Especialistas dizem que a medida generalizada pode gerar mais incerteza no mercado e reduzir oferta.
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Moratória no arrendamento: Espanha está a estudar... e o Governo em Portugal?
Pablo Iglésias, vice-presidente do Governo espanhol e líder do partido de esquerda Podemos. GTRES

Depois das moratórias aprovadas para o crédito à habitação, em vários países da Europa, chega a discussão à volta de um procedimento semelhante no se refere às rendas das casas. O tema, na vizinha Espanha, já saltou para o plano político e está a ser estudado dentro do Governo de coligação PSOE-Unidas Podemos, mas ainda não há decisão tomada, devido à sua complexidade e ao facto de que "do outro lado (senhorios particulares) estão pessoas e não bancos". Os especialistas consideram que tal medida iria contribuir para gerar mais incerteza e reduzir a oferta. Em Portugal, estes mesmos argumentos têm sido debatidos dentro da equipa socialista liderada por António Costa, segundo apurou o idealista/news.

O Governo português, no âmbito do estado de emergência decretado na semana passada para tentar travar a crise gerada pelo coronavírus, aprovou a suspensão de despejos e do fim dos prazos dos contratos de arrendamentos e estará a trabalhar em mais medidas na área da habitação, que deverão ser alvo de discussão em breve, de acordo com informações recolhidas pelo idealista/news, que tentou obter esclarecimentos adicionais junto do Ministério das Infraestruturas e da Habitação, mas até ao momento da publicação desta notícia, não obteve respostas às perguntas enviadas por escrito.

Por cá, e para fazer face às dificuldades causadas pela pandemia do coronavírus, a Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL), a Associação dos Inquilinos e Condóminos do Norte e a Inquiset – cooperativa de inquilinos de Setúbal assinaram uma carta aberta enviada ao primeiro-ministro, António Costa, a pedir ao Governo a extensão do período de pagamento das rendas até ao dia 15 de cada mês, durante o estado de emergência, segundo a informação da Lusa, citada pelo ECO. Querem ainda que seja decretada a obrigatoriedade de as rendas serem pagas através de depósito ou transferência bancária, mitigando a transmissão do vírus.

O que se discute no país vizinho

No caso de Espanha, e tal como relata o idealista/news.com, desde há vários dias, em plena disseminação do coronavírus em Espanha - e perante o cenário de estado de emergência -várias plataformas anti-despejo começaram a mobilizar-se para solicitar uma moratória nos arrendamentos, de forma a tentar ajudar os inquilinos afetado pela crise, sob o lema “se não cobramos, não pagamos”.

A proposta já está em cima da habitação mesa do Governo liderador por Pedro Sanchéz, impulsionada pelos membros que pertencem ao partido Podemos de Pablo Iglésias, e o objetivo é criar uma medida semelhante à já aplicada ao crédito à habitação. No passado dia 17 de março de 2020, o Conselho de Ministros aprovou uma moratória no pagamento das prestações do crédito da casa para grupos afetados (trabalhadores e trabalhadores independentes), que venham a perder o seu emprego ou vejam os seus rendimentos reduzidos drasticamente na sequência das medidas excecionais adotadas para conter a disseminação do Covid-19.

O vice-presidente dos Assuntos Sociais e Agenda 2030, Pablo Iglesias, deixou claro que "o Governo espanhol está ciente de que muitas pessoas não poderão pagar a renda" e que, portanto, “procurará formas de garantir o direito à habitação" inscrito na Constituição. Além disso, insistiu que as medidas aprovadas até agora são apenas um primeiro plano e que o executivo "continuará a dar passos adiante para não deixar ninguém para trás".

Em 2019, os despejos de arrendamento representaram dois terços do número total de execuções dos tribunais espanhóis (36.467), com Catalunha, Andaluzia e Madrid na linha da frente, de acordo com o Conselho Geral do Poder Judicial (CGPJ).

A moratória generalizada, o caos

Por esse motivo, a possibilidade de uma moratória no pagamento das rendas está a ganhar força. Uma medida que, de acordo com os especialistas, seria tremendamente prejudicial para muitos pequenos proprietários se for aplicada de forma generalizada.

"Isso geraria caos e incerteza, que é o que menos precisamos neste momento, porque reduziria a oferta num setor que já sofreu grandes ataques nesta legislatura. Além disso, a habitação é uma fonte de receita para milhões de espanhóis e, se a crise piorar, o arrendamento será um meio de sustento para muitas famílias e trabalhadores independentes que percam o emprego, vejam reduzida a sua atividade ou as suas principais fontes de rendimento”, refere Beatriz Toribio, analista imobiliária.

Na mesma linha, Gonzalo Bernardos, professor de Economia da Universidade de Barcelona (UB) e consultor imobiliário, garante que “não se podem transferir rendas de uma parte da população para outra. Por outras palavras, não tem sentido que um inquilino ganhe a renda para o proprietário perdê-la”.

Os argumentos são partilhados por Javier Rodríguez Heredia, presidente da Lazora, que enfatiza que "seria imprudente carregar as situações de vulnerabilidade causadas por esta crise nas costas da poupança privada dos espanhóis, já que milhares de pequenos aforradores que, com responsabilidade, esforço e, em muitos casos, com empréstimos, economizaram durante décadas para garantir um complemento de renda de que necessitam nas suas economias. O setor de arrendamento residencial é um setor de enorme importância social e o seu adequado desenvolvimento depende da construção se habitação social e acessível dirigida especialmente aos jovens. Esta transcendência exige que se abandonem posturas populistas de curto prazo e se planeie o futuro”.

Joaquín López-Chicheri, sócio-diretor da 360ºCorA SGIIC e presidente e CEO da socimi Vitruvio, considera que “uma pessoa em quarentena que teletrabalha e continua a receber o seu salário poderá pagar perfeitamente a renda. Quem tiver poupanças também poderá pagar até que, também ajudado por benefícios de desemprego, encontre outro emprego. Em conclusão, devemos focar a ajuda naqueles que precisam dela e não adotar medidas cuja popularidade seja alta, e que podem ter efeitos prejudiciais em um país com pequenos proprietários.”

E também chegam críticas desde o mundo da promoção. "Quando se encoraja a estender a moratória desses pagamentos de rendas, não se tem a menor ideia dos danos que se vão produzir neste enorme segmento da sociedade e do desequilíbrio que se irá produzir a nível económico, e que pode gerar inúmeras situações dramáticas”, disse numa rede social Juan Antonio Gómez-Pintado, presidente da associação de empregadores de construtoras e promotoras (APCE).

José Ramón Zurdo, diretor geral da Agência de Negociação de Arrendamento, dá um passo à frente e confessa que “grande parte do portfólio de imóveis de arrendamento que administra, os proprietários estão em piores condições económicas que os inquilinos e já informámos de que existe um perfil de proprietário com recursos muito limitados, a tal ponto que, quando um aparelho precisa ser substituído numa casa, temos que financiá-lo, porque eles não têm capacidade económica para fazê-lo”. Por esse motivo, adverte que "qualquer medida a ser executada no arrendamento deve ser recíproca para ambas as partes (proprietários e inquilinos); portanto, se uma moratória for posta em prática no pagamento de rendas, deve ser acompanhada de uma medida semelhante em relação aos proprietários para não deixá-los desprotegidos”.

Segundo os especialistas, uma fórmula que poderia ser adotada seria que os proprietários acordassem individualmente com os inquilinos com problemas específicos a suspensão temporária dos pagamentos mensais e que o Estado assumisse o compromisso de garantir a cobrança dos pagamentos após o prazo acordado, enquanto o inquilino não puder retomar os pagamentos normalmente. Mas essa alternativa, no entanto, teria de ser garantida com recursos públicos e teria um impacto direto no défice, precisamente uma das variáveis ​​macroeconómicas mais conflituosas dos últimos tempos e que causou boa parte dos ajustes. Também se poderiam usar as cauções como garantia.

Até a vice-presidente dos Assuntos Económicos, Nadia Calviño, pediu para refletir sobre essa medida e enfatizou que a principal diferença da moratória das hipotecas é que "do outro lado é um cidadão, não um banco".

Com essa discrepância interna no Governo e o apoio do setor imobiliário, tudo aponta para que a proposta do Podemos se centre sobretudo nos proprietários profissionais; isto é, empresas e indivíduos considerados grandes proprietários (considerados como tais aqueles com pelo menos 10 casas), cuja capacidade de enfrentar uma suspensão temporária da renda é muito maior do que a de um indivíduo. Além disso, anunciou nas últimas semanas que está a preparar outras medidas que afetam os grandes proprietários, como uma fórmula para acabar com os despejos de arrendamento nos seus imóveis.

Chegam as primeiras iniciativas

Lazora, o fundo lançado pela gestora Azora há quase duas décadas para promover habitação acessível em Espanha, antecipou possíveis medidas oficiais e converteu-se no primeiro proprietário profissional privado a ativar um plano de contingência para ajudar os seus inquilinos que podem ser afetados pelas consequências económicas do avanço do vírus.

Especificamente, a empresa (que atualmente administra cerca de 15.000 casas, metade delas protegidas e a outra metade gratuita) estabeleceu uma moratória no pagamento de arrendamento para as famílias cuja situação está deteriorada e com dificuldades financeiras causadas pelo Covid-19. Os critérios para que um inquilino beneficie dessa ajuda são baseados nos que foram aplicados pelo Governo no caso da moratória das hipotecas e incluem a possibilidade de adiar o pagamento das rendas durante o período em que o estado de emergência se aplica, e posterior pagamento fracionado das rendas não cobradas nesse tempo durante um ano.

Lazora também enfatizou que possui uma equipa de assistência e mediação social que analisará cada situação individualmente para oferecer as alternativas mais adequadas a cada circunstância e, para isso, criou um canal de comunicação especial disponível para todos os seus inquilinos. A gigante americana Blackstone também está a estudar a aplicação de uma moratória semelhante, segundo o diário Cinco Días.

É uma iniciativa à qual pouco a pouco se vão juntar mais proprietários profissionais. Segundo Mikel Echavarren, CEO da Colliers Spain, “faz todo o sentido do mundo que os grandes proprietários de casas arrendadas aproveitem para anunciar em seu benefício o que será inevitável e, desta vez, tentem não ser os vilões do filme. Com a quantidade de pessoas que ficará desempregada, será inevitável negociar com as famílias que não poderão despejar, porque seria fisicamente impossível numa crise. Portanto, parece-me inteligente e atrás disso irão todos os principais proprietários de imóveis. ”

As primeiras iniciativas públicas para aliviar a carga sobre os inquilinos também já chegaram. Por exemplo, a Câmara Municipal de Madrid anunciou uma moratória nos andares da Empresa Municipal de Habitação e Terra (EMVS), que beneficiará 6.000 famílias. Em concreto, ela não emitirá a fatura do mês de abril, embora possa estender a medida dependendo da evolução da situação e cancelar qualquer lançamento até junho. Uma medida semelhante à anunciada pelo governo catalão, que a aplicará a mais dos seus 20.000 apartamentos de VPO.

Por sua vez, a Agência de Negociação de Arrendamento une-se aos planos de contingência para ajudar inquilinos em apuros e decidiu reduzir a receita de arrendamento em 50% nos próximos três meses (de abril a junho) e definir um período até o final do ano (6 meses) para que os proprietários possam recuperar essa redução.

E parece que os acordos entre particulares também estão a chegar. "A necessária empatia necessária entre proprietários e inquilinos já está a acontecer e a diminuição da renda de maneira pontual também me parece que já está a ser negociada”, confessa o diretor de estudos do idealista, Fernando Encinar.

A chave: não perder a renda

E esta é, precisamente, uma das chaves que o setor reclama: que a ajuda ao arrendatário não suponha a perda de renda por parte do senhorio.

Nesse sentido, Gonzalo Bernardos lembra que o pagamento pode ser “isento durante algumas condições, como por exemplo a repartição do valor não pago por um período (seis meses, um ano ...) ou durante o período de validade que resta ao contrato, isto é, que a isenção do inquilino não suponha que o proprietário perca rendas e que as ajudas e prestações por desemprego que o Governo ativar sejam contabilizados como rendimentos dos inquilinos.”

Fernando Encinar também alerta para "a possibilidade de o inquilino poder sair da casa com dois meses dificultar a recuperação desse pagamento mensal, e a possibilidade de prorrogar implica um aumento no preço da renda nos meses subsequentes com o consequente peso para a economia do inquilino", embora avise que "alguns dos que exigem uma moratória de arrendamento estão na realidade a pedir uma renúncia direta ao pagamento. Algo que nem mesmo no caso das hipotecas foi levantado”.

Por seu lado, Beatriz Toribio sustenta que “as empresas podem ser mais flexíveis e aplicar planos de pagamento diferido, períodos de carência limitados ..., mas em casos muito específicos de famílias vulneráveis ​​do ponto de vista socioeconómico”.

A especialista imobiliária afirma que "os profissionais do setor fazem parte da solução, não do problema, e que é preciso contar com eles para sair dessa situação, e não legislar contra eles". A sua tese coloca sobre a mesa a importância dos grandes proprietários de casas terem um peso maior no mercado de arrendamento em Espanha. Diferentes estudos indicam que apenas 5% dos apartamentos arrendados em Espanha estejam nas mãos de fundos, socimis e outras empresas, embora em Madrid o peso seja próximo de 15%.

Acrescenta que se houvesse um mercado mais profissional em Espanha, seria mais viável procurar soluções de transição. Mas com um mercado dominado por indivíduos, há mais riscos do que vantagens quando se considera uma moratória geral dos arrendamentos”.

López-Chicheri também pede que não se desenvolva uma "uma cruzada ideológica contra o investimento profissional em habitação”, porque "isso não tem nada a ver com a proteção daqueles que estão em perigo devido à crise atual.”

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