O português é quase perfeito. Percebe-se, apenas pela forma como fala, que o arquiteto Ren Ito, japonês a viver no Porto desde 2011, tem uma capacidade de ouvir muito especial. Talvez seja esse o segredo para perceber exactamente aquilo que os clientes querem, o respeito e o detalhe com que trabalha.
O luxo é descrito como um processo igual a qualquer outro, “apenas com mais liberdade na escolha dos materiais”. Na verdade, é aqui que vive a contradição: os materiais utilizados na construção de luxo são muito mais duráveis e acabam por representar uma maior sustentabilidade financeira ao longo do tempo.
“A arquitetura é um meio de enriquecer a vida das pessoas”, explica Ren Ito ao idealista/news para a rubrica Em casa do arquiteto.
O arquiteto veio para o Porto para integrar a equipa de Siza Vieira, depois de estudar em Tóquio e Londres. A sua história explica os muitos estagiários de todas as nacionalidades que chegam ao atelier - um mundo de talento.
Para já os planos de Ren Ito são para ficar na cidade do Porto e continuar a procurar um equilíbrio entre a “rapidez dos prazos japoneses” e a calma portuguesa.

Conte-nos um pouco da sua história. Porquê arquitetura? Como veio abrir um atelier no Porto?
A minha casa de família no Japão ficava na periferia de Tóquio, não dentro da cidade. O meu pai trabalhava em Tóquio, mas queria uma casa com um pequeno jardim. Então, vivíamos fora, meio no campo, meio na cidade. Na infância, eu ficava a observar as casas em construção, visitava as obras e pedia aos carpinteiros pedaços de madeira para fazer barcos ou outros edifícios. Então, essa é a minha infância e por isso sempre gostei de construção, arquitetura e carpintaria. Naturalmente, escolhi estudar arquitetura.
Quando terminei o curso, comecei a trabalhar na secção de arquitetura de uma empresa de construção. Depois de trabalhar alguns anos, recebi uma bolsa de e fui estudar na Inglaterra. Um ano depois de terminar os estudos, eu queria ficar na Europa mais alguns anos antes de voltar ao Japão. Procurei um emprego e consegui um no escritório do arquiteto Siza Vieira. Colaborei e estudei no gabinete de arquitetura do Siza durante sete anos. Depois, colaborei com o arquiteto Joaquim Portela e abri meu próprio escritório.

Já estava no Porto quando veio trabalhar com o Siza Vieira?
Sim. Vim diretamente de Londres para o Porto. Tóquio, Londres, Porto.
Qual é a sensação quando um arquiteto pega num projeto de luxo, uma casa que envolve muito dinheiro? Como é que se trabalha o conceito de luxo?
No início, o processo é o mesmo para qualquer projeto. Queremos sempre fazer uma arquitetura boa, pensar no espaço, ouvir as preferências do cliente e perceber os seus desejos. Fazemos vários projetos e esse processo é igual, seja um projeto de luxo ou não. Talvez uma casa de luxo tenha mais opções em termos de materiais ou equipamentos, mas o princípio é o mesmo.
Luxo também é sinónimo de maior sustentabilidade?
Sim. Por exemplo, piso radiante ou outro tipo de conforto, como painéis solares ou energia fotovoltaica. Isso precisa de algum investimento, mas se investirmos mais nesse sentido, a casa é mais confortável e, a longo prazo, poderá gastar menos energia. Também o nível dos materiais: se forem materiais autênticos e maciços, podem durar muitos anos, enquanto os materiais sintéticos, no início são iguais, mas com o tempo podem mudar de aspecto e carácter.

Fale-nos um pouco de alguns projetos mais marcantes do atelier.
Ambos os projetos, a Casa Kala e a Casa da Calçada, envolveram reabilitação. A Casa da Calçada também teve uma parte de ampliação, por isso é como se fosse um edifício novo. O que foi difícil nestes dois projetos é que cada um foi desenhado para um estilo de vida mais antigo, e muitas coisas mudaram hoje em dia, em termos de estilo de vida e do que as pessoas exigem a nível de conforto térmico e equipamentos. Portanto, tivemos de manter a beleza e o estilo da casa, mas também incluir tudo o que as pessoas precisam atualmente.
Existe alguma linha que caracteriza todos os seus projetos? Alguma característica que reconheça em todos os projetos que estão sobre a sua alçada, no seu trabalho?
Acho que a linha condutora é a minha experiência de vida. Eu nasci no Japão, por isso tenho muita influência da cultura japonesa. Depois, trabalhei numa empresa de construção, por isso estou muito ligado ao nível da construção. Depois, fui para Inglaterra e estudei design sustentável, por isso tenho esse tipo de fatores de sustentabilidade em mente. E claro que com o arquiteto Siza Vieira aprendi muitas coisas, por isso muitos pormenores vêm dele. Abri o meu escritório e aprendi muitas coisas com os empreiteiros, clientes e engenheiros. Está tudo misturado. Cada projeto é diferente, mas se houver uma linha contínua, pode ser a minha experiência.

Terminamos com a sua história de vida. Quais são as grandes diferenças entre Portugal e o Japão?
Talvez, no bom e no mau sentido, o senso de tempo possa ser diferente. No Japão, tudo é muito rápido. É preciso ser muito pontual e entregar tudo a horas, não atrasar. Às vezes, isto é levado ao extremo, de tal forma que as pessoas valorizam mais a entrega a horas do que a própria qualidade. Aqui aprendi mais a valorizar o tempo que é necessário para manter a qualidade, em vez de despachar e entregar qualquer coisa. Por isso, estou a adaptar o meu lado japonês ao que aprendi aqui em Portugal.
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