Se o BCE decidir cortar os juros em junho, tudo indica que haverá descidas da Euribor e das prestações da casa, dizem analistas.
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Euribor a descer em 2024
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Junho será o mês chave para as famílias que estão a pagar créditos habitação em Portugal. É nesse mês que o Banco Central Europeu (BCE) vai avaliar se há dados económicos suficientemente favoráveis para começar a descer os seus juros diretores. Se assim for, as famílias poderão contar com uma descida mais expressiva das taxas Euribor a partir da segunda metade de 2024, aliviando, assim, as prestações da casa. O corte dos juros do BCE em junho e consequente descida da Euribor é, para já, a hipótese mais aceite pelos analistas financeiros. Mas Christine Lagarde, presidente do regulador europeu, não se comprometeu com uma “trajetória específica das taxas” na reunião de política monetária realizada esta quinta-feira, dia 11 de abril, voltando a sublinhar que tudo depende dos dados.

Como vai variar a Euribor até junho?

Depois de passarem quase dois anos sempre a subir, as taxas Euribor começaram a recuar ligeiramente em novembro de 2023 em reação à interrupção do aumento das taxas diretoras pelo BCE em outubro. De lá para cá, as taxas Euribor mensais têm oscilado, registando ora ligeiras descidas, ora ligeiras subidas, permanecendo entre 3,7% e 3,9% em março.

Isto acontece porque os mercados financeiros foram adiando o calendário previsto das descidas da Euribor para junho (ao invés de abril) à medida que o BCE foi mantendo a taxa de refinanciamento bancário nos 4,5% nas reuniões que se seguiram e Lagarde foi alimentando um possível alívio da sua política monetária no verão. Agora, o corte das taxas de juro em junho é a hipótese mais aceite pelos mercados financeiros. E esta mensagem mais otimista poderá gerar uma “ligeira descida da Euribor”, ficando no curto prazo entre 3,6% e 3,7%, segundo prevê David Brito, diretor-geral da Ebury Portugal.

Para já, o que se tem sentido em Portugal é que os primeiros sinais de descida da Euribor e as perspetivas mais positivas quanto à sua evolução não têm, por si só, atraído mais famílias para contratar novos créditos habitação. Isto porque o montante de novos empréstimos voltou a cair em fevereiro para 1.137 milhões de euros, segundo os dados mais recentes do Banco de Portugal (BdP). Além disso, também se tem assistido no país a uma maior adesão às taxas mistas – que fixam os juros num período inicial do contrato, seguido a taxa variável -, representando 72% dos novos créditos habitação própria e permanente em fevereiro. Esta tendência é explicada pelo facto de os bancos estarem a oferecer taxas mistas mais acessíveis (sobretudo por curtos períodos), antecipando a queda da Euribor.

A maior contratação de taxas mistas ao invés de taxas variáveis é um movimento sentido desde 2023 que permanece. Mas há outras tendências que estão a dar sinais de mudança. Em fevereiro, o BdP deu conta que houve uma queda no montante de renegociações de crédito habitação, bem como no das amortizações antecipadas (que estavam em alta), apesar de os juros se manterem elevados.

Descida dos juros no crédito habitação
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Alívio das prestações da casa mais provável em junho - e depois?

Ao que tudo indica, as taxas Euribor e as prestações da casa só vão cair de forma mais expressiva na segunda metade de 2024, depois de haver uma descida dos juros do BCE que está prevista para junho. “A longo prazo, cumprindo-se as expectativas atuais do mercado, que nos parecem realistas, o indicador pode começar a cair significativamente a partir de junho e prevemos que se situe em torno dos 3% - 3,5% no fim de 2024”, antevê David Brito.

Quanto às perspetivas de queda das taxas Euribor ao longo de 2024, há especialistas mais otimistas que outros, prevendo apenas uma diminuição moderada deste indicador que vai evoluir em linha com as decisões do BCE. A ideia mais aceite pelos analistas financeiros é que a Euribor começará a cair gradualmente a partir de junho até terminar 2024 em torno dos 3,5%-3% (mas não abaixo deste patamar).

Se a Euribor cair para 3% no final do ano, as famílias que estão a pensar contratar créditos habitação indexados à Euribor a 6 meses poderão pagar prestações bem mais baratas. É isso que mostram as simulações do idealista/créditohabitação, tendo em conta novos empréstimos da casa de 150.000 euros (com spread de 0,7% e prazo de 30 anos):

  • Se a Euribor a 6 meses cair dos atuais 3,895% (média mensal de março) para 3,5%, significa que as prestações mensais vão descer dos atuais 768 euros para 733 euros (menos 35 euros);
  • Se a Euribor a 6 meses descer para 3,25% este ano, as prestações da casa passam para 711 euros (menos 57 euros);
  • Se no final do ano a Euribor a 6 meses estiver em 3%, as prestações da casa serão de 690 euros. Isto quer dizer que se uma família contratar um crédito habitação a taxa variável no final deste ano pagará quase menos 80 euros de prestação durante o semestre seguinte do que quem se antecipou e contratou o empréstimo da casa em abril.

Assim, depois de o BCE avançar com os cortes dos juros, as famílias portuguesas podem esperar uma descida progressiva da Euribor ao longo de 2024, embora tudo indique que esta trajetória será bem mais lenta do que a sua fase ascendente. Enquanto os novos créditos habitação de taxa variável vão logo refletir as menores taxas Euribor, nos empréstimos da casa existentes a descida da Euribor vai ser sentida só quando as prestações da casa forem atualizadas. “Os portugueses com crédito habitação de taxa variável que têm revisão na segunda metade do ano, observarão uma redução mais expressiva nas suas prestações mensais”, prevê Miguel Cabrita, responsável pelo idealista/créditohabitação em Portugal.

Já para 2025 espera-se que a Euribor possa mesmo ultrapassar o limitar dos 3%. O BBVA admite que a Euribor poderá cair até 2,4% no final do próximo ano, se o BCE baixar os juros em mais de 100 pontos base (para 2,75%). E o Bankinter acredita que a Euribor a 12 meses cairá para 2,75% em 2025. 

Redução das prestações da casa
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BCE deverá avançar com cortes dos juros em junho – e a seguir?

A presidente do regulador europeu tem referido que os primeiros cortes dos juros diretores podem ocorrer já na próxima reunião de política monetária agendada para 6 de junho de 2024. Isto porque "os argumentos para considerar cortes nas taxas estão a fortalecer-se”, com a economia europeia a dar sinais de melhoria e a inflação na zona euro a desacelerar para 2,4% em março, estando cada vez mais perto do seu objetivo dos 2%.

Assim, tal como suspeitava o mercado, o Conselho do BCE decidiu manter as suas taxas de juro diretoras inalteradas na reunião de política monetária realizada esta quinta-feira, dia 11 de abril. Mas, pela primeira vez, mostrou maior abertura em avançar com os primeiros cortes dos juros: “Se a avaliação atualizada das perspetivas de inflação, da dinâmica da inflação subjacente e da força da transmissão da política monetária reforçar a confiança do Conselho do BCE de que a inflação está a convergir para o objetivo de forma sustentada, será apropriado reduzir o atual nível de restritividade da política monetária", lê-se no comunicado.

“Esta é a primeira vez que o BCE fala em cortes de taxas no seu anúncio oficial de política monetária”, o que “abre oficialmente a porta a um corte de taxas em junho”, analisa o ING.

A expectativa dos analistas financeiros tem vindo a convergir com os sinais dados pelo BCE de que o primeiro corte dos juros vai ocorrer em junho. E esperam que, depois, haja entre três ou quatro reduções destas taxas ao longo de 2024, se o processo de desinflação e transmissão da política monetária continuar. É isso que diz Cristina Gavín, gestora de fundos da Ibercaja Gestión: "A primeira redução das taxas de juro irá ocorrer na reunião de junho, seguindo-se de mais duas quedas de 25 pontos base que colocarão a taxa até 3,75% no final do ano".

“Vemos como quase certa uma redução das taxas do BCE em junho. De facto, os mercados já estão a assumir quase por completo um primeiro corte nas taxas de juro em junho e preveem um total de três a quatro descidas de 25 pontos base este ano, o que deixaria o preço do dinheiro em 3,75% - 3,5% no final de 2024”, prevê o diretor-geral da Ebury Portugal.

O mesmo prevê o CaixaBank Research admitindo que faz sentido que haja um alívio da política monetária em junho de 25 pontos, porque “a inflação está a aproximar-se dos 2%, sem sinais de efeitos de segunda ordem que comprometam o objetivo, e a atividade económica está estagnada num ambiente monetário restritivo”. Depois, os analistas do CaixaBank admitem que as taxas de juro do BCE possam cair até 100 pontos base até ao final do ano, deixando a taxa de refinanciamento – que tem impacto no crédito habitação – nos 3,5%.

Embora os analistas de mercado antecipem o primeiro corte dos juros do BCE para o início do verão e sucessivas quedas das taxas ao longo do ano, o Conselho do BCE reforçou esta quinta-feira que "não se compromete previamente com uma trajetória de taxas específica" para as próximas reuniões. Esta é uma abordagem cautelosa que deverá ser mantida mesmo depois de o BCE avançar com um alívio da sua política monetária. Ou seja, o regulador pode cortar as taxas em junho e mantê-las inalteradas na reunião de setembro. "O que parece claro é que a queda acentuada que se previa no início de 2024 não ocorrerá, e que se houver reduções da taxa serão pequenas”, admite Miguel Cabrita.

Cortes dos juros pelo BCE
Christine Lagarde, presidente do BCE Getty images

Corte dos juros do BCE pode ser adiado para setembro à espera da Fed?

Apesar da maioria dos analistas de mercado apostarem todas as fichas de que o primeiro corte dos juros diretores vai ocorrer em junho, nas últimas semanas têm surgido vozes noutro sentido. Em cima da mesa, está também a possibilidade de o BCE adiar este alívio para setembro, esperando que o seu homólogo norte-americano, a Reserva Federal dos EUA (Fed), dê sinais claros de que vai reduzir o preço do dinheiro. Até agora, Jerome Powell, presidente da Fed, só confirmou que haverá cortes dos juros nos EUA este ano, sem adiantar uma data concreta.

“Agora, a principal incerteza que os investidores enfrentam na zona euro é conseguir determinar se o BCE se irá distanciar da Fed e começar a reduzir as suas taxas de juro de referência em junho, conforme previsto”, começa por explicar Juan J. Fdez-Figares, diretor de gestão de CCI da Link Securities. Isto porque “se o BCE começar a baixar as suas taxas, o euro provavelmente sofrerá uma forte depreciação face ao dólar, o que tornaria mais caras as importações desta moeda, especialmente as de energia, o que elevaria a inflação nas economias europeias”, refere Juan J. Fdez-Figares.

Esta é também a justificação dada por Ramón Forcada, diretor de análises e mercados do Bankinter, para sustentar a sua previsão de que o BCE só vai descer os juros no final do verão. “Estimamos que a Fed irá reduzir as taxas de referência pela primeira vez na sua reunião de 31 de julho e que o BCE irá fazê-lo a 12 de setembro. Isso é o mais provável”, comenta.

“Temos de nos focar nas políticas europeias, tendo em conta o que se passa lá fora, mas não temos de ser o espelho dos EUA”, Christine Lagarde, presidente do BCE

Portanto, “o BCE enfrenta uma decisão difícil: continua a controlar a inflação ou impulsiona o crescimento económico”, frisa Juan J. Fdez-Figares, admitindo que “depois dos dados negativos da inflação nos EUA em março [subiu para 3,5%], que condicionam as acções da Fed, não temos tanta certeza de que o BCE vá confirmar junho como a data do início do alívio da sua política monetária”.

Também Robert Holzmann, o governador do Banco Nacional da Áustria e membro do Conselho do BCE,  considera “improvável” que o regulador europeu reduza o preço do dinheiro antes da Fed. E lembrou que a instituição “já cometeu erros no passado” e, por isso, agora está mais cautelosa - até porque há mais riscos em baixar as taxas de juro cedo demais do que fazê-lo mais tarde.

A verdade é que, apesar de existir riscos de desvalorização do euro face ao dólar, Christine Lagarde tem sublinhado que irá traçar o seu próprio caminho de flexibilização da política monetária, resistindo ao alinhamento das suas decisões com as da Fed. Embora admita que a Europa está inserida num contexto internacional que inclui os EUA e entre outros países do mundo, a presidente do BCE sublinhou esta quinta-feira que “a inflação na Europa é diferença da inflação nos EUA, assim como os níveis de consumo e investimentos”, pelo que o regulador “tem de se focar nos dados europeus e produzir políticas para os cidadãos europeus”.

“O BCE pode absolutamente agir antes da Fed”, disse Piet Christiansen, chief strategist no Danske Bank. Mas “imaginar que as políticas vão divergir durante mais tempo – digamos, nove meses ou mais – é mais difícil, porque, em última análise, tudo o que impulsiona as decisões na Fed irá repercutir-se na Europa e afetar também a zona euro” e vice-versa, disse citado pela Bloomberg.

Decisões do BCE
Christine Lagarde, presidente do BCE Getty images

As próximas reuniões do BCE

O Conselho do BCE reúne-se aproximadamente de seis em seis semanas. Este é o calendário das próximas reuniões de política monetária do guardião do euro, nas quais vai anunciar as suas decisões sobre as taxas de juro diretoras:

  • 6 de junho de 2024
  • 18 de julho de 2024
  • 12 de setembro de 2024
  • 17 de outubro de 2024
  • 12 de dezembro de 2024
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