Foram várias as medidas extraordinárias desenhadas para minimizar o impacto da pandemia no setor da habitação. Mas será que chegaram? Não. Segundo a auditoria do Tribunal de Contas (TdC), o grau de execução e de eficácia destas medidas revelou-se "insuficiente". E diz ainda que as famílias que pediram apoios para pagar as rendas ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) apresentaram uma quebra média de rendimentos na ordem dos 70%.
As conclusões foram apresentadas no relatório de auditoria do TdC, divulgado esta sexta-feira, dia 19 de novembro de 2021, que avaliou a reação ao impacto adverso da pandemia no setor da habitação em 2020.
Em foco estão as cinco medidas extraordinárias tomadas e geridas pelo IHRU, como é o caso das medidas de conservação e reabilitação do parque habitacional (CRPH), da proteção do arrendamento habitacional (PAH), a criação de parque habitacional público de habitação a custos acessíveis (PHPHCA), apoio à reconversão dos fogos afetos ao alojamento local (RAL) e os mecanismos de redução, suspensão e isenção de rendas devidas a Entidades Públicas (MRSIREP).
Sobre estas medidas, o TdC não tem dúvidas: “Até 31/12/2020, a reação resumia-se a cinco medidas, com grau de execução insuficiente e incipiente”. E explicou ainda que duas das medidas “não apresentavam resultados, só uma tinha meta definida, sem a ter atingido, e nenhuma se revelava eficaz para alcançar o seu objetivo nem para recuperar a situação inicial (anterior ao impacto adverso da pandemia)”, lê-se no relatório.
Relativamente à execução financeira destas medidas em 2020, o TdC salienta que dos 63,5 milhões de euros previstos foram gastos 10 milhões de euros, o que “correspondeu apenas a 16% do orçamentado”.
A par da fraca execução, o TdC conclui ainda pela “desadequação e ineficácia” das medidas extraordinárias, pela “desarticulação" entre a sua implementação e a prossecução do interesse público". E diz ainda que a informação prestada sobre estas medidas “não foi completa, nem suficiente, não tendo promovido a responsabilização, a transparência e o escrutínio públicos, quanto à eficácia dessas medidas em atingir os seus objetivos e assegurar recuperação do impacto adverso da pandemia no setor da habitação”.
Apoio ao arrendamento: só 29% foi utilizado
No que diz respeito à proteção do arrendamento habitacional (PAH), a taxa de execução foi de 29%, tendo sido gastos 1,16 milhões de euros dos 4 milhões orçamentados. Recorde-se que através desta medida, o IHRU concede um apoio financeiro a arrendatários habitacionais com uma quebra de rendimentos igual ou superior a 20% e com uma taxa de esforço para pagamento da renda superior a 35%. E também a senhorios em situação de carência económica por falta de pagamento de rendas.
Os valores são concedidos por via de empréstimos sem juros, parcialmente convertíveis em apoios a fundo perdido até 1,5 milhões de euros. Para o TdC, esta medida “não assegura o combate à pobreza”, porque os inquilinos terão de pagar os empréstimos concedidos, salvo a parcela convertida a fundo perdido.
Para o TdC, “a eficácia desta medida (cumprir o seu objetivo) é insuscetível de avaliação direta”, uma vez que não foi delineado o número de empréstimos concedidos a atingir. Em contraditório o Ministério das Infraestruturas referiu que, perante uma crise pandémica, não é “possível nem consistente” antecipar, através da fixação de metas, o número de situações a abranger.
Na verdade, as famílias que pediram apoios às rendas ao IHRU apresentaram uma quebra média de rendimento na ordem dos 70%, revelou ainda o TdC. E os dados agora reportados pelo TdC apontam para perdas médias três vezes mais elevadas do que os mínimos exigidos para esta medida.
Segundo o relatório, foram submetidos ao IHRU 3.069 pedidos de apoio, dos quais foram aprovados 748 (24,4%), correspondendo a 6.008 beneficiários. A esmagadora maioria (5.967) a corresponderem a inquilinos, um a fiador, 22 a estudantes com contrato de arrendamento de habitação e 18 a senhorios.
O IHRU justifica os resultados indicando que muitas famílias optaram por recorrer à moratória legal – diferindo o pagamento da renda - ou a outro tipo de medidas estabelecidas ao nível municipal. Além disso, refere ainda a impossibilidade de “aprovação de muitos dos pedidos por incumprimento dos requisitos de acesso ao apoio ou por falta de entrega dos comprovativos de cumprimento”.
Análise medida a medida
A medida destinada à conservação e reabilitação do parque habitacional do IHRU – que era anterior à pandemia – foi a que teve uma taxa de execução mais elevada, já que dos sete milhões de euros orçamentados, foram absorvidos 5,49 milhões de euros (79%), segundo revela a informação enviada pelo Ministério das Infraestruturas e da Habitação e pelo IHRU ao Tribunal de Contas. Esta medida em concreto atingiu quase o seu objetivo, já que número de fogos reabilitados representar 98% da meta anual.
“Para apoiar a criação de um parque público de habitação acessível, através de construção nova e da reabilitação de património imobiliário do Estado, devoluto e desocupado, foram previstos 48 milhões de euros e gastos 3,3 milhões de euros (7%), sem ter sido disponibilizado qualquer fogo”, refere o relatório relativamente à medida PHPHCA.
Já no que diz respeito ao programa de reconversão do alojamento local em arrendamento acessível (RAL), o TdC assinala que, apesar dos investimento anual de 4,5 milhões de euros previsto, “a medida não foi implementada em 2020”, concluindo pela sua ineficácia quanto ao seu objetivo – colocar mais imóveis no mercado e acudir dificuldades dos proprietários do AL, dada a quebra registada no turismo.
Em contraditório o ministério tutelado por Pedro Nuno Santos afirma que a execução desta medida “está dependente do grau de adesão dos potenciais interessados (proprietários de unidades de AL), não sendo, portanto, possível estabelecer à partida uma meta para a sua execução”.
Relativamente aos mecanismos de redução, suspensão e isenção de rendas por entidade pública, aplicável a rendas vencidas desde 1 de abril de 2020 com o objetivo de apoiar as famílias com necessidades habitacionais graves e/ou urgentes, através do IHRU, o TdC refere também aqui não ser possível fazer uma avaliação direta da eficácia da medida, uma vez que não existe uma meta do número de pedidos. Porém, conclui a auditoria, tanto a execução física da medida (os 30 pedidos aprovados) como a execução financeira (28 mil euros) “são muito reduzidas”.
*Com Lusa
Para poder comentar deves entrar na tua conta