num quarto
- Aqui é fundamental a rotina da manutenção. Se o espaço é muito reduzido não se deve deixar a desarrumação instalar-se. Para isso deverá existir um local para guardar cada coisa e depois devolver ao seu sítio, após a sua utilização.
- Será importante ter apenas aquilo que se usa nesse momento, como por exemplo a roupa desta estação, os livros que se está a ler, etc. Quanto mais não seja porque o excesso de objetos cria um ambiente visualmente pesado, que não se quer num espaço pequeno.
Erros comuns e a evitar
O erro mais comum é enchermo-nos de coisas que não servem para nada muitas vezes porque nem sequer nos questionamos a razão da sua existência. Quanto menos coisas tivermos menos temos de arrumar. Mas para isso não precisamos nos tornar minimalistas, a ideia é escolher o melhor, o mais bonito, o que nos traz boas memórias.
Manter a identidade e conforto num novo ambiente
Rafaela Garcez, consultora de organização, comenta que observa muitas vezes em casa dos seus clientes um “querer guardar praticamente tudo”, algo que se torna “num problema de acumulação e energia estagnada”. “Quando tudo é especial, nada é especial. E mesmo aquilo que consideramos recordação, pode e deve ser questionado de tempos a tempos. Talvez a moldura, o presente ou qualquer recordação faça sentido manter hoje e amanhã já possamos libertar com gratidão pela experiência que representou na nossa vida”, diz.
Para a especialista, cujo trabalho é organizar a casa e a vida de outras pessoas, e que recentemente passou por um processo semelhante – deixar a casa onde vivia para voltar a casa dos pais, temporariamente, depois de uma separação – é possível manter a o conforto e identidade de um espaço, mesmo num novo ambiente.

“Podemos aproveitar esta mudança para fazer o redesign do nosso espaço em termos de decoração. Para mim ajuda-me sempre, inspirar-me em quartos pequenos e perceber como optimizar um espaço pequeno. Uso o pinterest para ideias de decoração e organização. Durante a seleção dos objetos da antiga casa, escolher os objetos que vão tornar o novo quarto acolhedor, como quadros, tapetes, candeeiros e plantas”, explica.
A especialista enumera os passos que considera fundamentais num processo de mudança para uma casa pequena, desde o que faz falta até ao que pode (e deve) ficar de fora:
- Primeiro, “libertar tudo o que não se usa e não se gosta, escolhendo assim rodear-se apenas de objetos dos quais se gosta e trazem felicidade. Fases de mudança são perfeitas para exercícios de auto-reflexão. Encarar o inesperado com leveza e curiosidade. Nestes momentos de mudança, percebemos que a vida deu-nos oportunidade de recomeçar alinhados com aquilo que somos e queremos verdadeiramente”.
- Segundo, “abraçar a mudança e aceitar o momento presente. Não carregando culpas, arrependimentos e pesos. Esta é uma das decisões que irá ter mais impacto na organização da casa, mesmo não sendo tão óbvio”.
- Terceiro, “tornar o novo espaço no reflexo desta mudança interna. Uma divisão livre de tralha, funcional e organizada, abre espaço para viver com leveza. Em termos práticos, ter um local identificado para cada objeto e devolver após utilização, explorar o espaço vertical, como paredes, interior de roupeiros ou portas para colocar organizadores e ganhar espaço” é essencial.
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