Módulos são fabricados no Montijo e transportados para obra em Benfica. E em 6 meses sai do papel um prédio com 18 apartamentos.
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Os blocos gigantes de betão – alguns pesam cerca de dez toneladas – são construídos e preparados numa fábrica no Montijo, na margem sul de Lisboa, e transportados de camião para Benfica, no coração da capital. Ali, na rua André de Resende, perpendicular à movimentada Avenida Gomes Pereira, está a ser construído peça a peça, como se de um Lego se tratasse, um prédio com seis pisos e 18 apartamentos (com garagem), que vai chegar ao mercado em regime de renda acessível

Este projeto de construção modular, que sai do papel em tempo recorde pela mão da Junta de Freguesia de Benfica, foi financiado a 100% pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), num investimento de pouco mais de três milhões de euros. O curto tempo de obra deste tipo de projetos “permite cumprir com os prazos do PRR”, tornando “toda a operação mais barata”, conta ao idealista/news o presidente da junta, Ricardo Marques.

Rapidez no processo de construção e menor necessidade de mão de obra. Estes são alguns dos argumentos que os especialistas apontam aos projetos de construção modular, que permitem trazer ao mercado casas de forma mais célere e com menos custos, contribuindo, assim, para dar resposta à crise na habitação – ou de acesso a habitação – que se vive em Portugal, nomeadamente a nível local, ou seja, em projetos de Habitação a Custos Controlados (HCC) e/ou de arrendamento acessível.

Construção modular ganha asas em Lisboa
Antes e depois: projeto está a nascer num terreno que a Junta de Freguesia de Benfica comprou a uma entidade privada Créditos: Junta de Freguesia de Benfica

Em Benfica está a nascer um desses projetos. E à velocidade da luz: “São 18 apartamentos, 12 T1 e seis T2, que vão ficar prontos em breve”, revela ao idealista/news Luís Pinheiro, diretor de obra – os módulos são produzidos pela Global Engineering (GE), cuja fábrica se encontra no Montijo. “A obra iniciou, a parte da escavação e fundações, em agosto, setembro deste ano e pretendemos terminar a empreitada em janeiro, fevereiro do próximo ano”, acrescenta.

“A obra iniciou, a parte da escavação e fundações, em agosto, setembro deste ano e pretendemos terminar a empreitada em janeiro, fevereiro do próximo ano”
Luís Pinheiro, diretor de obra

“Enquanto em obra estamos a executar a escavação e as fundações, paralelamente na fábrica estamos já numa fase de preparação de desenho de infraestruturas e de todo o processo de fabrico. E posteriormente fazemos o fabrico em fábrica, normalmente conseguimos fazer entre dois a quatro módulos diários. E esses módulos já incluem infraestruturas, já vêm com janelas e, neste caso, com estendal. É um processo todo feito em fábrica, paralelamente à construção aqui em obra”, explica o engenheiro civil, que é também diretor de outras obras que utilizam a tecnologia da GE.

Edifício com casas que nascem com construção modular
Edifício com 18 apartamentos está a nascer em Benfica com construção modular Créditos: Gonçalo Lopes | idealista/news

Segundo Luís Pinheiro, trata-se de um prédio que fica concluído num período entre seis e nove meses, sendo necessários muito menos trabalhadores no local comparativamente com uma empreitada tradicional. “Apesar de termos aqui uma grua e plataformas elevatórias, evitamos andaimes e escoramentos. Há uma diminuição desse trabalho em obra e ganha-se muito mais a nível de segurança. E temos um maior controlo em fábrica”, indica.

“Numa obra convencional é necessário que o betão ganhe resistência para poder ser descofrado. Em fábrica usamos betão de alta resistência e além disso, como é feito em módulos, não temos aquela restrição de estar à espera pelo menos duas semanas até que o betão tenha uma resistência mínima necessária para poder descofrar. É uma otimização da solução”, destaca.

Projeto de construção modular em Benfica
Casas que se constroem como se montam legos, em Benfica Créditos: Gonçalo Lopes | idealista/news

E assim se constroem casas: peça a peça, da fábrica para a obra

Antes de visitar o estaleiro do prédio que está a nascer em Benfica, o idealista/news foi conhecer a fábrica da GE – empresa que desenvolve soluções e produtos de alta tecnologia aplicados à engenharia civil – na margem sul do rio Tejo. É ali, no Montijo, que tudo acontece, ou seja, que são produzidos os módulos, peça a peça, que serão depois montados em obra.

“O nosso sistema modular em 3D é uma parceria entre nós e a empresa de gestão de projetos DDN, que fez a gestão do processo connosco e com a equipa de engenharia civil do Instituto Superior Técnico”, conta Liam O’Donnell, Diretor-Geral da empresa.

Este projeto na rua André de Resende é o terceiro que a empresa está a desenvolver para a Junta de Freguesia de Benfica com recurso a construção modular. O primeiro a sair do papel foi a Residência Universitária do Calhariz de Benfica, que foi inaugurada em setembro de 2024. E bem perto deste edifício vai nascer, também, um prédio com 50 apartamentos destinados a renda acessível, que será construído num terreno cedido pela Câmara Municipal de Lisboa, ao contrário do empreendimento da rua André de Resende, que o idealista/news visitou, e que foi comprado pela autarquia a uma entidade privada.

Fábrica onde são construídos os módulos
Módulos são construídos na fábrica da Global Engineering, no Montijo Créditos: Gonçalo Lopes | idealista/news

“Conseguimos com este projeto que os interiores das casas de banho e que as infraestruturas fossem feitas em fábrica, bem como as fachadas, que vão para a obra quase acabadas, com janelas, estores e estendais de roupa. Parece quase uma casa de bonecas a ser montada com muitas coisas acabadas. O que queremos para os próximos projetos é maximizar os acabamentos que conseguimos fazer aqui em fábrica”, explica Liam O’Donnell, durante a visita à fábrica.

Outros dos projetos que têm a “assinatura” da GE com recurso a construção modular e com investimento municipal são, por exemplo, um edifício de escritórios em Vila Franca de Xira e um edifício de HCC em Alcácer do Sal. Mas a empresa trabalha também com investidores privados, nomeadamente na construção de moradias de luxo: neste caso através da empresa ModuLar, que integra o universo da GE.

Fábrica onde são produzidos os módulos de construção modular
Módulos são construídos em fábrica, no Montijo, e transportados para o local da obra, em Benfica Créditos: Gonçalo Lopes | idealista/news

Mais rapidez, menos custos, mais casas no mercado

Voltando ao edifício que está a nascer na rua André de Resende, Liam O’Donnell diz tratar-se de um “projeto muito significante em Benfica, porque vem ajudar a resolver o grande deficit que há na HCC para arrendamento acessível”. “Uma coisa que o dono da obra, que é a Junta de Freguesia de Benfica, tem estado muito empenhado a fazer, e nós temos estado muito empolgados em estar envolvidos. É mais uma que está a ser lançada em Benfica para oferecer mais habitação para quem mais precisa”, comenta.

"Em fábrica conseguimos ter fachadas acabadas, janelas e paredes montadas, e até os estendais de roupa conseguimos, desta vez, montar, para ser menos trabalho feito em altura, nomeadamente com andaimes"
Liam O’Donnell, Diretor-Geral da Global Engineering

Os benefícios da construção modular, argumenta, são bem visíveis: “Em fábrica conseguimos ter fachadas acabadas, janelas e paredes montadas, e até os estendais de roupa conseguimos, desta vez, montar, para ser menos trabalho feito em altura, nomeadamente com andaimes. Assim, em obra no local ficamos só com o acabamento exterior das pinturas e com os trabalhos que serão feitos no interior [do prédio e dos apartamentos]”.

Casas de construção modular em Lisboa
Vista aérea do empreendimento de construção modular que está a ganhar vida em Benfica Créditos: Gonçalo Lopes | idealista/news

A rapidez e o encurtar dos prazos com que avança a empreitada são sem dúvida, considera o Diretor-Geral a GE, grandes vantagens da construção modular. Enquanto se está em obra, no local, a fazer fundações e escavações, arranca em fábrica a construção dos módulos. E depois é só fazer o transporte. “Esta é que é a maior diferença. Isto garante que conseguimos, em média, fazer a montagem de um edifício desta natureza em metade do tempo face à construção convencional”. E a equipa do idealista/news observou isso mesmo, com um dos blocos a sair da fábrica de manhã e a ser colocado no local à tarde, com a ajuda de uma grua.

Liam O’Donnell aponta como exemplo de comparação uma obra que está a decorrer muito perto desta, também em Benfica [o Garridas 1867], que demorará muito mais tempo a sair do papel. “Isto é uma das maiores diferenças. Não é só o preço e o custo de construção, é o prazo”, conclui.

Construção modular em Lisboa
Blocos são transportados do camião numa grua diretamente para o local onde está a nascer o prédio Créditos: Gonçalo Lopes | idealista/news

Construção modular dá resposta aos ‘timings’ curtos do PRR

Para a Junta de Freguesia de Benfica, a aposta na construção modular para trazer mais casas ao mercado é seguramente um dos caminhos a seguir para dar resposta à crise na habitação, ou de acesso a habitação, que se vive no bairro e, de forma geral, em toda a cidade de Lisboa e no país.

“Este projeto dos 18 apartamentos teve um valor de compra de terreno muito razoável para aquilo que é a venda de terrenos em Lisboa, foi na casa dos 500.000, 530.000 euros. Com a construção modular, embora o valor construtivo seja ligeiramente superior do que em alvenaria, as contas ficam entre 20% a 30% abaixo do valor. Porquê? Porque tem muito menos homens em obra e recursos humanos, muito menos desperdício, muito menos tempo em obra. E, portanto, há um ganho racional com a produção em fábrica estandardizada que faz com que o valor construtivo depois baixe no total do projeto”, salienta Ricardo Marques.

"Quem tem respondido aos concursos da Junta de Freguesia de Benfica de conceção-construção têm sido entidades ligadas a construção modular, porque os ‘timings’ são muito curtos. E percebemos que os ‘timings’ do PRR levam a que a construção em alvenaria tradicional não seja tão simples”
Ricardo Marques, presidente da Junta de Freguesia de Benfica

Em causa está um terreno que foi comprado a uma entidade privada, a empresa Obragoito, tendo sido aberto um concurso público, que foi ganho pela GE. Para o presidente da Junta de Freguesia de Benfica, este tipo de construção híbrida faz com que “o tempo de obra” encurte, o “que permite cumprir com os prazos do PRR”, tornando “toda a operação mais barata”. 

“De facto, quem tem respondido aos concursos da Junta de Freguesia de Benfica de conceção-construção têm sido entidades ligadas a construção modular, porque os ‘timings’ são muito curtos. E percebemos que os ‘timings’ do PRR levam a que a construção em alvenaria tradicional não seja tão simples”, atesta o autarca.

Em jeito de balanço, Ricardo Marques fala sobre os três projetos municipais desenvolvidos, ou em desenvolvimento, pela junta de freguesia de Benfica com recurso a construção modular: “São 68 apartamentos, os 50 do Calhariz, está a ser desfeito agora o morro para depois ser construído o prédio, e estes 18 apartamentos do tardoz da Avenida Gomes Pereira. 68 que estão com esta metodologia de construção modular. Já a residência de estudantes para 120 alunos foi feita em tempo recorde, 11 meses. Está cheia, vai no segundo ano de atividade”.

Construção modular em Portugal
Vista aérea da fábrica da Global Engineering, no Montijo, onde são produzidos os módulos Créditos: Gonçalo Lopes | idealista/news

Quem pode aceder às casas?

De acordo com Ricardo Marques, a freguesia perdeu cerca de 2.800 moradores nos últimos oito anos, mas com os projetos residenciais que a junta idealizou, de cerca de 270 apartamentos, pretende “ir buscar” parte da população que saiu.

Mas quem vai poder, afinal, usufruir destas 18 habitações que estão a nascer junto à Avenida Gomes Pereira? Há algumas limitações, avisa o autarca: “É uma habitação que pressupõe que a família suporta 30% da taxa de esforço. É feito o cálculo sobre aquilo que são os rendimentos da família e é com base nisso que é calculada a renda dentro dos limites mínimos e máximos: o mínimo é 12.000 euros e o máximo, no caso dos concursos de Benfica, é 28.000 euros. Ou seja, uma pessoa com rendimentos per capita entre 12.000 e 28.000 euros é habilitável. Não pode é ter casa em nome próprio nos 50 quilómetros da envolvente de Lisboa, essa é a outra condicionante”, explica Ricardo Marques.

O sorteio das casas a entregar pode abranger também profissionais deslocados, como por exemplo professores. “É muito importante pensar que a cidade não sobrevive sem profissões diferenciadas e sem aqueles que a fazem ‘trabalhar’, os mecânicos, os polícias, quem serve nos cafés e na restauração e hotelaria. Aquilo que sentimos é que cada vez é mais difícil a classe média habitar na cidade, que está a ser profundamente empurrada para fora de Lisboa. Cada vez temos mais dificuldade em corresponder às expectativas da própria cidade”, remata.

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