Riscos da guerra comercial entre EUA e UE também explicam corte dos juros do BCE em 25 pontos base. Não deverá ser o único.
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BCE desce juros para 2%
Christine Lagarde, presidente do BCE Getty images

As tensões comerciais entre os EUA e a União Europeia (UE) mantêm-se. A economia da zona euro permanece fraca, embora resiliente. E a inflação caiu mesmo para baixo de 2%, o objetivo do supervisor europeu. Todos estes fatores levaram o Banco Central Europeu (BCE) a reforçar a trajetória de descida das suas taxas diretoras, voltando a cortar os juros em 25 pontos base esta quinta-feira, dia 5 de junho, deixando a taxa dos depósitos em 2%. E este não deverá ser o fim do ciclo de cortes dos juros do BCE.

Aquele que é o oitavo corte dos juros do BCE no ciclo de alívio da política monetária iniciado há um ano, já havia sido antecipado pelos analistas e descontado pelos mercados, tendo em conta a baixa inflação e fraco desempenho económico da zona euro. Uma vez mais, o regulador europeu liderado por Christine Lagarde não defraudou as expectativas e avançou com um novo corte de 25 pontos base nas suas três taxas de juro diretoras, deixando-as nos valores mais baixos desde dezembro de 2022:

  • Taxa aplicada à facilidade permanente de depósitos diminui para 2,00%;
  • Taxa de juro das principais operações de refinanciamento desceu para 2,15%;
  • Taxa aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez cai para 2,4%.

“Os dados mais recentes da inflação e o baixo dinamismo da economia europeia levaram o BCE a aprofundar sua política de revisão das taxas de juro diretoras no curto prazo”, explica Miguel Cabrita, responsável pelo idealista/créditohabitação em Portugal.

Este corte dos juros do BCE, que terá efeitos a partir de 11 de junho, foi decidido "quase por unanimidade", sendo que apenas um governador não apoiou a decisão, revelou Lagarde na conferência de imprensa realizada depois da reunião de política monetária realizada esta quinta-feira.

Zona euro com inflação abaixo de 2% - e melhores previsões

O contexto macroeconómico marcado por um “processo de desinflacionista bem encaminhado”, um crescimento económico débil e ainda por tensões comerciais levou o BCE a avançar com um novo corte dos juros de 25 pontos base esta quinta-feira, segundo explicam vários analistas.

A inflação na zona euro revelou um abrandamento mais expressivo do que havia sido antecipado, fixando-se em 1,9% em maio (2,2% em abril), de acordo com os dados provisórios do Eurostat. O facto de a taxa de inflação ter ficado ligeiramente abaixo do objetivo dos 2% serviu de argumento para os governadores avançarem com um novo corte dos juros. Além disso, a inflação subjacente - que exclui os preços da energia e dos alimentos - também caiu para 2,4% em maio (2,7% em abril), estando ainda acima da meta de 2%.

Os dados económico da zona euro “continuam a apontar para uma atividade económica débil e pressões inflacionistas moderadas na região”, comenta Michael Krautzberger, diretor de Investimento de Mercados Públicos da Allianz Global Investors (Allianz GI).

O Conselho do BCE também tem, agora, projeções mais animadoras para a evolução da inflação global na zona euro, que deverá situa-se em 2,0% em 2025, 1,6% em 2026 e 2,0% em 2027. "Os especialistas do Eurosistema projetam que a inflação excluindo preços dos produtos energéticos e dos produtos alimentares seja, em média, de 2,4% em 2025 e 1,9% em 2026 e 2027, praticamente sem alterações face a março", lê-se no comunicado.

Economia europeia surpreende - mas continua fraca

Apesar dos avanços e recuos da guerra de tarifas entre os EUA e a UE, a economia da zona euro cresceu 1,5% no primeiro trimestre de 2025 em termos homólogos, ligeiramente mais do que no final de 2024 (quando a subida foi de 1,2%). A nível trimestral, o PIB da área euro cresceu 0,6% no início de 2025, depois de ter aumentado 0,3% no final do ano passado, revelou o Eurostat esta sexta-feira.

“A economia da zona euro mostrou uma resiliência surpreendente no primeiro trimestre devido, em parte, ao aumento das exportações face à ameaça tarifária”, comentam os analistas da Ebury Portugal, admitindo, no entanto, que os riscos de crescimento económico continuam “inclinados para o lado negativo”.

Os especialistas do Eurosistema projetam que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) real se situará, em média, em 0,9% em 2025, 1,1% em 2026 e 1,3% em 2027. A projeção para 2025 não foi revista, refletindo "um primeiro trimestre mais forte do que o esperado, combinado com perspetivas mais fracas para o resto do ano", esclarecem.

Desde o Conselho do BCE explicam que "embora se espere que a incerteza em torno das políticas comerciais pese sobre o investimento empresarial e as exportações, sobretudo no curto prazo, o aumento do investimento público em defesa e infraestruturas apoiará cada vez mais o crescimento no médio prazo". Além disso, o consumo também deverá ser estimulado por rendimentos mais elevados, um mercado de trabalho mais robusto e por condições de financiamento mais favoráveis.

"Uma nova intensificação das tensões comerciais nos próximos meses levaria a que o crescimento e a inflação se situassem abaixo das projeções de referência", Conselho do BCE

Para Martin Wolburg, economista sénior da Generali Investments, estes “riscos da guerra comercial também justificam a nova flexibilização” da política monetária decidida esta quinta-feira, que colocou a taxa de juro dos depósitos - a taxa através da qual o Conselho do BCE define a orientação da política monetária - no centro do corredor neutro de 1,75% a 2,25% calculado pela equipa do regulador europeu.

“Ainda que os receios de uma guerra comercial global tenham diminuído” desde a última reunião do banco central, em abril, “as tensões comerciais mantêm-se”, avisa Michael Krautzberger, da Allianz GI. Recorde-se que, no final de maio, o Tribunal de Comércio Internacional declarou ilegais as tarifas recíprocas de Trump. No entanto, o tribunal de recurso permitiu que estas tarifas permanecessem em vigor enquanto resolve o caso. "O revés judicial sofrido pelas tarifas de Trump pode condicionar as negociações com os EUA e encorajar a UE", nota a Ebury.

Perante o atual contexto de incerteza, os especialistas do BCE já avaliaram como é que as diferentes políticas comerciais poderiam afetar o crescimento económico e a inflação na zona euro. E concluíram o seguinte: "De acordo com esta análise de cenários, uma nova intensificação das tensões comerciais nos próximos meses levaria a que o crescimento e a inflação se situassem abaixo das projeções de referência. Em contraste, se as tensões comerciais fossem resolvidas com resultados benignos, o crescimento e, em menor grau, a inflação apresentar-se-iam acima das projeções de referência".

Guerra comercial dos EUA
Christine Lagarde, presidente do BCE, e Donald Trump, Presidente dos EUA Getty images

Analistas antecipam mais um corte dos juros do BCE em 2025

O futuro dos juros do BCE é menos claro, embora haja um consenso generalizado de que a margem de redução é cada vez mais curta. Desde o regulador europeu, não se vislumbram decisões futuras, admitindo apenas que seguirá "uma abordagem dependente dos dados". "O Conselho do BCE não se compromete previamente com uma trajetória de taxas específica (...), especialmente nas atuais condições de excecional incerteza", frisa.

Na conferência de imprensa, Lagarde não assumiu explicitamente que o BCE poderá fazer agora uma pausa nas reduções das taxas, mas disse que "estamos a chegar ao fim de um ciclo de política monetária que respondia a choques acumulados, incluindo a Covid-19, a guerra na Ucrânia e a crise energética”, que fizeram os preços disparar. 

Com a taxa dos depósitos no centro da escala neutra definida pelo BCE, “a margem para novos cortes nas taxas está a diminuir. No entanto, ainda não vemos o fim do ciclo de cortes”, lê-se numa nota assinada pelo economista sénior da Generali Investments, que continua a apostar num novo corte das taxas para os 1,75%.

“Se a UE não sofrer grandes surpresas tarifárias e a zona euro mantiver alguma resiliência no resto do ano, o ciclo de corte de taxas do BCE estará perto do fim”, analistas da Ebury

Também os analistas da Ebury Portugal preveem que haja mais um corte dos juros em 2025, o qual "poderá muito bem ser o último do atual ciclo". "Suspeitamos que o Conselho do BCE aproveitará a maior parte do verão, se não todo, para fazer um balanço e ver como se desenrola a saga das tarifas, antes de decidir os seus próximos passos. Um novo corte em setembro está longe de estar fora de questão, mas vemos um risco acrescido de que o BCE espere até outubro para voltar a puxar o gatilho", dizem em declarações ao idealista/news. 

Por seu turno, Felix Feather, economista da Aberdeen Investments, acredita que este corte dos juros do BCE provavelmente "não será o último do ciclo", já que o petróleo mais barato, o euro forte e a flexibilização dos mercados de trabalho deverão manter a inflação contida no curto prazo, mesmo que a UE retalie com tarifas contra os EUA. "Portanto, esperamos um novo corte na taxa em setembro", enfatiza.

“Continuamos a acreditar que esta poderá ser a última redução das taxas, mas os riscos continuam a apontar para uma redução adicional. Se isso se concretizar, acreditamos que setembro é uma data mais provável do que julho”, comenta Bas van Geffen, senior macro strategist no neerlandês Rabobank, citado pelo ECO.

Quanto ao futuro de Lagarde à frente do BCE, a atual presidente afirmou estar “determinada” a concluir o seu mandato, que termina em outubro de 2027, refutando rumores de que sairia mais cedo para presidir ao Fórum Económico Mundial de Davos, na Suíça. “Posso afirmar com toda a convicção que sempre estive e continuo totalmente determinada a cumprir a minha missão e a concluir o meu mandato”, declarou.

Descida dos juros do BCE
Getty images

As próximas reuniões do BCE

Conselho do BCE reúne-se aproximadamente de seis em seis semanas. Este é o calendário das próximas reuniões de política monetária do guardião do euro, nas quais vai anunciar as suas decisões sobre as taxas de juro diretoras:

  • 24 de julho de 2025
  • 11 de setembro de 2025
  • 30 de outubro de 2025
  • 18 de dezembro de 2025
  • 5 de fevereiro de 2026
  • 19 de março de 2026
  • 30 de abril de 2026
  • 11 de junho de 2026

*Com Lusa

*Notícia atualizada dia 6 de junho, às 11h22, com novos dados do PIB da zona euro

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