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“Culpar o Alojamento Local pelo problema habitacional é procurar um bode expiatório”
idealista/news

O eventual excesso de casas direcionadas para o Alojamento Local (AL) em Lisboa tem suscitado alguma polémica. Será que o facto de haver mais oferta e procura por este tipo de alojamento turístico está a contribuir para o aumento do preço das casas e do valor das rendas na capital? “O problema maior de tudo isto é a falta de atratividade do arrendamento tradicional, agravado, e muito, na zona histórica”, diz ao idealista/news Eduardo Miranda, presidente da Associação de Alojamento Local em Portugal (ALEP).

Segundo o responsável, a maioria das casas disponíveis no arrendamento de curta duração não teria utilização no arrendamento tradicional. “50% do AL é relativo a T0 e T1 que têm menos de 50 m2. É este o padrão das famílias que se querem mudar para Lisboa?”, questiona, salientando que as pessoas “apontam todos os canhões para o AL”. 

“Culpar o Alojamento Local pelo problema habitacional é procurar um bode expiatório”
Eduardo Miranda, presidente da Associação de Alojamento Local em Portugal (ALEP). ALEP

Um edifício pode estar todo alocado para AL?

Nos apartamentos, o limite era de nove do mesmo proprietário por prédio. Agora, uma pessoa pode ter mais de nove, desde que o total de frações não signifique mais de 75% do prédio. Ou seja, o mesmo proprietário só pode alocar 75% de AL num prédio. 

A tendência do AL é ser o particular a ter uma fração num prédio?

O que continua a crescer é os proprietários pequeninos, os que têm uma ou duas casas. O principal do AL são os proprietários individuais, que têm apartamentos isolados em prédios, um ou dois. O que nos interessa é preservar um ambiente onde haja diversidade, o que o mercado precisa e está a pedir é diversidade. É que já não há uma única forma de se alojar num centro urbano. 

"O AL em Lisboa tinha 3.000 registos e num ano passou a haver 6.000. A concorrência é maior, mas não houve uma alteração forte da ocupação"

Vai continuar a haver público/procura?

Não podemos fazer estimativas. Tudo está encaminhado para o lado positivo. O turismo em Lisboa e Porto tem vindo a crescer, mas estamos num mercado em que há coisas que não controlamos, atentados terroristas, terramotos, etc. Mas em Portugal o crescimento da oferta vai acompanhado de forma equivalente a procura, até agora têm andado em sintonia. O AL em Lisboa tinha 3.000 registos e num ano passou a haver 6.000. A concorrência é maior, mas não houve uma alteração forte da ocupação. Nota-se que há uma guerra de preços no inverno, mas este é um negócio sazonal, os hotéis também têm ajuste de preços. 

Ainda há espaço para o negócio do AL crescer em Lisboa e Porto?

Depende sempre do projeto. A grande vantagem do AL é a flexibilidade. Para ganhar 100 euros vale a pena? O importante é saber onde e como a pessoa vai entrar no negócio. Depende da localização, do posicionamento do projeto – tipologia T1 é uma coisa, T3 ou T4 é outra e T2 é outra. Um imóvel no centro histórico é uma coisa, noutro sitio é outra. A concorrência é grande e se for um projeto medíocre corre o risco de cair. E depois há a personalização do serviço, quem faz a diferença é o proprietário, ele consegue criar o seu próprio nicho de mercado. A questão é: quem apostar no AL tem de saber como se vai posicionar. 

Têm surgido críticas de pessoas que acusam o AL de estar a contribuir para o aumento do preço das casas e das rendas. Qual é a posição da ALEP sobre este tema?

Olhando para os preços há um dado factual. Realmente há um aumento de valores. Quem é culpado disto? As pessoas encontraram um bode expiatório, que é a explicação mais fácil, e apontam todos os canhões para lá, para o AL. O que está a acontecer é uma radicalização do discurso de um grupo [de pessoas] que nunca fez a pesquisa de números, algo que nós fazemos. Não queremos só dizer que a cidade estava abandonada etc., o que é verdade, mas vamos olhar mais a fundo. Na verdade, o AL em Lisboa cresce a partir de 2013, antes disso a cidade estava abandonada. 

"Realmente há um aumento de preços. Quem é culpado disto? As pessoas encontraram um bode expiatório, que é a explicação mais fácil, e apontam todos os canhões para lá, para o AL"

Desde 2008, com a crise, houve um problema de falta de imóveis para arrendamento, porque houve um foco para a venda de casas, para o crédito à habitação. Tínhamos um mercado abandonado. O que estamos a fazer hoje é reabilitação. Havia mais de 10.000 imóveis vazios nas freguesias do núcleo histórico de Lisboa, alguns estavam abandonados. E havia 4.700, mais ou menos, que eram de segunda habitação. Ou seja, havia quase 15.000 imóveis que não poderiam afetar a habitação, essa é uma bitola que temos no AL. Há, por isso, alguma coisa errada aqui. Havia 10.000 imóveis vagos e o AL tem 5.500 imóveis registados, fizemos este levantamento [até novembro]. Nós ocupamos nem metade dos vagos e um terço daquilo que não afetava habitação. Há aqui um fenómeno que ultrapassa bastante o AL.

Mas as casas estão de facto mais caras. 

Há dois pontos a analisar. O problema maior de tudo isto é a falta de atratividade do arrendamento tradicional, agravado, e muito, na zona histórica. 50% do AL é relativo a T0 e T1 que têm menos de 50 m2. É este o padrão das famílias que se querem mudar para Lisboa? Quase ninguém tem estacionamento, há escadas, 91% destes imóveis não tem elevador... E depois, o segundo ponto, é que nunca a zona histórica teve um peso importante na residência habitual, são 6%, 7%, 8%. E o AL está quase todo concentrado nestas zonas. Estar a culpar o AL por todo o problema habitacional em Lisboa é querer encontrar um bode expiatório. Um ponto importante é tornar o arrendamento tradicional mais atrativo, mas há também um problema fiscal. Na zona histórica, boa parte do que existe não serve para as famílias, vamos parar de dizer que queremos trazer as famílias para onde elas não querem vir. 

"50% do AL é relativo a T0 e T1 que têm menos de 50 m2. É este o padrão das famílias que se querem mudar para Lisboa? Quase ninguém tem estacionamento, há escadas, 91% destes imóveis não tem elevador..."

E outra coisa: não foi o AL que criou uma lei para atrair investimento estrangeiro. É bom, porque ninguém queria investir cá e começaram a vir. Ajudou a recuperar a cidade e o centro histórico, mas isso tem um efeito, os investidores estrangeiros começam a comprar para ter uma segunda casa ou para rentabilizar. Algumas para AL, mas esse não é o problema: na zona histórica é caríssimo remodelar, por exemplo, e os investidores estrangeiros é que são os compradores hoje.

O AL não pode ser culpa de uma estratégia de sucesso, de trazer investimento estrangeiro para o país e de haver uma aposta na remodelação de apartamentos. 

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