A inclusão dos migrantes em Portugal voltou à agenda mediática e política depois de ter entrado em vigor a lei dos estrangeiros e de o Parlamento ter dado luz verde à proibição o uso da burca em espaços públicos. Estas medidas surgem, porém, depois de a Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI, na sigla inglesa) ter recentemente avisado que o país precisa de um plano de ação para integrar os migrantes, que continuam a sofrer de discriminação na habitação e em outras áreas. Aliás, o organismo comunitário conclui que “os problemas de acesso à habitação são um dos maiores obstáculos à integração dos migrantes em Portugal”.
A discriminação de pessoas pela raça, étnica, cidadania, religião ou orientação sexual continua a “suscitar preocupações” em várias áreas e direitos humanos básicos, como a saúde, educação, emprego e habitação, segundo revela o relatório divulgado em junho e agora analisado pelo idealista/news . Ainda assim, o retrato de Portugal elaborado pela ECRI aponta "progressos" em vários domínios nos últimos oito anos.
“Os problemas de acesso à habitação são um dos maiores obstáculos à integração de migrantes em Portugal”, conclui a comissão criada pelo Conselho da Europa e liderada por Bertil Cottier. Este cenário está, em parte, relacionado com a crise da habitação no país pautada pela falta de oferta e preços crescentes. Mas não só.
“Existe uma incidência alarmante de sem-abrigo entre os migrantes, que também enfrentam xenofobia no setor da habitação”
A vulnerabilidade dos migrantes na área da habitação também pode ser explicada pelos “atrasos e ineficiências” de centenas de milhares de pedidos de regularização feitos à Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA). Sem autorizações de residência válidas, os migrantes ficam sujeitos “a abusos em vários aspetos da vida, como o emprego, a habitação e o acesso à justiça”, explica a ECRI.
A ausência de documentação por falta de resposta da AIMA, a par do elevado custo de vida e das dificuldades em fazer face às suas despesas, acabam por levar muitos migrantes a viver na rua, salienta a organismo europeu independente. Outra solução que encontram estas pessoas passa por viver em casas sobrelotadas. “Há relatos de migrantes que vivem em situação de sem-abrigo ou em casas sobrelotadas e indignas em Lisboa e Beja, incluindo em campos improvisados”, exemplifica. Aliás, a ECRI conclui que “um quinto dos migrantes em Portugal vive em alojamentos sobrelotados, em comparação com menos de um décimo dos nacionais portugueses”.
É neste contexto que a ECRI incentiva as “autoridades a intensificarem os seus esforços para tratar os processos de regularização pendentes” e a investir no “funcionamento eficaz” da AIMA. Entretanto, a 23 de outubro de 2025, entrou em vigor a nova lei dos estrangeiros que tem impacto diretamente na AIMA ao visar a modernização e simplificação de procedimentos. Mas, por outro lado, segue agora um período de adaptação às maiores restrições à entrada, residência e reagrupamento familiar de migrantes. Este diploma limitou ainda o acesso ao visto de trabalho qualificado e colocou um ponto final à manifestação de interesse.
Quem mais sofre de discriminação na habitação em Portugal
Muitas famílias migrantes “enfrentam xenofobia no setor da habitação”, denuncia a entidade europeia. E destaca um inquérito que revela que 90% dos imigrantes brasileiros relatou ter sofrido discriminação no acesso à habitação, principalmente quando procuravam casas para arrendar. Esta é uma realidade que outros migrantes de países de língua portuguesa também enfrentam no país. Mas não ficamos por aqui.
O relatório europeu destaca que “os ciganos, a grande maioria dos quais são cidadãos portugueses, continuam a ser um dos grupos mais marginalizados do país”, sobretudo no emprego e no acesso a casas dignas. Nos últimos anos, não foram alcançados “progressos significativos para melhorar as condições de habitação dos ciganos”, aponta também a ECRI.
As conclusões da sua visita a Portugal em 2024 sugerem que “as comunidades ciganas continuam a debater-se com segregação territorial, discriminação no mercado de arrendamento, habitação social inadequada e sobrelotada, alojamento em bairros de lata, em condições indignas e sem acesso a serviços básicos”, tal como refere no documento.
Também a comunidade LGBTI continua a ser marginalizada no país e na área da habitação. “Apesar do progresso substancial nos últimos anos e de um quadro jurídico geral de proteção à igualdade LGBTI, as pessoas LGBTI em Portugal continuam a enfrentar discriminação”, tendo sido identificadas necessidades específicas nas áreas da saúde, educação, emprego, habitação e proteção social.
É neste contexto que esta comissão oficial do espaço comunitário “incentiva as autoridades portuguesas a continuarem a acompanhar e a avaliar a implementação do plano de ação sobre a igualdade das pessoas LGBTI e a levarem a cabo atividades destinadas a colmatar as lacunas entre a legislação e a prática, em consulta com as comunidades LGBTI e as organizações da sociedade civil pertinentes”.
O que pode fazer Portugal para melhorar o acesso à habitação para migrantes?
Em Portugal existem programas gerais destinados a combater a situação das pessoas que vivem em habitação indignas. Mas faltam dados mais detalhados e desagregados por género, cidadania ou etnia dos beneficiários desses programas, considera a ECRI. Pelo menos até ao final de 2024, “as autoridades não tomaram nem planearam medidas específicas para resolver os problemas graves enfrentados pelos migrantes no domínio da habitação”, aponta.
É neste sentido que esta entidade europeia deixa um conjunto de recomendações às autoridades portuguesas. Desde logo, “devem adotar um programa nacional de ações para a integração e inclusão de migrantes, com o envolvimento da nova CICDR [Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial], e das organizações relevantes da sociedade civil no seu desenvolvimento, implementação e avaliação”.
Além disso, a ECRI reclama que o governo português e as demais entidades competentes “desenvolvam políticas nacionais de habitação que respondam aos desafios e necessidades específicas dos migrantes”, como:
- melhoria da disponibilidade e da acessibilidade das queixas e dos mecanismos de recurso para os migrantes vítimas de discriminação no setor da habitação;
- trabalho com o setor da habitação privada para prevenir incidentes e práticas xenófobas;
- resposta às necessidades dos migrantes através do investimento e da atribuição de habitação pública e a preços acessíveis;
- garantia de uma habitação decente de emergência aos migrantes que vivem em situação de miséria.
“A ECRI recomenda, com carácter prioritário, que as autoridades tomem medidas rápidas e resolutas para garantir condições de habitação dignas e seguras para os ciganos que vivem em acampamentos sem condições mínimas, incluindo bairros de lata, ao mesmo tempo que procuram soluções habitacionais de longo prazo, em estreita consulta com as comunidades ciganas em questão”, lê-se ainda no relatório.
Estas são os recados que a Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância deixa a Portugal em matéria da habitação. Mas também desenhou um conjunto de diretrizes para que os direitos humanos sejam cumpridos todas as áreas. Por exemplo, defende que haja um reforço nas escolas do combate ao bullying, discriminação e racismo, bem como uma maior integração de migrantes. E pede também que haja maior apoio às forças de segurança para lidar com crimes de ódio.
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