
O Centro de Arquitetura do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, que reabre na quarta-feira, dia 2 de abril, com uma "exposição polifónica" sobre a coabitação entre espécies, vai funcionar também como "espaço de encontro e de produção de conhecimento", segundo a curadoria.
“É uma exposição polifónica porque tem muitas perspetivas. Queremos que seja uma narrativa coletiva e a várias vozes”, declarou a curadora-chefe Mariana Pestana, em entrevista à agência Lusa sobre a abertura do espaço encerrado há um ano.
O Centro de Arquitetura (CA) da Garagem Sul do Museu de Arte Contemporânea – Centro Cultural de Belém (MAC/CCB) reabre na quarta-feira, às 19:00, com entrada gratuita e uma programação que inclui uma conversa de apresentação da exposição “Interespécies” envolvendo vários investigadores, e música criada por sons de várias espécies.
O espaço vai funcionar “não apenas para acolher exposições que partam da arquitetura para falar sobre as grandes questões contemporâneas, mas também como lugar de encontro, de trabalho e de produção de saber”, sublinhou a responsável, formada na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto.
“O CA teve uma intervenção leve, mas bastante transformadora criada pelo ateliê BUREAU, respondendo a um programa curatorial que explora formas de criação de conhecimento coletivas feitas através de exposições, residências, bolsas de estudo, programas públicos e publicações”, descreveu a curadora-chefe à Lusa, acrescentando que o público poderá ali visitar projetos concluídos e outros em curso.
“Consideramos que os usuários da arquitetura são pessoas mas também são pássaros, plantes e minerais”, Mariana Pestana, curadora-chefe
O espaço já funcionava como área expositiva da disciplina de arquitetura no CCB, e agora com o novo projeto liderado por Mariana Pestana, escolhida pelo CCB por concurso no início de 2024, terá também espaços de trabalho, para eventos e conversas.
No interior, o público vai encontrar o primeiro ciclo expositivo, dedicado ao tema da arquitetura interespécies, “que serve não só as pessoas, mas também os ecossistemas”.
“É uma abordagem ecológica da arquitetura, mais complexa”, explicou a arquiteta sobre um projeto que contou na equipa com Anna Bertmark, Fernanda Costa, Valentina Demarchi, Bernardo Gaeiras, Mathilde Gouin, Katerina Iglezaki, Carlos Pastor e Mariana Simões (Bauhaus of the Seas Research Group).
O projeto vem no seguimento do trabalho de investigação que Mariana Pestana tem desenvolvido, nomeadamente oficinas curatoriais com aquele grupo de investigadores com doutoramento em curso e investigação na área de arquitetura, design, interação e interespécies, “numa preocupação mais que humana”.
A exposição evoca os princípios das antigas exposições que misturavam curiosidades cientificas, projetos artísticos, elementos decorativos e materiais de decoração: “Essa convivência de diferentes formas de conhecimento influenciou bastante a nossa forma de trabalhar”, comentou.
“Interespécies” vai ser dividida em três partes:
- uma intitulada “Aproximar”, com projetos e exercícios de novas perspetivas de ver o mundo, que não a cartesiana;
- outra chamada “Coabitar”, com arquiteturas, materiais de construção que são de convivência de pessoas com peixes, insetos e mais diferentes espécies;
- e “Conspirar”, sobre a questão dos direitos da natureza e o modo como o urbanismo e a legislação têm evoluído no sentido de proteger determinadas espécies, para garantir a sua sobrevivência, avançou Mariana Pestana à Lusa.

Da arquitetura aos sons, cinema e jogos: o que esperar da exposição no CCB
Os visitantes serão surpreendidos pela descoberta de novas experiências, como a do designer que se propôs viver como um bode durante três dias, pastores que falam línguas que se aproximam dos sons dos pássaros para chamar o gado, ou a vida de um flamingo no estuário do Tejo.
A exposição envolve criadores das áreas do cinema, informática, biologia, videojogos, de forma a atrair um público mais amplo - além dos arquitetos – com curiosidade para experimentar, por exemplo, um jogo em que se troca de corpo com outras espécies, ou observar arquiteturas criadas especialmente para pássaros e insetos.
O projeto vê a arquitetura “como uma prática relacional, que põe em relação pessoas, lugares, condições laborais, vidas, territórios, materiais”, resumiu a investigadora.
“Consideramos que os usuários da arquitetura são pessoas mas também são pássaros, plantes e minerais”, explicou a curadora sobre uma linha de pesquisa que tem sido desenvolvida por alguns investigadores em todo o mundo.
Mariana Pestana coloca em primeiro lugar as pessoas, mas como parte de ecossistemas: “Nós vivemos em interdependência com outras espécies, como as árvores, e é importante ter isso em conta. É uma consciência para melhorar a qualidade de vida dos seres humanos”.
“É também uma posição filosófica pós humanista, a partir de dentro da natureza, e realmente um pouco crítica da forma de fazer arquitetura industrializada, virada para buscar outras referências”, sustentou cofundadora de The Decorators, um estúdio interdisciplinar que concebe objetos, 'workshops', eventos e edifícios através de processos colaborativos que investigam noções de lugar, comunidade e comensalidade.
“Do contacto que tenho com alunos, vejo que têm muitas preocupações de ecologia (...) Aqui queremos, através da arquitetura, investigar formas de existir, de pensar de estar no mundo que permitam alguns espaços de segurança e de esperança”, Mariana Pestana, curadora-chefe
Para as residências, que passarão a ser anuais no Centro de Arquitetura, foram selecionados, este ano, o ateliê dinamarquês Superflex em conjunto com os portugueses KWY e o Estúdio Obsidiana, que desenvolvem projetos de arquitetura para pessoas e pássaros.
Os ateliês em residência irão criar instalações de arquitetura para apresentar no Jardim das Oliveiras e no Jardim da Água do CCB a inaugurar em 28 de junho, com um programa paralelo de conversas, indicou.
O que também terá continuidade a partir deste ano são as duas bolsas anuais de arquitetura para todas as pessoas ou coletivos, no valor de 10 mil euros cada, e que correspondem à temática de cada ano do Centro de Arquitetura do CCB.
A curadora sublinha a importância destas bolsas num país onde existem poucos apoios para a criação em arquitetura: “É importante acrescentar um valor que permita dar um primeiro passo, fazer um projeto e promover manifestações de arquiteturas com um caráter mais de investigação ou experimentação que não sejam necessariamente obra construída”.
Questionada sobre os públicos que quer atrair à Garagem Sul, a responsável disse que os visitantes deste espaço “são muito fiéis” e espera que seja interessante para os arquitetos que estão a estudar, poder encontrar ali resposta a algumas das suas preocupações.
“Do contacto que tenho com alunos, vejo que têm muitas preocupações de ecologia, muito centrais nesta geração, e também face ao clima politico atual internacional muito desolador. Aqui queremos, através da arquitetura, investigar formas de existir, de pensar de estar no mundo que permitam alguns espaços de segurança e de esperança”, disse.
O Centro de Arquitetura do MAC/CCB vai estar aberto ao público a partir de quinta-feira, entre as 10:00 e as 18:30, iniciando um novo ciclo com o foco na coabitação entre humanos e outras espécies.
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